quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Amamos o poeta

Nesse dia D, remeto os leitores desse blog a um outro e que nos situa lindamente em relação ao poeta homenageado: Carlos Drummond de Andrade. ;-)
Leiam e apreciem a postagem intitulada Drummond no blog Semióticas, de José Antônio Orlando.


Poema da purificação

Carlos Drummond de Andrade

Depois de tantos combates 
o anjo bom matou o anjo mau 
e jogou seu corpo no rio.

As águas ficaram tintas 
de um sangue que não descorava 
e os peixes todos morreram.

Mas uma luz que ninguém soube 
dizer de onde tinha vindo 
apareceu para clarear o mundo, 
e outro anjo pensou a ferida 
do anjo batalhador.



sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Rebecca Clark


Rebecca Clark conseguiu o que ela chamou de "minha breve lufada de fama", em 1919, quando sua Sonata para viola empatou em primeiro lugar em um concurso promovido por Elizabeth Sprague Coolidge. Clarke viveu boa parte de sua vida nos EUA, embora ela tenha nascido e sido educada na Grã-Bretanha. Marcante pela sua paixão e energia, a música de Rebecca abrange uma gama de estilos próprios do século XX, incluindo aí o do impressionismo, o pós-romântico e o neo-clássico. Embora ela tenha escrito cerca de 100 obras (entre músicas apenas instrumentais, obras corais, peças de câmara e música para piano solo), apenas 20 dessas peças foram publicadas durante a vida da compositora, e quando ela faleceu em 1979, aos 93 anos, todas essas peças já estavam fora de catálogo.

Eu estava lendo tais informações no site da Rebecca Clark Society uma fundação que, desde o ano 2000, tem procurado resgatar sua memória e importância. Comecei a me interessar por essa compositora ontem, quando conheci  uma de suas obras: uma peça para viola e piano intitulada I’ll bid my heart be still.
Na verdade, quando eu acionei a frequência da rádio cultura FM de São Paulo no meu celular, a  música já estava tocando e eu a achei linda. Contudo, ao fim da música, quando a apresentadora do programa informou-nos: “Ouvimos de Rebecca Clark I’ll bid my heart be still” eu não guardei o nome da compositora e apenas ouvi: I will be my heart still. Por conta desse mal entendido, cheguei a postar no facebook:

Hoje, eu ouvia a rádio cultura fm de São Paulo e, quando uma peça para piano muito linda que tocava terminou, a locutora do programa anunciou o nome do compositor (que eu não registrei na memória) e o nome da peça (que eu registrei porque achei profundo): I will be my heart still! 
Imediatamente eu postei aqui [no facebook] apenas o título em inglês... foi uma postagem isolada e que quase não teve repercussão, lógico. Agora, no final do dia, é que entendo porque isso me tocou tão profundamente é que ainda estou muito longe de concretizar esse desejo, ou seja, de ser um dia meu coração! Mas, eu serei meu coração ainda! [I will be my heart still!] I hope!

Depois é que eu descobri que o título era I'll bid my heart be still (algo que, me parece, pode ser traduzido como “Eu vou oferecer o meu coração ainda”] e, além disso, também soube que Rebecca teria composto sua peça para viola e piano, em 1944, inspirada em uma antiga canção da fronteira escocesa cuja letra inclusive é bastante intensa, pois embora seja lírica e triste, ela é também um tanto épica.

Vejam se eu não tenho razão:

I'll bid my heart be still; and check each struggling sigh; and there's none e'er shall know my soul's cherished woe: when the first tears of sorrow are dry. [Eu vou oferecer o meu coração ainda, mas lutando quero ver cada suspiro, e não há ninguém ou qualquer um que possa vir a conhecer a aflição da minha alma querida: as primeiras lágrimas estarão secas então.]

They bid me cease to weep; for glory gilds his name; Ah, 'tis therefore I mourn, he can never return: to enjoy the bright noon of his fame. [Eles mandam-me parar de chorar, para que a glória doure o seu nome; Ah, eu lamento, mas  ele nunca retornará então para desfrutar do meio-dia brilhante de sua fama.]

My cheek has lost its hue; my eye grows faint and dim; but it is sweeter to die in grief's gloomy shade: than bloom for another than him. [Meu rosto se empalideceu, o meu olho se arregala débil e baço, mas é doce morrer na sombria dor da tristeza: desabrochar, de si mesmo, noutro.]

Uma moça chamada Jo Lopine canta a cappella lindamente essa canção no myspace


Já a peça de Rebecca Clarke é uma das mais curtas dentre as que a compositora compôs para viola e piano. Trata-se de uma composição simples, portanto, mas que requer  um controle impecável do arco por parte do violista e mudanças dinâmicas. Além disso, ela é muito transparente nas harmonias com o piano. 
Portanto, "simples" não quer dizer que não possa ser um desafio considerável, é claro, para ambos os músicos: violista e pianista.

Preciso dizer: É claro que eu também espero um dia oferecer meu coração. Mas isso é uma outra história... 

Vamos ouvir a música de Clark?



terça-feira, 23 de outubro de 2012

A talented artist from Croatia


O mote para vender seus lindos quadros no Etsy é este: "Illustration & hand lettering for food & life lovers."

E como são lindos os quadros de Anek!
Eu quero um na minha cozinha, você não?

Ela é uma ilustradora e designer gráfica que vive em Zagreb, na Croácia. Depois de terminar o curso de Design Gráfico, na Faculdade de Arquitetura e Escola de Design, ela nos conta que trabalhou por muitos anos nesse campo. E que, faz poucos anos, ela se voltou totalmente para o desenho. Esse, aliás, sempre foi o seu primeiro amor.

Desde então, ela está trabalhando em vários projetos de ilustração para muitos clientes em todo o mundo, os quais, em sua maioria, tratam de comida.

Anek busca fazer seus trabalhos de maneira simples, colorida, acessível. É possível observar que sua inteligência e criatividade revelam seus melhores sentimentos em relação à boa comida e ao bem-estar.

Quando ela não está criando em seu estúdio, ela diz curtir mesmo passar o máximo de tempo possível com seus filhinhos, que são dois meninos incríveis. Eles são seus melhores professores na vida, segundo ela, além de serem o motivo de inspiração para tudo o que ela faz. Good Luck Anek ♥!





terça-feira, 16 de outubro de 2012

Love Love Love



Leio Hard Times, de Charles Dickens, enquanto viajo de trem, retornando para casa. Olho nas faces dos passageiros e identifico em cada uma seu próprio segredo. Não que eu sabia do que se trata, mas é que ele está ali: seja na face, seja no corpo. Nos rastros, nas cicatrizes ou nos vincos da face, ou seja, por onde vemos o conjunto da história da pessoa. 

Quantas pessoas! Cansadas, contentes, insatisfeitas, transitoriamente satisfeitas, sociáveis, tímidas, fechadas, jovens de espírito ou semidestruídas.

O dia termina como todos os dias: coberto de noite. Ele pede a todos o merecido descanso, uma vez que cada qual a cada dia se permite tudo sentir intensamente.

Poucos demonstram consideração ao companheiro de jornada. Mas, o trem, que corre rumo ao seu destino, como que aponta uma verdade inexorável: que a viagem de ida e volta pode ser retomada, todos os dias.

É assim que nas existências, o que hoje é sina almeja um fim e/ou finalidade.

Curiosamente, no livro em que se narra tantos sofrimentos, só grifo, em amarelo cintilante, passagens de doçura:

He looked at her with disappointment in his face, but with a respectful and patient conviction that she must be right in whatever she did. The expression was not lost upon her; she laid her hand lightl y on his arm a moment as if to thank him for it.
[Ele a olhou demonstrando em seu rosto decepção, embora com uma convicção respeitosa e paciente de que ela devia estar certa em tudo o que fez. Tal expressão não lhe passou despercebida, pois ela pousou levemente a mão em seu ombro como se para agradecê-lo por isso.]

She went, whit her neat figure and her sober womanly step, down the dark street, and He stood looking after her until she turned into one of the small houses. There was not a flutter of her coarse shawl, perhaps, but had its interest in this man’s eyes; not a tone of her voice but had its echo in his innermost heart.
[Ela foi descendo a rua escura, com seu porte elegante e em seu sóbrio passo feminino, e ele ficou vigiando-a até que ela virou em direção a uma das pequenas casas. Talvez não houvesse uma vibração em seu grosso xale, mas isso interessava aos olhos daquele homem; nenhum tom em sua voz, mas ela ecoava no mais profundo do seu coração.] (tradução livre by me)

Insisto em encontrar nos Tempos Dificeis a prova de que não falta amor, mesmo durante tais momentos. Apenas precisamos ser mais corajosos e perseverantes, como, aliás, o é essa personagem do livro: Stephen Blackpool. Tal personagem, embora em sofrimento, possui ideias seguras e bastante distantes da retórica falaciosa de certos líderes do seu tempo.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A magia da tradição do Teatro de Marionetes da República Tcheca

A primeira vez que vi o postal que divulga a exposição Gepetos de Praga - A arte viva das marionetes da República Tcheca já fiquei encantado com essa dupla linda que cavalga no mesmo cavalo. É encantadora a expressão viva dessas personagens de cavanhaque e vestidas em roupas rendadas, e que parecem ser mensageiros de algum reino, mas em missão mais do que impossível. É que são combatentes em batalha animada pela vida: olhos alertas e tendo em veludo carmim a touca, a roupa e a boca.

É assim - vivo demais - tudo o que você encontra nessa exposição: cada uma das personagens talhadas em madeira fala de uma tradição que naquele país é secular.
Na companhia de tais personagens, entramos de chofre no reino da fantasia, do imaginário dos contos de fadas: há dragões, demônios, princesas, casais coroados, cavaleiros andantes, anjos, mensageiros celestiais, ou seja, tudo o que de fato existe em algum lugar que não pode ser visível, imediatamente, mas que de algum modo essas marionetes fazem reviver, ao menos em nossa imaginação.

O mais bacana é que durante a visita você encontra monitores muito simpáticos, fazendo oficina de marionetes com crianças, com estudantes de escolas ou mesmo com o público em geral.

Eu cheguei a assistir a um teatrinho:  uma história que essas crianças criavam de improviso, em um pequeno cenário montado na exposição para esse fim. Toda a pequena plateia, composta de adolescentes, ria muito e se divertia: é que eles sentiam a magia que só pode existir onde tem espaço a arte, a cultura, o conhecimento criativo, a vida fora do lugar comum. ;-)

Bem, depois disso tudo que eu disse, espero que você não deixe conferir os Gepetos de Praga!

Caixa Cultural São Paulo
Praça da Sé, 111
Agendamentos e informações: 11 3321-4400
29 de setembro a 02 de dezembro de 2012
terça a domingo, das 9h às 21h







segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Aqui está Nova York (Ali está São Paulo)


Que grata surpresa a leitura desse livro!

Afinal, Nova York sempre estará no nosso imaginário citadino. Se você vive em uma cidade como São Paulo – também ela uma megalópole – será inevitável fazer aproximações entre ambas.

Pois veja só: tal aproximação é absolutamente possível independentemente do fator temporal em que a vida nessas cidades seja representada! 
Sobretudo, se pensarmos no aspecto mais poético dessa possível representação. Ao menos é o que pude perceber lendo essa espécie de homenagem que o jornalista E.B. White, um dos pilares da revista The New Yorker, escreveu  no final da década de 40 e publicou  em forma de artigo na revista Holiday e, depois ainda no formato de um livrinho.
A tradução é de Ruy Castro na edição brasileira publicada pelo José Olympio Editora.


Vejam se não é possível pensar o mesmo mutatis mutandi acerca de Sampa, mesmo que ele esteja falando da realidade de uma Nova York de setenta anos atrás:

Nova York combina a dádiva da privacidade com o excitamento da participação; e, mais que a maioria das comunidades densas, logra insular o indivíduo (se ele o quiser, e quase todo mundo quer ou precisa disso) contra tudo de enorme, violento e maravilhoso que acontece a cada minuto.

(...) Para quem vem de fora, uma estada em Nova York pode ser (e com frequência é) uma sucessão de pequenos embaraços, desconfortos e desapontamentos: não entender o garçom, não saber distinguir entre uma armadilha para otários e um lugar amistoso, tomar o metrô errado, ser esbofeteado pelo motorista de ônibus por ter feito uma pergunta inocente e passar noites sem dormir porque os ruídos da cidade vazam para dentro do quarto do hotel (...) Mas não é incomum, em Nova York, encontrar os desiludidos – um jovem casal, ostensivamente de visita, quem sabe recém-casado, para quem o sonho colorido evaporou-se. A cidade foi demais para eles; pode-se vê-los, sentados e desmilinguidos, almoçando em silêncio num restaurante barato.

Mas, sem dúvida, o mais incrível foi o tom profético que essa mensagem alcançou nessa passagem (impossível não pensar no 11 de setembro):

A mudança mais sutil em Nova York refere-se a algo de que as pessoas não falam mas que está na cabeça de todo mundo. A cidade, pela primeira em sua história, ficou destrutível. Uma simples revoada de aviões pouco maiores do que gansos pode rapidamente acabar com essa ilha da fantasia, queimar as torres, desmoronar as pontes, transformar as galerias do metrô em câmaras letais, cremar milhões. A suspeita da mortalidade faz parte agora de Nova York: no som dos jatos sobre nossas cabeças, nas manchetes pretas da última edição.

E, por fim, seleciono um excerto que representa um traço de profunda delicadeza e humanidade dessa prosa:

(...) Nos cortiços há pobreza e péssima moradia, mas também uma tranquilizante sobriedade e segurança da vida familiar. Sigo para leste, ao longo do Rivington. Tudo é alegre, sujo e superlotado. As lojinhas transbordam para a calçada, deixando  apenas meia largura para os transeuntes. À luz das lâmpadas nuas, brilham melancias e peças de lingerie. As famílias fugiram dos quartos quentes dos andares superiores e vieram para a rua. Sentam-se em caixas de laranja, fumando, relaxadas, afins umas às outras. (...)

Não deixe de ler na íntegra. ;-)

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Eu consigo ver Óvnis. Você também pode vê-los



Quem tem o hábito de “flanar” por São Paulo ou qualquer megalópole, pode perfeitamente compreender que a riqueza da arquitetura dos arranha-céus - exposta a todo instante diante de nossos olhos - excita febrilmente a imaginação.
Se você é fotógrafo terá, necessariamente, o olhar treinado para ver no lugar comum a sugestão de uma cena e de um instante incomuns e, assim sendo, aproveitará ainda mais essa provocativa liberdade que o concreto da cidade evoca por meio das estruturas de seus edifícios.

As Naves de Luis Carlos da Silva têm essa gênese: elas surgiram na imaginação do artista, e, então, também no espaço, desde aquele inicial diante da objetiva. Esse start é que possibilitou que, por fim, a criação desse conjunto, que reúne imagens de edifícios de São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Taguatinga (satélite de Brasília), surgisse impresso no papel e pudesse agora estar exposto nas paredes do Salão da Fotografia Consigo - 2012.
Contudo, muito antes de serem uma sugestão do olhar do fotógrafo flâneur, elas são também uma evocação do território de fruição do estudante de Biologia, uma vez que, no seu texto de apresentação dos trabalhos, Luiz Carlos nos diz:

Um dos percursos que me possibilitou chegar até as Naves foram as imagens fotomicrográficas, ou seja, uma técnica de obtenção de imagens ampliadas por meio de lentes capazes de observar detalhes de estruturas microscópicas. Meu fascínio pelas formas evidenciadas por essas lentes ocorre desde a infância, quando nas aulas de biologia via a riqueza de detalhes das estruturas de amebas ou paramécios, ou seja, compostos celulares que podiam ser extremamente complexos em sua simplicidade primitiva. Além disso, em todas essas organizações temos a repetição de formas que se desdobram até chegar ao ser por inteiro. Nesse sentido, o padrão arquitetônico das cidades desde o modernismo permite que tal paralelo seja feito, pois a estandardização dos edifícios nos lembra dessa repetição que é também uma condição de todos os seres, e que influencia a criação humana em todas as áreas. No meu caso, influenciou minha fotografia. 

Penso que tais Naves evocam, sim, a vida que esteve aí desde há muito, ou seja, na unidade de seres muito complexos mesmo que  nessa estrutura primitiva, mas evocam também a complexidade que imaginamos para a vida, em um futuro próximo, quiçá fora do planeta. De qualquer modo, elas nos falam de nossa condição de moradores; dos espaços que construímos para isso, e, evidentemente, da beleza que sempre será desejada, em qualquer tempo e lugar, como componente fundamental de nosso habitat.

São da Fotografia Consigo . 2012
Mostra Fotográfica
Naves
Fotografias de Luis Carlos da Silva
Rua Conselheiro Crispiniano, 105 - 1º andar - Centro - São Paulo