segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Sexo & Religião: o estudo de Dag Øistein Endsjø

O livro Sexo e religião: do baile de virgens ao sexo sagrado homossexual, do cientista da religião norueguês e professor da Universidade de Bergen, Dag Øistein Endsjø, propicia aos seus leitores um prazer bastante peculiar, o de acompanhar o desvelamento do vasto panorama que a obra situa em torno dos modos como a sexualidade humana é idealizada pelas principais religiões do mundo contemporâneo: Cristianismo, Judaísmo, Hinduísmo, Islamismo e Budismo. O livro já foi traduzido para sete idiomas e este ano se deu seu lançamento no Brasil, onde também assistimos ao debate em torno de temas polêmicos ligados à sexualidade, por exemplo, na agenda política, quando candidatos cristãos conservadores e candidatos pró-bandeiras do movimento LGBT se digladiaram, motivando ainda os desdobramentos acerca de tais manifestações entre usuários das principais redes sociais na internet. Portanto, encontrarmos este livro nas livrarias se reveste de um caráter de necessidade.

O interesse da obra de Dag Øistein Endsjø está justamente em questionar consensos. Nem sempre temas tabus a respeito da sexualidade humana foram assim considerados pelas religiões, ou antes, as origens de tais tabus ou mesmo do que hoje entendemos como preconceitos podem perfeitamente apontar para reflexões necessárias, sobretudo na direção da compreensão de que sexo e religião podem ser combinados de diferentes maneiras e de que, portanto, máximas como “O judaísmo sempre foi...” ou “O islã sempre foi...” não deixam de ter contrapontos muito produtivos, os quais a própria disciplina histórica revela e que dizem respeito à maioria das religiões na sua relação com a sexualidade.

Ao optar por não fazer uma abordagem cronológica e tampouco não tomando cada religião à parte para discorrer sobre o papel do sexo em cada uma, o pesquisador desperta ainda mais nosso interesse na leitura da obra, pois ele a organiza em capítulos temáticos, nos quais questões absolutamente contemporâneas são apresentadas a partir de uma pletora de informações sobre como as diferentes religiões viram ou veem os aspectos abordados. Assim, temos que alguns dos antecedentes, motivação e crenças gerais por trás da paisagem complexa de atitudes religiosas em relação ao sexo hoje, podem ser melhor compreendidos quando frente a uma análise mais detida sobre textos sagrados, mitos antigos, declarações doutrinais, material histórico, pesquisas de ontem e hoje sobre o comportamento sexual, além de uma grande variedade de outras fontes que o autor analisa.

No capítulo inicial sua intenção é compreender as fronteiras da própria religião: as religiões têm fronteiras e/ou limites? Uma vez que determinada religião espelha uma ampla gama de abordagens diante de diferentes tipos de sexo, até que ponto certas normas relativas à sexualidade podem ser circunscritas a ela? No capítulo seguinte, o desafio é o de compreender o que é o sexo para as religiões. A variação das definições do que se considera sexual obedece o que as diferentes comunidades de fiéis determinam, uma vez que, em essência, este é um fenômeno construído culturalmente. Isso é o que permite que conservadores do talibã considerem os tornozelos de uma mulher à mostra um crime que possa vir a ser punido, ou que, em determinados círculos cristãos, a masturbação mútua entre jovens solteiros possa vir a não ser considerada uma prática sexual propriamente.

O maior capítulo do livro é dedicado ao tema do sexo heterossexual, que traz o sugestivo título de Bençãos e maldições da heterossexualidade. Apesar de termos a falsa impressão de que o sexo heterossexual, por ser amplamente aceito, possa parecer mais livre, no contexto religioso, isso não é verdade. Segundo o autor, culpa, danação eterna e pena de morte são apenas alguns exemplos do que aguarda aqueles “que não lograram se ater ao parceiro heterossexual correto, ao contexto correto e aos orifícios corretos”. As sessões do capítulo são bastante elucidativas de até onde pode ir o cerceamento da liberdade do fiel heterossexual: sexo pré-conjugal, casamento como instituição, sexo obrigatório, sexo para fins de procriação, poligamia, sexo extraconjugal, divórcio e, ainda, demais proibições e orifícios corporais. Ou seja, após a análise de tal listagem, o que se conclui é que há poucas, senão nenhuma, áreas do comportamento sexual que a religião não tentou regular. Além disso, Endsjø considera que as regras para homens e mulheres são tão desiguais que mais correto seria tratar separadamente da heterossexualidade masculina e da feminina, ou seja, como categorias marcadamente distintas. Os homens sempre têm prerrogativas na condução de sua experiência sexual na maior parte das religiões.

No capítulo dedicado ao sexo homossexual, Endsjø declara que não há nada no fenômeno religioso como tal que forneça subsídios para que uma determinada religião seja homofóbica. Ele, aliás, elenca exemplos na tradição budista ancestral, além da experiência helênica, nas quais a homossexualidade foi amplamente abençoada. É evidente, no Cristianismo, que Jesus jamais proferiu palavra contra o sexo homossexual, embora as palavras de Paulo contra o mesmo sejam sempre lembradas de tempos em tempos para justificar a execução de homossexuais, além de, evidentemente, a narrativa de Sodoma e Gomorra no Antigo Testamento, que Endsjø nos esclarece foram condenadas muito mais pela falta de hospitalidade que exerciam, pois ela era um preceito importante no judaísmo de então. Os exemplos da perseguição aos homossexuais promovida pelos cristãos são inúmeros no capítulo, e que ocorreram ao longo de toda a história, apesar disso, talvez o mais chocante seja o do século passado, quando os ideais cristãos serviram como ponto de partida para a perseguição homossexual nazista e por que quem derrotou os nazistas foram os cristãos, um grande contingente de homens homossexuais não foram libertados dos campos de concentração, mas enviados para prisões para cumprir a pena a que os nazistas os condenaram, ou seja, embora não tenham sido o único grupo a que os nazistas perseguiram, foram o único cuja perseguição foi legitimada pelos aliados ao fim da guerra.

A verdade é que, segundo Endsjø, o reconhecimento religioso do casamento homossexual, o clamor pela pena de morte, uma liberalização maior dos costumes sociais, o surgimento de grupos religiosos homossexuais e um esforço crescente empreendido pelas religiões na manutenção da discriminação formam um quadro bem complexo. No entanto, o que se verifica também é que mesmo os mais conservadores são obrigados a recuar quando convivem com fiéis da mesma religião dotados de outra visão e, portanto, mais tolerantes em relação à homossexualidade. Além disso, embora a maioria dos cristãos homofóbicos, por exemplo, feche os olhos à trajetória sangrenta da perseguição aos homossexuais impingida pelo cristianismo durante séculos, quando se toma consciência de que aquilo que é condenado não são mais meras figuras abstratas, mas sim pessoas, nossos vizinhos, amigos, filhos e irmãos, o tradicional preconceito cristão deixa de ser assimilado tão facilmente. Contudo, a única conclusão possível deste capítulo é de que o leque de atitudes religiosas em relação à homossexualidade é mais amplo hoje do que jamais foi e de que não existe nenhuma visão da homossexualidade que não possa ser defendida sob uma perspectiva religiosa.

O livro vai fechando seu escopo de temáticas possíveis em torno do tema central da obra, em direção ao problema do racismo sexo-religioso entre outras formas de discriminação e também da visão do sexo, no contexto religioso, em cultos religiosos, sexo praticado com divindades, e até após a morte, afinal, a existência de vida após a morte é um tópico jamais contestado por nenhuma concepção religiosa (Endsjø acrescenta, “bem como jamais comprovado”) e, portanto, reflete algumas das mesmas ideias sexo-religiosas sobre as quais se fundamentam vários credos. Daí é que se originaram ideias como a de que sexólatras habitam regiões infernais dantescas ou ainda de que no arrependimento é possível alcançar o perdão de Deus, pois, de acordo com o Alcorão, o paraíso tem oito portas, enquanto o inferno tem apenas sete.

Perto do término do livro, no capítulo dedicado às Prioridades Sexuais da Religião, o autor nos apresenta uma rigorosa análise do problema central a que as religiões se veem atreladas: se os fieis não mais seguirem suas regras pertinentes à vida sexual e, portanto, na vida real e privada, esses mesmos fiéis podem passar a suspeitar de que não acreditam naquilo que professam, pois se sequer se comportam como suas crenças tradicionalmente exigem que eles se comportem! Mas, afinal, quais são as estratégias comuns adotadas pelos líderes religiosos para aproximar as normas sexo-religiosas da vida real? Em primeiro lugar é possível mudar as regras completamente, caso dos cristãos em relação, por exemplo, ao racismo-sexual, que sempre caracterizou parcelas consideráveis do cristianismo, mas cuja alteração é um exemplo de uma modificação de tal sorte que leigos, e até o próprio clero, acreditam que o modo como é hoje seja na verdade o modo original da doutrina. Também é possível coagir as pessoas a fazerem o que a doutrina determina. Essa foi a estratégia mais adotada no passado e há inúmeros países que a empregam até hoje e sem nenhum pudor. É evidente que esta estratégia é uma afronta direta aos direitos humanos e, portanto, condenada pela ONU entre outras organizações. Outra possibilidade que as religiões encontram como estratégia é a da simples expulsão das pessoas que não se comportam como as regras determinam. Endsjø é irônico ao falar dela, pois nos diz que o problema aqui é que talvez, nesse caso, as religiões tivessem que promover expulsões em massa de fiéis. Por fim, é possível também a esses religiosos tão somente ignorar as discrepâncias entre preceitos sexo-religiosos e comportamento, mas, como já vimos, isso estabelece a dúvida a todo o complexo das crenças: se não preciso realmente obedecer tal preceito, posso pôr em dúvida todos os outros.


Após percorrer do modo mais abrangente os interstícios do tema a que se propôs tratar, Endsjø é claro e taxativo ao nos lembrar que há três palavras que, ao menos na realidade de um mundo democrático, precisam ser sempre consideradas: livre-arbítrio, consentimento e respeito mútuos. Quando tais princípios são levados em conta, dá-se ao indivíduo o direito de decidir até que ponto ele será ou não governado por códigos de conduta sexo-religiosa e não teremos como determinante o fenômeno de que alguns queiram controlar a vida sexual alheia. Simples assim.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Da amizade, quando Jesus não tem dentes no país dos banguelas.

Hoje aconteceu comigo uma experiência tomadora.

Acordei sem poder ir trabalhar, pois como estaria diante de outras pessoas dando uma aula de língua portuguesa, não poderia correr o risco de ter meu dente saltando da boca em uma fala mais entusiasmada.
A verdade é que depois dos 40 e próximo dos 50 anos, quem não tem uma dentição muito sadia dificilmente mantém todos os dentes na boca. Fui então a uma dentista que conheço para a retirada de parte de mim.
Essa operação já começa enfadonha, porque se sabe que não se está ali para cuidar de dente, mas para tirar dente. Portanto, era mesmo um preâmbulo de luto. O dia amanhecera chuvoso e fiquei na porta do consultório de guarda-chuva aberto. A doutora, um amor, quando me viu saudou-me solícita e tudo terminou rápido para que eu saísse do consultório apenas com a esperança de marcar uma consulta com o especialista em implantes que ela me indicara.
No trabalho, contando para duas amigas o ocorrido e, por fim, a respeito de todo o pesar que eu sentia, uma delas, jornalista jovem mas muito experiente, disse-me que também sentiu esse mesmo vazio que eu sentia quando um dia ela perdera um dente, que quebrara acidentalmente.
Mais tarde enviou-me um texto lindo, pelo facebook, que me pareceu ter sido a única saída que ela encontrou, naquela ocasião, para expurgar tal sentimento:

Débora passava a língua pela gengiva crua onde outrora Deus lhe havia imputado um dente. Daqueles bem másculos e brancos. Mas agora ela estava ali, de gengivas à mostra e trabalhando a sua capacidade de ser mais pacienciosa com as coisas do corpo. E da fome. 
- Mãe, não andes assim toda desdentada pela casa! Que coisa feia. O que teus netos vão pensar?
 - Que hoje é quinta-feira, Elvira! 
- Já te disse para parar com isso de marcar dia para se livrar da dentadura. 
Débora amava as quintas-feiras. 'Rancava mesmo os dentes de homem e vivia como queria: sem dentes e com uma fome maturada. Não sabia se deveria conversar com a cozinheira sobre sopas ou sobre legumes refogados. Ainda não decidira se era importante dar outro passo. A gengiva tinha lhe dado muito e, aos poucos, foi entendendo o que existe por trás de um homem cansado e farto de dias.

Eu, então, elogiei o texto lindo de Victória Brotto, esse é o nome da autora.
E na nossa conversa on-line ela disse-me ter sido isso o que aprendeu quando quebrou seu dente.

Aprendi e escrevi esse texto.

Eu a congratulei pelo texto belíssimo, dizendo que a gente escreve mesmo é na urgência. Como que por expurgo do sofrimento íntimo. É verdade! E ela escrevera lindamente a respeito disso tudo.

É. vi que a perda de um dente representa um corpo cansado, farto de dias. E talvez seja bom perder os dentes pra vermos até onde vai nossa humanidade. Vermos o limite do corpo e a grandeza da alma. E juntarmos os dois. alma e corpo. numa só coisa.

Sim Victoria, é essa a lição que devo tirar dessa experiência, sem dúvida. Vou me agarrar a isso mesmo!
E também agarrar-me a esse apoio fecundo dos amigos, pois sem amigos, não importaria quantos dentes tivéssemos na boca: seríamos bem miseráveis. 

sexta-feira, 28 de março de 2014

Sideração


Estou tomado por um sentimento muito especial e que há muito eu não sentia. É algo que diz respeito à emoção, e que, se fosse possível fazer um paralelo com alguma sensação física, seria semelhante àquela que a criança sente quando brinca pela primeiríssima vez num carrocel.

Sabe quando você tem com alguém uma cumplicidade que é única, porque abarca uma compreensão do que é viver para o aprendizado intelectual? Quando, ainda mais, nisso reside aquilo que seduz em cada qual? E seduz mais do que o restante seduziria, pois todo o resto seria o óbvio em se tratando de pessoas incomuns por natureza.

Quando falo em aprendizado intelectual, quero dizer com isso toda aquela experiência que é da ordem do cognitivo como: aprender uma língua estrangeira (poder conversar nessa língua em comum), falar de literatura ou de livros, ou de artes plásticas ou de fotografia... Enfim, trata-se de poder falar com este alguém especialmente de coisas sobre as quais você não poderia falar com todos os demais ou ao menos não da mesma maneira e essa particularidade é que faz com que tudo isso seja um Alento.

E então, você até imagina, por exemplo, que a cumplicidade possa não passar dessa fronteira.

Contudo, apenas poder vislumbrar essa extensão de intimidade, com seu desenho específico e lúdico e lúcido, isso já te toma inteiramente, porque viver essa dimensão da amizade é aguardar a promessa do que se estenderia além e já representaria a sedução mesma do desconhecido nessa interação atualizada.

Então, um corpo de expectativas renovadas nasce e cresce em você, nesta extensão particularíssima do desejo, pois, embora aqui o que seduza viva efetivamente nessa promessa do além, abarca ainda o que antes do agora já existira.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Das emoções do que se vê e do que se entrevê em Victor Hugo

                                           Deep Sea Flower by TylerXy

Uma grande emoção que tenho vivido, desde a última quinzena, tem sido a leitura do romance Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo. Tenho compartilhado com meus amigos, no facebook, minhas impressões de tal leitura, bem como trechos dessa obra.
Isso tem sido ótimo!
Outro dia, inclusive, encontrei uma moça no elevador da empresa em que trabalho, com quem tenho pouco contato na vida real, e ela comentou comigo:

- Nossa! Dá uma vontade de também ler o livro, quando a gente lê os trechos que você tem postado no face!

Fiquei contente, porque esse autor é tão pouco lido nos nossos dias! E ele foi, sem dúvida alguma, genial.
Uma das coisas que mais tem acontecido comigo, durante essa experiência de leitura, é eu ficar com os olhos marejados e ter que interrompê-la. Como apenas leio o livro durante o trajeto para o trabalho ou do trabalho para casa, faço a leitura em público, nos vagões dos trens da CPTM ou do Metrô de São Paulo. Hoje também aproveitei para ler o romance na fila de um banco, local em que fui obrigado a aguardar pelo atendimento por mais de uma hora. Que bom que eu estava com o livro. Jamais se aventure a frequentar uma fila durante tanto tempo sem ter um livro para ler!

De qualquer modo, seja no interior de vagões ou em filas, o constrangimento é sempre o mesmo, ter de verter lágrimas, durante a leitura, e perceber que as outras pessoas ficam se perguntando:

- Afinal, o que faz esse homem chorar? O que este livro pode conter de tão triste ou de tão emocionante?

Bem, nesse livro (eu ia dizer filme! hahaha) a história se passa a maior parte do tempo no mar. Em lugares inabitados ou mesmo hostis à presença humana. Lendo o capítulo XIII da obra,  O QUE SE VÊ E O QUE SE ENTREVÊ, deparei-me com um trecho com o qual me emocionei, especialmente, porque tive uma sensação que me pareceu antiquíssima: a de visitar um ambiente que é muitíssimo familiar à nossa espécie, apesar de tudo, de todo o estranhamento aparente... Afinal, sim, não podemos esquecer que todos viemos do mar.

Bonne lecture et bonne relecture!

Debaixo dessas vegetações escondiam-se e mostravam-se ao mesmo tempo as mais raras joias do escrínio do oceano, os martins, as mitras, os elmos, as púrpuras, os búzios, os estrutiolários, as conchas univalves. As campanas de lapas, semelhantes a barracas microscópicas, aderiam ao rochedo e grupavam-se em aldeias em cujas ruas rolavam as multivalves, esses escarabeus da vaga. Não podendo os seixos de mariscos entrar facilmente nessa grota, aí se refugiavam as conchas. As conchas são grandes fidalgos que, bordados e paramentados, evitam o rude e incivil contato do populacho das pedras. A fúlgida reunião das conchas fazia debaixo da água, em certos lugares, inefáveis irradiações através das quais entrevia-se um grupo de azuis e vermelhos, e todos os reflexos da água.
Na parede da caverna, um pouco acima da linha de flutuação da maré, uma planta magnífica e singular prendia-se como um debrum à tapeçaria do sargaço, continuava-o e terminava-o. Essa planta, fibrosa, vasta, inextrincavelmente dobrada, e quase negra, oferecia ao olhar largas toalhas embaraçadas e obscuras, ornadas em toda a extensão de numerosas florinhas cor de lápis-lazúli. Na água parecia que essas flores acendiam-se, e cuidava-se ver brasas azuis. Fora da água eram flores, dentro da água eram safiras, de modo que a onda, subindo e inundando o esvazamento da grota, revestia essas plantas e cobria o rochedo de carbúnculos.

A cada enchimento da vaga túmida como um pulmão, essas flores banhadas resplandeciam, a cada abaixamento apagavam-se; melancólica semelhança com o destino. Era a aspiração, que é a vida; era a expiração, que é a morte.
(HUGO, Victor. Os Trabalhadores do Mar. Trad. Machado de Assis. São Paulo: Nova Cultural, 2002, p. 220-221)