Ontem, domingo, no início da noite, assisti a um documentário primoroso. O filme de Paul Smaczny, Knowledge is the Beginning.
Todo ser de bom coração e pacifista irá se apaixonar pelo que nos é contado ali. Trata-se de compreender o projeto de dois grandes humanistas: o músico e regente israelense Daniel Barenboim e o escritor e intelectual palestino Edward Said. Eles criaram um projeto magnífico que resultou na Orquestra do Divã Ocidental-Oriental. A expressão "Divã Ocidental-Oriental" ("West-Östlicher Divan") é uma referência a uma coleção de poemas de Goethe. No encarte do DVD, temos a informação de que os fundadores da Orquestra certa vez afirmaram que: A razão porque demos esse nome à Orquestra surgiu do fato de que Goethe foi um dos primeiros alemães a se interessar verdadeiramente por outros países: começou a estudar árabe quando tinha mais de sessenta anos.
Achei belíssimo ver reunidos os jovens todos que eles conseguiram reunir: judeus, palestinos, árabes, libaneses, egípcios... Tudo começou em 1998, quando eles decidiram criar um workshop para esses jovens músicos de Israel e de vários países do Oriente Médio com o objetivo de combinar o desenvolvimento e estudo musicais com o compartilhar de conhecimento e compreensão entre pessoas de culturas que tradicionalmente têm sido rivais.
O filme acompanha toda essa experiência, desde 98 até 2005. Assim, vemos esses jovens construírem seu conhecimento musical enquanto vivem lado a lado com pessoas de países que estão engajados em conflito com o seu próprio país. Portanto, não se trata apenas de um projeto musical, mas de um fórum de diálogo e reflexão sobre o problema entre Israel e Palestina. A lição que nos fica é a de que uma orquestra serve como um bom exemplo de democracia e de vida civilizada, sim e como!
Eles tocam em vários países da Europa e também nos EUA. No filme, em 2003, acompanhamos a visita emocionante que fizeram ao Marrocos. Muitos jovens diziam não ter nenhuma informação sobre esse país vizinho. Aliás, o mais visível nesses jovens é a boa vontade, o interesse por conhecer esse outro tão diferente e tão próximo, no entanto.
Por essa razão, é bastante emocionante ver os depoimentos dos jovens e que permeiam toda a narrativa fílmica. Duas garotas da palestina, de cerca de 14 anos, deram um depoimento emocionado dizendo que elas não querem o muro (aquele muro que construíram isolando os territórios palestinos) porque quando estão ensaiando ao lado de uma amiga e irmã judia, por exemplo, esse muro não existe. Ela a judia pode dizer a outra, uma palestina, qual é o andamento da composição, em que ponto da pauta estão etc. Esse muro não existe em seus corações.
Um ponto alto do documentário é a cena em que Barenboim vai receber um prêmio concedido por uma fundação do Governo de Israel. No dia anterior, ele tocara um concerto para piano para uma plateia imensa. Na saída do concerto, uma jornalista pergunta porque ele não dissera nada e apenas tocara. Ele respondeu que as pessoas tinham ido alí para ouvir música e era isso o que ele fizera. E completa: amanhã eu falarei. No dia seguinte, na entrega do prêmio, após recebê-lo das mãos do presidente de Israel e ao lado da Ministra da Educação daquele país, ele faz um discurso curto e extremamente simples, mas contundente: lê um trecho da Constituição que instaurou o Estado de Israel, um trecho que fala de liberdade e respeito aos vizinhos, etc. Por fim, ele ressalta que isso não está acontecendo. E que todo o seu trabalho é baseado na crença verdadeira de que não será por conflito armado e violência que o problema entre palestinos e israelenses será resolvido. A solução está no conhecimento, entendimento e, por acreditar nisso, ele irá utilizar o dinheiro do prêmio para continuar promovendo o seu projeto com jovens músicos de ambos os lados.
A ministra da Educação ficou extremamente ofendida, disse que o Sr. Barenboim havia ofendido o estado de Israel e que ela queria lembrar que a decisão do Conselho da Fundação por conceder-lhe aquele prêmio fora bastante controversa. Baremboim solicita o direito de resposta e diz que não pretendia ofender o Estado de Israel ou a ninguém, tão somente lera a Constituição daquele Estado e dissera o que pensa e ainda que acreditava que ela também tinha o direito de pensar como queria.
Depois, ainda aparece um judeu ortodoxo protestando: ele acredita que todos os palestinos são tão somente inimigos dos judeus e ponto final e que Baremboim apoia o inimigo com o seu trabalho (!)
No entanto, o que vimos durante todo o filme foram jovens de diferentes culturas desenvolvendo o exercício da convivência pacífica, da amizade e tocando magnificamente a música que é revolucionária porque reúne as diferenças sob o manto sonoro da concórdia.
Genial e magnífico.
ahhhh, eu quero!!
ResponderExcluirEstive lá por um tempo, vc sabe, em Israel. Pouco antes de estourar a Guera do Golfo. Pois é... acho que desde essa época (se não desde sempre?) há ali naquele Estado uma firme decisão de manter-se em guerra, numa guerra alimentada sobretudo pela indústria bélica dos EUA etc. etc, o que todo mundo já sabe. Por isso Baremboim também não deu conta de ficar lá, tem que sair pelo mundo, gritar junto com outras vozes e por outras plagas. A Ministra da Educação que aparece aí na sua crônica é bem a cara do que sempre esteve no poder político por lá. Uma lástima. Que a música possa mais! Que possamos ouvir, finalmente, o quanto os EUA plantaram de horror e discórdia por aí, taticamente, e, assim, mudar de vez o rumo da prosa, que possamos aprender a ser algo que não é parte dessa lógica.
ResponderExcluirKika,
ResponderExcluirO DVD tem cara de coisa raríssima. Não tem sequer legendas em português. Uma amiga emprestou-me.
Lu,
É verdade. Você viu de perto esse sofrimento todo.
Que a música possa mais, of course!