terça-feira, 30 de junho de 2009

Os 20 anos da Pandora Filmes

De 19 de junho a 16 de julho o Cineclube do HSBC Belas Artes homenageará os 20 anos da Pandora Filmes, com a exibição de 20 dos seus maiores sucessos.
Essa distribuidora é muito querida por mim. Conheço duas pessoas excelentes e que a fazem acontecer: o André Sturm, cineasta paulista e o Leo Mendes, o assessor de imprensa mais descolado que poderia existir no mundo do cinema. Trabalhei com os dois em diferentes momentos: no extinto Cineclube Veneza, no Bexiga, no início da década de 90 e, depois, na própria Pandora, no início desse século.
Abaixo, reproduzo o texto elaborado pela assessoria de imprensa da distribuidora para a divulgação do evento:
A Pandora surgiu no mercado cinematográfico em 1989 com a proposta de tornar filmes de produção independente acessíveis ao público do Brasil. Isso significava uma importante entrada de obras que, até então, só passavam por aqui através da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo ou do Festival do Rio, com alguma chance de depois irem direto para o vídeo. Nessa época era apenas em salas especiais, como cineclubes e cinematecas, que os cinéfilos podiam ver filmes clássicos e raros, muitas vezes em cópias mal conservadas.
Entre esses cinéfilos estava o jovem André Sturm, um militante do movimento cineclubista de São Paulo, que, inconformado com a falta de espaço para o cinema produzido fora de Hollywood, decidiu fundar a Pandora.
E foi do Festival de Berlim que ele trouxe o pacote inaugural da nova distribuidora. A seleção incluía Vozes Distantes, do aclamado diretor britânico Terence Davies, e o alemão Estação Doçura, de Percy Adlon.
Dois anos depois foi a vez de Não Amarás, do polonês Krzysztof Kieslovski, lançado no Brasil após fazer grande sucesso na Mostra, quando mal se sabia quem era esse diretor. Outro grande êxito foi Paisagem na Neblina, o filme que tornou o realizador grego Theo Angelopoulos mais conhecido aqui.
E quando ainda nem se ouvia falar em um diretor de Hong Kong chamado Wong Kar-Wai, a Pandora lançava Amores Expressos, uma pérola que chegou valorizada por elogios efusivos de Quentin Tarantino.
O premiado Atom Egoyan, mais um nome conhecido pelo público da Mostra, finalmente também entrava em cartaz com Exótica, após ganhar o prêmio da crítica em Cannes. Seguindo essa safra de inovações, outra ótima sacada foi trazer Felicidade, de Todd Solondz, um americano que adora chocar com suas histórias sobre famílias desestruturadas.
Foi também a Pandora que lançou Maus Hábitos, considerado um dos melhores trabalhos da fase inicial de Pedro Almodóvar, e que permanecia inédito aqui, inclusive em vídeo. Exemplo semelhante aconteceu com Martha, a última revelação da filmografia de Fassbinder a chegar nos cinemas brasileiros, em 1995, com 22 anos de atraso.
Entre os clássicos relançados, estão Morte em Veneza, de Luchino Visconti, Noites de Cabiria, de Fellini, e Quanto Mais Quente Melhor, de Billy Wilder. Este último possibilitou que a atual geração tivesse o privilégio de ver Marilyn Monroe projetada em película na tela grande.
Num momento de maior ousadia a distribuidora trouxe de volta o francês Paixão Selvagem, um dos filmes mais eróticos da história do cinema, dirigido pelo poeta maldito Serge Gainsbourg.
Também houve lugar para o cinema brasileiro. Beijo 2348/72, de Walter Rogério, aclamado pelo público nos festivais de Gramado e Brasília, teve o seu lançamento inviabilizado pelo fechamento da Embrafilme, sendo "desengavetado" pela Pandora que o lançou em grande estilo em 1994. O mais recente O Invasor, de Beto Brant, um dos filmes mais premiados da safra recente do cinema nacional, é também outro exemplo de distribuição bem sucedida.
A versatilidade da longa relação de títulos da Pandora permite reunir cineastas consagrados ao lado de jovens talentos. Dessa forma é possível misturar, por exemplo, Concorrência Desleal, de Ettore Scola, com o cult-movie moderno Lucia e o Sexo, de Julio Medem, ou a comédia O Closet, do francês Francis Weber. Para completar, cabem ainda os campeões As Bicicletas de Belleville, uma animação francesa de Sylvain Chomet, e a comédia romântica argentina Elsa e Fred, cada um com a façanha de ter ficado um ano em cartaz em São Paulo.
Todos esses filmes citados acima poderão ser (re)vistos nessa merecida homenagem à Pandora, que há duas décadas leva às telas do Brasil um pouco do que há de melhor no cinema mundial.
Programação dessa Semana:
- Beijo 2348/72: Terça-Feira às 19h10
- Noites de Cabiria: Quarta-Feira às 19h10
- Maus Hábitos: Quinta-Feira às 19h10

Mais informações no site:
http://www2.hsbc.com.br/hs/quem_somos/cultural/hsbc_belas_artes.shtml
HBSC Belas Artes: Rua da Consolação, 2.423 - Tel: (11) 3258-4092

domingo, 28 de junho de 2009

O meu cinema é francês

Personagens que são pessoas comuns. Temos um corretor de imóveis de idade avançada que mora com sua irmã, jovem, bonita e absolutamente solitária. Ele ainda convive com uma colega de trabalho, de meia idade, aparentemente muito comportada, que é muito cristã e mesmo piedosa (ela, por exemplo, cuida de um idoso acamado e irrascível, pai de um senhor solteiro e que a contrata – aqui devo dizer pouco e guardar segredo do que ali acontece – apenas direi que essa mulher tem fantasias sexuais curiosíssimas como sói ser tais fantasias).
O corretor tem ainda uma cliente que é noiva de um oficial que foi expulso do exército e que, provavelmente por isso, tem se entregado à bebida. Ele tem como seu confidente um barman. Aconselhado por esse último, o ex-oficial publica um anúncio em busca de uma nova companheira quando sua noiva resolve terminar a relação. A irmã daquele corretor responde ao anúncio e, assim, a narrativa é urdida em torno dessas personagens todas.
Assistiremos a acasos e circunstâncias que envolvem os diferentes estados de espírito das personagens, dessas vidas enlaçadas pela trama narrativa.
Esse filme revela que a vida é uma dança estranha de aproximação entre os corações, que escondem carências inauditas. Tudo, no entanto, é revelado aos poucos, com muita paciência, em diálogos verdadeiros naquilos que os diálogos representam quando são monólogos de cada personagem. As situações são expontâneas, tormentosas, compostas de desencontros, sustos e medos. E o mais comovente acontece: o desfecho delicado em que cada personagem descobre e reencontra a sua própria solidão, condição primeva e inescapável.
Estou falando do filme Coeurs (2006) de Alain Resnais. No Brasil, ele é chamado: Medos Privados em Lugares Públicos. Ele ainda está em cartaz no HSBC Belas Artes, em única sessão às 17h.
Meu sábado ganhou um sentido complementar porque fui assisti-lo.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Just a Tribute


Ontem, tive um momento constrangedor no meu ambiente de trabalho. Trabalho na redação de um jornal, então, óbviamente, tenho contato com as notícias i-me-di-a-ta-men-te, o fato mal tenha acabado de ocorrer. Embora, hoje em dia, todo mundo que esteja plugado também possa ter esse mesmo contato.
O problema é que quando você está trabalhando, você está em público, suas reações são visíveis: a redação é super povoada. Eu juro que fiquei com vontade de chorar a morte de Michael Jackson e não podia (a não ser que eu fosse ao toalete). Pois então, lembrei-me da minha infância, do Michael pequenino cantando:
Ben, the two of us need look no more
We both found what we were looking for
With a friend to call my own
I'll never be alone
And you, my friend will see
You've got a friend in me
Quando eu tinha sete ou nove anos, eu cantava (ou "dublava") a tal canção do meu amiguinho americano... (sim, eu considero a hipótese de estar pagando um "mico" também aqui, assumindo essa disposição de espírito e até mesmo breguice, mas isso de fato aconteceu, eu era uma criança pobre, da periferia de São Paulo e muito, muito sentimental).
Como se não bastasse a notícia da morte de Michael Jackson, poucas horas antes já havia sido noticiada a morte da Farrah Fawcett. Também, para mim, uma notícia de chorar. Eu adorava a série Charlie’s Angels, na minha infância.
Um outro aborrecimento que experimentei: eu alí quase chorando as perdas de minhas referências de infância, e havia pessoas a minha volta fazendo "piadinhas" a respeito da morte do Michael. Eu ouvi coisas de absoluto mal gosto. E lamentei e compreendi. Afinal, eu tenho a informação de que Freud explica esse tipo de atitude. É como o caso, por exemplo, do riso nervoso que ouvimos do público quando alguém cai. Ele é resultante da lembrança, no humano, justamente da queda final e que se dá para a cova. Há um mecanismo de compensação nesse riso: "ainda bem que foi com ele e não comigo..." Ainda!
Acontece que, sim, todos somos mortais. Eu prefiro fazer coro, nessas situações, com o poeta John Donne: A morte de cada homem diminui-me, porque sou parte da humanidade. Portanto, nunca procure saber por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Viva São João!


Leitor apreensivo


Estou lendo Edgar Morin e estou um tanto apreensivo. Vejam só que curioso: fui ao dicionário para verificar a grafia desse adjetivo e descubro que ele tem dois sentidos possíveis: 1. Ato ou efeito de apreender e 2. Preocupado, receoso. Assim, descubro também que é dos dois sentidos que estou falando aqui, quando digo que estou apreensivo com a leitura de Os sete saberes necessários à educação do futuro. Penso que sim, apreendi ou seja, tive captação mental de suas idéias, com as quais concordo integralmente: é preciso combater as cegueiras do conhecimento - o erro e a ilusão; é preciso compreender os princípios do conhecimento pertinente; é, sobretudo, preciso ensinar a condição humana, pois o ser humano é um ser complexo. Para Morin:

O ser humano é ao mesmo tempo singular e múltiplo. Dissemos que todo ser humano, tal como o ponto de um holograma traz em si o cosmo. Devemos ver também que todo ser, mesmo fechado na mais banal das vidas, constitui ele próprio um cosmo. Traz em si multiplicidades interiores, personalidades virtuais, uma infinidade de personagens quiméricos, uma poliexistência no real e no imaginário, no sono e na vigília, na obediência e na transgressão, no ostensivo e no secreto, balbucios embrionários em suas cavidades e profundezas insondáveis. Cada qual contém em si galáxias de sonhos e de fantasmas, impulsos de desejos e amores insatisfeitos, abismos de desgraças, imensidões de indiferença gélida, queimações de astro em fogo, acessos de ódio, desregramentos, lampejos de lucidez, tormentas dementes...

Por essa citação, é possível notar que o pensamento teórico do sociólogo e filósofo francês é pura poesia. Onde entra a minha apreensão, no sentido de preocupação e receio, então? Não é por conta do seminário about o livro, na PUC e que vai acontecer no próximo sábado.

A questão crucial é que eu sou, portanto, esse ser tão complexo, e, assim sendo, talvez eu não consiga ou compreender a minha própria identidade terrena (também um dos saberes necessários); talvez não possa enfrentar as incertezas (saber mais do que necessário, essencial) ou mesmo talvez eu não possa compreender as pessoas, a humanidade, quanto mais ensinar-lhes a compreensão.

E atenção: o teórico expõe muito claramente que a comunicação não garante a compreensão; a compreensão pede abertura, simpatia e generosidade. Ele também nos lembra que a incompreensão de si é fonte muito importante da incompreensão do outro.
E o mais triste de tudo: a incompreensão produz tanto o embrutecimento quanto este produz a incompreensão.
Minha esperança reside no fato de que estar apreensivo seja isso mesmo: a centelha de alguma coisa possível, uma vez que a prática mental do auto-exame permanente se faz necessária, já que a compreensão de nossas fraquezas ou faltas é a via para a compreensão das do outro.
Sim, a ética da compreensão, para Morin, é a arte de viver que nos demanda, em primeiro lugar, compreender de modo desinteressado.

terça-feira, 23 de junho de 2009

As princesas decaídas de Dina Goldstein


Ontem, eu postei imagens que foram divulgadas mundialmente com as personagens do filme Alice no País das Maravilhas, a adaptação do clássico de Lewis Carroll que está sendo dirigida pelo cineasta Tim Burton e que terá lançamento em março de 2010. A minha amiga Lilian adorou as imagens, porque adora a Alice, de Lewis Carroll, e antes mesmo de saber de onde vinham, sugeriu-me que eu fosse ver outras e eu fui.
E assim, conheci o trabalho da fotógrafa canadense Dina Goldstein. No trabalho intitulado Fallen Princesses, Dina põe personagens dos contos de fadas em cenários de nossos dias. Ela diz ter encontrado inspiração para esse trabalho ao observar crianças de 3 anos fascinadas pelas personagens dos contos de fadas, a partir das versões da Disney. Pesquisando os contos originais dos irmãos Grimm, por exemplo, notou que nos contos a coisa toda era mais barra pesada do que as versões adocicadas da Disney sugerem: afinal, como nos diz Dina, nas versões da Disney, a história sempre começa com uma mulher vilã e termina com um final feliz, em que o príncipe salva o dia e transforma uma linda jovem, vitimizada, em princesa.
Em sua interpretação dos contos, ela sugere que àquelas imagens idealizadas das princesas de Disney sejam justapostas as imagens da realidade das mulheres que ela própria conhece em nossos dias, com os problemas todos que as afetam.
Vale a pena conferir as demais, a Branca de Neve acima é só um aperitivo : -D
http://www.dinagoldstein.com/

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O colorido mundo de Alice no País das Maravilhas











Imagens da Juventude Francesa

Como já tive oportunidade de dizer por aqui, trabalho no centro de São Paulo. Assim, posso fazer o que irei fazer essa semana :D Utilizarei minha hora de almoço, amanhã, para ver uma exposição fotográfica que promete. Afinal, a mostra fotográfica Ser Jovem na França apresenta 104 obras, em grande formato, de 28 renomados fotógrafos, do acervo do Fundo Nacional de Arte Contemporânea da França.
Tais trabalhos foram reunidos originalmente com o nome Le Plus Bel Âge, e tiveram origem em uma das maiores encomendas públicas já realizada na França, sob a coordenação de Agnès de Gouvion Saint-Cyr, do Ministério da Cultura francês.
As obras que estão nessa exposição em São Paulo foram escolhidas pelo fotógrafo e curador brasileiro Milton Guran, a convite dos organizadores do Ano da França no Brasil.

Eu amo a juventude. Amo a França. Amo a Fotografia. Sei que vai ser lindo!
Falta apenas um dia para eu vivenciar essa experiência.

Importante: a exposição já passou pelo Rio, e, depois de Sampa, vai para Brasília.
Amigos candangos não deixem de ver também!


Ser Jovem na França - De 20 de junho a 26 de julho - CAIXA Cultural - Praça da Sé, 111 Terça a domingo, das 9h às 21h. Informações pelo telefone (11) 3321-4400 ou pelo site da CAIXA Entrada franca ;-D

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Quero ouvir Jacques Klein



Jacques Klein é um brasileiro ilustre e cearense de Aracati.
Ele simplesmente foi um dos pianistas brasileiros de maior prestígio e sua carreira foi, sim, de irradiação internacional.
Pelo São Google, fiquei sabendo que seu nome passou a ser reverenciado internacionalmente, em 1953, quando cursava o Conservatório de Música de Viena e conquistou por unanimidade o primeiro lugar do Concurso Internacional de Execução Musical, de Genebra, que, desde 1948, não elegia vencedores.
Mas se procurei saber de Klein, foi porque Clarice Lispector (vide post anterior) apresentou-me o artista, em uma daquelas conversas saborosas registradas no livro Entrevistas.
Klein contou a Clarice Lispector a respeito daquele epísódio de Genebra, ao responder sua pergunta Como voltou à música clássica? (Isso porque ele teve um período inicial de sua carreira como músico de intensa dedicação ao Jazz):

Foi do modo mais inesperado. Fui assistir a um filme como outro qualquer - e esse filme mudou toda a minha vida. Nele tocavam o Segundo Concerto de Rachmaninov, fiquei maravilhado. A vontade de tocá-lo fez com que eu procurasse um professor e começasse a ler de novo música, porque até isso eu já não sabia mais. Estudei com Dona Lúcia Branco, fui aos Estados Unidos estudar, voltei para cá e decidi que o piano era muito difícil e que eu deveria voltar-me ao estudo para a carreira diplomática. Essa resolução só durou seis meses. Voltei a Nova York onde estudei com um grande pianista americano, William Kapell. Depois fui a Viena, tive um período de estudos com Bruno Seidhofer, de onde saí para competir no Concurso Internacional de Genebra, naquela época o concurso mais importante da Europa. E para a minha surpresa - surpresa mesmo - tirei o primeiro lugar entre os 114 concorrentes. Esse concurso era anual, mas o primeiro prêmio já havia cinco anos não era concedido a ninguém. Aí vi que estava perdido (ri), não havia como escapar, eu tinha que seguir a carreira de pianista.
E seguiu!
Em meio a turnês na Europa, África do Sul e Israel, recebeu em 1955 a Medalha Harriet Cohen, em Londres, como melhor pianista do ano.
Foi solista de orquestras como a Filarmônica e a New Philharmonia de Londres, a Orquestra Nacional de Paris, a Sinfônica de Viena, a Filarmônica de Budapeste, a Orquestra Santa Cecília de Roma, a Filarmônica de Oslo, a Concertgebouw de Amsterdã, a do Mozarteum de Salzburgo, a Filarmônicas de Nova York e de Buenos Aires e as principais formações brasileiras, percorreu mais de 30 países e notabilizou-se como grande intérprete de Beethoven, tendo tocado os cinco concertos para piano e orquestra sob a regência de Kurt Masur e todas as sonatas diante de platéias exigentes como as de Frankfurt, Londres e Amsterdã.
Ele também foi alguém preocupado em tirar a música clássica do gueto, e, por isso, lecionou no Conservatório Brasileiro de Música, na Escola de Música da UFRJ e na Universidade de Miami.
Como dedicou sua carreira às audições públicas em concertos e recitais, deixou escassos registros em disco.
Mesmo tendo precocemente falecido, Jacques Klein nos deixou um importante legado através dos alunos que orientou. Entre os que tiveram o privilégio de estudar com ele, estão Arnaldo Cohen, Lílian Barreto, Ilze Trindade e Luiz Fernando Benedini. Faleceu aos 52 anos, em pleno apogeu artístico, quando dirigia a Sala Cecília Meireles pela segunda vez, em 23 de outubro de 1982, um mês depois de se apresentar pela última vez, no Rio, com a Orquestra de Câmara de Moscou.
Eu queria tanto ouvir um desses raros registros! Devo procurar um meio. A ver.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Um livro diferente de Clarice Lispector


Quem sabe que a vida é Mistério e dos mais absolutos, quem já amou ou sofreu, quem tem compaixão pelos loucos de verdade (os de mentira não contam), porque sabe que a loucura nos ronda o tempo todo, essas pessoas amam o artista e, portanto, amam Clarice Lispector. São os seus leitores e admiradores eternos.
Com muita simplicidade quero dizer que leio e admiro Clarice.
Uma época morei em Brasília, com um amigo que trabalhava no Itamaraty. Como ele já faleceu posso expor o que ele contou-me certa feita. Ele disse-me que conhecera uma funcionária que trabalhava há anos naquela casa e que, por sua vez, convivera com Clarice quando ela frequentava o Itamaraty pois fora casada com um diplomata. A funcionária, dizia o meu amigo, falou mal de Clarice, ela a achava uma pessoa difícil de lidar, intratável mesmo. Eu ouvi essa história com desconfiança. Não conheci a mulher, assim sendo, não pude julgar de todo a procedência desse depoimento. Mas pensei com meus botões: Clarice deve ter sofrido tendo que lidar com esses burocratas de Brasília. Eu, verdade seja dita, conheci gente boníssima no lugar, mas eu não convivia diretamente com os burocratas de plantão e sim com os universitários. E tenho comigo uma convicção: um artista jamais poderá ser compreendido por um burocrata.
Estou a falar de Clarice Lispector porque leio um livro surpreendente: Clarice Lispector - Entrevistas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
Como sabemos, Clarice trabalhou no meio jornalístico. Pois bem, foi nesse período que entrevistou grandes personalidades, escritores, músicos, artistas plásticos, atores. E todas essas entrevistas estão reunidas nesse livro que é um deleite.
Apenas para que vocês saibam a delícia de conversa que se podia ter com Clarice, reproduzo aqui algumas perguntas que ela fez para Nelson Rodrigues e suas respostas:

- Nelson, qual é a coisa mais importante do mundo?
É o amor.
- Qual é a coisa mais importante para uma pessoa como indivíduo?
É a solidão.
- O que é o amor, Nelson?
Eu sou um romântico num sentido quase caricatural. Acho que todo amor é eterno e, se acaba, não era amor. Para mim o amor continua além da vida e além da morte. Digo isso e sinto que se insinua nas minhas palavras um ridículo irresistível, mas vivo a confessar que o ridículo é uma das minhas dimensões mais válidas.

Não vou resistir e vou reproduzir também um trechinho da entrevista com Zagallo:

- Qual é o santo de sua devoção?
Santo Antonio e o seu?
Nos momentos difíceis Zagallo, eu me agarro a Santo Antonio, Santa Rita de Cássia e São Judas Tadeu.


Pois eu também, como Clarice, sou devoto de São Judas Tadeu.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Pelo Amor de Deus, acudam a Fonte!


Desde a minha infância, sempre admirei alguns monumentos do centro da cidade. Quando ainda criança, passeando com meu pai e minha mãe, deparei-me, pela primeira vez, com a Fonte Monumental, na Praça Júlio Mesquita, fiquei embasbacado. Naquele tempo, ela era ainda como na primeira foto.
Há anos, esse monumento vem sendo destruído. Primeiro, roubaram as esculturas em bronze que representavam lagostas e rostos de sereias e que ficavam nas laterais. Agora, até mesmo as figuras em mármore do monumento são quebradas ou pixadas.
O mais triste é saber que além de se perder um monumento belíssimo por si só, é também a memória de uma artista que está sendo vilipendiada.
Tal monumento é de autoria de Nicolina Vaz de Assis Pinto do Couto, uma das primeiras escultoras brasileiras (ela nasceu em Campinas, em 18 de dezembro de 1874). É bom que saibamos que exemplo de mulher ela foi. Depois da morte do primeiro marido, arcou com o sustento de seus seis filhos. Foi, aliás, a primeira mulher a receber uma bolsa para estudar em Paris, num tempo em que tais bolsas eram privilégio de homens. Soube que até uma reunião extraordinária no Congresso Nacional da época foi organizada, para decidirem se concederiam essa bolsa, o que foi feito. Graças.
Por conta disso, ela residiu em Paris durante os anos de 1904 a 1907. Aperfeiçoou suas técnicas com grandes mestres da arte daquela época, como Jean Alexandre Joseph Falguiere. Ali, exibiu seus trabalhos na exposição anual no Salão de Paris.
Em 1929, em conjunto com o segundo marido, o também escultor Rodolfo Pinto do Couto ( com quem se casou, numa época em que não era comum uma mulher casar em segundas núpcias, mesmo viúva), inaugurou uma exposição no Esplanada Hotel, na cidade de São Paulo, com cerca de quinhentas peças escultóricas em diversos tamanhos e que foi um sucesso.
Entre suas obras destacam-se oito bustos de Presidentes da República brasileira e de outros personagens brasileiros como o Barão do Rio Branco, Nilo Peçanha, Deodoro da Fonseca e ainda do milionário Rockefeller. Esse último foi considerado uma obra prima e ficou exposta durante três anos na Universidade de São Paulo. O talento da escultora também contribuíu para tornar mais belos os parques e jardins do Rio de Janeiro. Por exemplo, é o caso das obras A Serpente e o busto de Glaziou, na Quinta da Boa Vista e a Fonte de Tritão, no hoje Passeio Público da Cinelândia. Mais uma tristeza: a escultura do Tritão foi roubada em 1993, agora só há uma réplica no local. Já no Museu Nacional de Belas Artes podem ser apreciados dois bronzes: Tia Bastiana e Meditação. No Cemitério São João Batista, o túmulo de José Grey também é de sua autoria.
Na cidade de São Paulo, além da Fonte Monumental, localizada na Praça Julio Mesquita – Centro, esculpida em mármore de carrara, encontramos ainda, no Cemitério da Consolação, o magnífico mausoléu do último Governador da Província de São Paulo, o Sr. Couto de Magalhães – esta, aliás, é a primeira manifestação do Art-Noveau na cidade de São Paulo - ela representa uma mulher envolta por um fino tecido, tendo uma bandeira na mão direita.
Nicolina faleceu em 20 de julho de 1941.
Sua obra, sem dúvida, tem as condições comuns às obras eternas, desde que seja preservada.
Essas informações todas sobre a artista eu obtive lendo o artigo de Glaucia Garcia, Nicolina Vaz, sua obra, seu tempo que pode ser lido na íntegra na página: http://saopaulorestaurada.com.br/nicolina-vaz-sua-obra-e-seu-tempo/
Esse post foi inspirado na excelente reportagem do Jornalista Ricardo Osman que nos revelou, hoje, no caderno Cidades, do Diário do Comércio, o estado atual da Fonte Monumento.
Va lá: http://www.dcomercio.com.br/Canal.aspx?canal=2

sexta-feira, 12 de junho de 2009

É bom lembrar: hoje é dia dos namorados


Jens Lekman


Vejam só como são as coisas! Após um feriado em que estive totalmente blasé, hoje, quando acordei, quem parecia blasé era a própria manhã: cinza, fria, acenando com a possibilidade de garoa a qualquer instante. A cidade vazia: São Paulo sem os seus e toda nossa!
Quando abri o jornal, o Estadão, vejo uma foto desse rapaz (era uma outra em que ele estava com os olhos abertos). A manchete: Lekman e a tapeçaria pop indie - Artesão sonoro, cantor sueco leva sons bem sacados e inéditos ao Studio SP.
Gostei da frase de Lekman, que aparecia como legenda para a foto, em que ele dizia sobre o lugar em que vive na Austrália: "É um lugar chato, todo mundo parece straight, ninguém dança sozinho."
Decidi que precisava conhecer o som do rapaz. No YouTube tem muita coisa. Pude ouvir e ver os clips de You are the light, A little lost, I’m living you because I don’t love you (onde ele diz coisas do tipo I’m so sorry I couldn’t love you enought), Pochetful of Money (o clip dessa canção é lindo, lembrou-me o filme de Robert Bresson, Pickpocket, e há ainda um rapaz que canta com voz de baixo, no refrão: I’ll come running with a heart on fire)
Enfim, o som de Lekman é delicioso de ouvir e dá vontade de dançar, sozinho, of course...
Também fiquei com a impressão de que Lekman é uma espécie de Morrissey up to date. Eu que já sou fã desse último, sei que vou ainda curtir muito aquele. E ele estará, amanhã, aqui em Sampa, no Studio SP, templo indie na Rua Augusta, 591.
É isso, sábado, 13 de junho, a partir das 23h. R$30.
A reportagem completa do Estadão você encontra aqui: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090612/not_imp386129,0.php

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Os pôsteres da Belle Époque

É impossível não admirar a cena cultural francesa do final do XIX e início do XX, a chamada Belle Époque. Tudo naquele período era pura efervescência: os cabarés, o cancan, o cinema, que, aliás, havia acabado de nascer. E na artes plásticas o impressionismo, meu movimento preferido, e a Art Nouveau.
Eu chego a ter saudades do que nem mesmo vivi!
Quando esses surtos saudosos ocorrem comigo, procuro deleitar-me por meio das imagens desse período. Ontem, fiz esse exercício e descobri um site que tem toda a coleção de pôsteres da época, feitos por gente como Henry de Toulouse-Lautrec, Alphonse M. Mucha, Privat Livemont, entre outros. Além das imagens, ali você irá encontrar a biografia de cada artista. Trata-se de obras da Coleção da Wine Spectator.
Vale a pena conferir.
Esse que eu trouxe para cá é de Toulouse-Lautrec. Adorei a ideia do confete ;D
Va lá: http://www.winespectator.com/WSBelleEpoque/main.html


segunda-feira, 8 de junho de 2009

As flores de Megan Hunt


Hoje, lendo a página Logo, do Diário do Comércio, deparei-me com uma indicação de trabalho a ser apreciado e que, sim, apreciei por demais. Trata-se dos buquês de flores feitas de feltro e botões, criação da artista plástica norte-americana Megan Hunt. Ela é uma garota, muito jovem e criativa até não poder mais... e vende tais buquês para as noivas descoladas de plantão, com direito à flor da lapela do noivo.
Quer quiser conferir esse trabalho vai ver que a criatividade da garota se estende para além de buquês de noivas.
Como sempre gostei de buquês, achei o site de Hunt delicioso de olhar e deu-me vontade de fazer esses buquês e espalhar pela casa toda, dar de presente...
Quem não puder fazê-los com as próprias mãos, saiba que há uma lojinha no site. Não faço ideia de quanto custa comprar os buquês originais e se ela faz entregas para o Brasil. Quem quiser ter aqueles vai ter que conferir esse tipo de informação, of course. Vá lá:
http://www.princesslasertron.com/

Uma comédia de Emilio Carballido


Nesse domingo, fui ao teatro.
Conheci a montagem de Orinoco, do dramaturgo mexicano Emilio Carballido (1925-2008). Trata-se de um escritor bastante reconhecido como dramaturgo, mas de quem eu nunca tinha ouvido falar.
Acho excelente que tenhamos no mundo tantos artistas e tantos por descobrir. Esse é demais! Seu texto é fortíssimo, intenso, vívido.
Fiquei sabendo, graças a São Google, que Carballido pertenceu a um grupo de escritores conhecido como Generación de los 50, juntamente com outros nomes, Sergio Magaña, Luisa Josefina Hernández, Rosário Castellanos, Jaime Sabines e Sergio Galindo.
Sua primeira peça foi Rosalba y los llaveros, que estreou em 1950. Depois vieram: Un pequeño día de ira (1961), Las cartas de Mozart (1974). Seu maior sucesso foi Rosa de dos aromas (1986). Algumas peças do autor foram adaptadas para o cinema: Rosalba y los llaveros (1954), Felicidad (1956), La danza que sueña la tortuga (1975), El Censo (1977), Orinoco (1984), e Rosa de dos aromas (1989). Além de peças e roteiros para o cinema, Carballido escreveu ainda dois volumes de contos e nove novelas e foi diretor de teatro. Em 1972, recebeu dois prêmios Ariel para o roteiro do filme El Águila Descalza, de Alfonso Arau. Em maio de 2002, recebeu o Ariel de Ouro pelo conjunto de sua obra, que inclui mais de cinquenta filmes. Também é reconhecido o seu trabalho como colaborador no filme Nazarín, de Luis Buñuel (1959).
A montagem a que tive oportunidade de conhecer, como já disse, foi a de Orinoco.
Penso que São Paulo vive um período riquíssimo da cena teatral. A gente de teatro de verdade, e que não está na televisão, proporciona ao seu público montagens bem cuidadas, em que o talento dos atores, da direção e de toda a companhia abre o espaço para a fruição de uma reflexão própria da e propícia na experiência de teatro.
No caso dessa montagem, tudo agrada: o texto é riquíssimo, as soluções de cenário, de rítmo, a atuação e o timing das atrizes, o desenvolvimento das cenas, tudo colabora para a emoção/comoção.
O mais interessante, trata-se de uma comédia, mas em que o patético tem um lugar preponderante. A situação em que se encontram as duas personagens da peça é to-tal-men-te patética: duas cantoras de cabaré, Fifi (Daniela Carmona) e Mina (Bete Dorgam) acordam num barco cargueiro, em pleno rio Orinoco (trata-se de um importante e grande rio que atravessa a Venezuela). Ao acordarem, elas descobrem que estão sozinhas, a tripulação desapareceu, apenas se encontra no mesmo barco um negro esfaqueado (e que nunca aparece em cena, embora seja uma personagem crucial para a trama).
No programa da peça, há um enunciado, cujas frases acompanham o curso de uma imagem de satélite do sinuoso Orinoco:
"Duas atrizes Duas mulheres Duas meninas Um palco Um barco Uma casinha de boneca Um texto Uma metáfora Uma angústia artística."
Aviso aos navegantes: Só vão gostar, de verdade, da peça aqueles que se encantam com o universo feminino, gostam de personagens loucas, "fellinianas", sabem que a vida é difícil e que pode ser desesperadora e, ao mesmo tempo, acreditam que, apesar de tudo, sempre é possível recomeçar e que, portanto, podemos dizer, após cada derrocada, juntamente com Carballido: ainda falta o mais interessante...
Orinoco está em cartaz no Teatro João Caetano (Rua Borges Lagoa, 650 - Vila Clementino – Tel: 5573-3774) Temporada: de 5 de junho a 26 de julho de 2009; sextas e sábados às 21 horas, domingos às 19 horas.
Texto - Emilio Carballido. Tradução: Isadora Ferrite. Direção: Dagoberto Feliz. Elenco: Bete Dorgam e Daniela Carmona. Cenário: Flavio Tolezani. Figurino e adereços: Bruna Lessa. Iluminação: Aline Santini. Trilha Sonora: Dagoberto Feliz. Duração: 90 minutos. Ingressos: R$ 15,00 (inteira) R$ 7,50 (meia-entrada). Classificação etária: 14 anos.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Amor ao desenho II


A imagem acima não é a capa de um livro de verdade. É um exercício de criação que fiz como uma avaliação final, no Treinamento de CorelDRAW. O professor pediu que fizéssemos uma capa de um livro infantil, empregando a maior parte dos recursos que aprendemos a utilizar durante o treinamento.
A semana passada eu quase chorei (vide post Amor ao desenho) ao sentir-me frustrado por não conseguir utilizar uma ferramenta (a "caneta"), com destreza. Essa semana, procurei estar mais concentrado e, tenho que dizer, o professor e a escola são bons mesmo e ajudaram muito.
Notei também que esse novo e breve contado com o universo do desenho vetorial fez-me descobrir que, no mundo contemporâneo, a maioria das campanhas publicitárias, das capas de revistas, das embalagens de produtos, etc. são feitas com o desenho vetorial.
Hoje, aconteceu-me uma surpresa boa em torno da atividade escolar. Quando sabemos que seremos avaliados, naturalmente, ficamos um pouco tensos... Assim, fui para a escola pensando: o que será que o professor vai pedir como exercício? Então, ao atravessar a Avenida Paulista, vi um furgão com uma cara enorme de um panda desenhado no carro. Pensei: o Panda é um bom personagem para se desenhar livremente no Corel. E comecei a imaginar como eu faria: que ferramentas utilizaria, quais objetos iniciais traçaria, etc. Quando cheguei na sala de aula, passei a treinar, iniciando os traços do Panda na prancheta, e quando o professor chegou, foi logo dizendo: Façam a capa de um livro infantil. Ele também deu-nos a relação de exigências para o execução do exercício, ou seja, quais tópicos ele queria que empregássemos em relação ao que foi aprendido no curso.
Eu fiquei tocado: Meu Panda Feliz, como vocês viram, foi a personagem de toda a atividade. Penso que a boa surpresa é um sinal de que podemos, sim, estar em sintonia com o que desejamos.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O Avião e os trens

Uma semana difícil para muitos. Junho começou sob o signo do desastre. Quando, na segunda, ouvi falar do desaparecimento do avião da Air France fiquei apreensivo. Pensei o que uma amiga sempre fala quando são noticiados desastres, desgraças e tragédias coletivas de grandes proporções: Famílias estão chorando nesse momento.
Nesse sentido, foi muito pertinente o que Alessandro Martins, do Blog Livros e Afins, escreveu ontem. Trata-se de uma reflexão a respeito do que aconteceu no Twitter: as piadinhas de mau gosto, dos "twitteiros" de plantão, em torno da tragédia, ou seja, comparando o ocorrido com o seriado Lost... O título do post do Alessandro é Queda do avião: o cinismo é a nova hipocrisia [perdoem-me não ter aprendido a fazer o link direto, é só procurar no http://livroseafins.com/]
Aconteceu também essa semana: como já disse por aqui, estou fazendo o Treinamento de Corel Draw (vide post Amor ao desenho) em uma escola na Avenida Paulista. No entanto, moro muito longe dali. Assim sendo, tenho acordado muito cedo e atravessado a cidade.
Então, pude acompanhar o verdadeiro calvário que é o da população da Zona Leste da cidade de São Paulo para chegar ao trabalho, no centro da cidade ou ainda mais distante. Os trens da CPTM são minúsculos e o povo vinha como se fora, literalmente, sardinhas em lata, comprimido dentro dos vagões. Ontem, vi mais de uma pessoa sentindo-se mal e tendo que interromper o trajeto, levadas pelos seguranças das diferentes estações para atendimento médico.
Hoje, o que me comoveu foi o episódio do embarque, às 7h da manhã, na estação Brás, sentido Sé. Aqui, preciso destacar o trabalho do funcionário do Metrô que fica na plataforma, auxiliando os passageiros no embarque. Naquele caos, não há muito o que fazer, mas ele faz o essencial, uma vez que o problema todo ocorre no momento em que o carro para e abre suas portas: é quando a multidão tenta entrar em vagões já absolutamente lotados. Desenvolve-se, então, uma verdadeira batalha entre os que estão dentro e os que se encontram na espécie de cancela da plataforma. Como o movimento é intenso e coletivo, o empurrar o grupo da frente para dentro do vagão faz com que, quando o trem fecha as portas, os primeiros passageiros do grupo, e que não embarcou, estejam completamente fora da faixa amarela, a mesma que impediria possíveis acidentes, incluindo a queda de uma passageiro na via.
Pois bem, esse funcionário não tem como impedir essa dança primitiva e que ocorre por força das circunstâncias, mas é ele quem cuida de pedir (depois que quem conseguiu entrar no trem entrou e não há condições de ninguém mais entrar) que as pessoas dêem um passo para trás; quem avisa para aqueles, mais desatentos, que o último vagão tem uma alça e que poderá machucar, se bater no corpo da pessoa; é ele quem libera o maquinista, quando vê que há um espaço mínimo de distância entre as pessoas na plataforma e o trem que, então, se movimenta e parte.
Não é um trabalho fácil: trata-se de lidar com inúmeros desconhecidos, passageiros, em um momento de estresse coletivo e, o mais importante, ele se sente responsável pelas vidas ali em jogo, isso é visível para quem assiste seu trabalho. Fica aqui minha singela homenagem a esse agente de segurança anônimo, do Metrô.
Para terminar, uma pergunta importante: quando o Governo do Estado de São Paulo irá parar de fazer propaganda da compra de novos trens, tanto para a CPTM quanto para o Metrô, e vai colocá-los de vez para rodar?

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Personagens de Teatro e de Tchékhov



Ontem, fui ver a última apresentação da peça Réquiem, de Hanoch Lenin, no João Caetano. O texto sem dúvida é belíssimo. Lenin resgata a pureza das personagens de Tchékhov, ele inspirou-se em três contos desse autor ao escrever a peça. Como sofrem e são miseráveis! A limitação das personagens é, por um lado, de ordem socioeconômica, mas aponta para uma limitação mais essencial. A verdade é que o autor está a dizer que vivemos a vida toda enganados, quanto aos nossos desejos e aos dos outros, e será, sempre, muito perto da morte que a vida manifestar-se-á em verdade(s).

Assim, a esposa do marceneiro que constrói caixões sente-se feliz tão somente quando se vê morrendo, para ela esse evento será de liberdade. O marido vai percebendo, muito lentamente, que não viveu como devia, na sua relação com a esposa e com tudo e todos. Mas tudo já é impossível a essa altura... Há desconcerto no mundo e na vida de cada um. Os atores tão jovens estavam tão compenetrados: fizeram tudo com muita vontade, seriedade e amor. Ah, essa gente é gente de teatro, mesmo!

Fica aqui o registro.

Depois da peça, pensei muito também em um conto de Tchékhov chamado Vanka, do livro que estou lendo e cuja capa ilustra esse post. O título do pequenino conto remete ao apelido da personagem principal, um garotinhho de 9 anos e que vive em um regime praticamente de escravidão, como aprendiz de sapateiro. Humilhado e sofrendo com os constantes espancamentos, não aguenta mais a vida que vive, estando onde está. Então, escreve uma carta, escondido, ao avô, que vive longe e é um pobre coitado. O modo como ele termina a carta é de chorar:

"Venha querido vovô" - continuou Vanka - "eu te imploro por Cristo Deus, me leva daqui. Tem dó de mim, órfão infeliz, porque aqui todos me surram, tenho uma fome danada e fico tão triste que nem sei dizer, choro o tempo todo. Um dia desses o dono me bateu na cabeça com uma forma de madeira com tanta força que eu caí e custei a acordar... Minha vida está perdida, vivo pior que qualquer cachorro... E ainda estou mandando cumprimentos a Aliona, ao Iegorka zarolho e ao cocheiro, e não dê minha harmônica para ninguém. Serei sempre seu neto Ivan Júkov, vovô querido, venha."

O conto chega ao fim quando ele põe a carta na caixa de correios, mas, então, já intuímos que ela nunca chegara ao seu destino.