segunda-feira, 1 de junho de 2009

Personagens de Teatro e de Tchékhov



Ontem, fui ver a última apresentação da peça Réquiem, de Hanoch Lenin, no João Caetano. O texto sem dúvida é belíssimo. Lenin resgata a pureza das personagens de Tchékhov, ele inspirou-se em três contos desse autor ao escrever a peça. Como sofrem e são miseráveis! A limitação das personagens é, por um lado, de ordem socioeconômica, mas aponta para uma limitação mais essencial. A verdade é que o autor está a dizer que vivemos a vida toda enganados, quanto aos nossos desejos e aos dos outros, e será, sempre, muito perto da morte que a vida manifestar-se-á em verdade(s).

Assim, a esposa do marceneiro que constrói caixões sente-se feliz tão somente quando se vê morrendo, para ela esse evento será de liberdade. O marido vai percebendo, muito lentamente, que não viveu como devia, na sua relação com a esposa e com tudo e todos. Mas tudo já é impossível a essa altura... Há desconcerto no mundo e na vida de cada um. Os atores tão jovens estavam tão compenetrados: fizeram tudo com muita vontade, seriedade e amor. Ah, essa gente é gente de teatro, mesmo!

Fica aqui o registro.

Depois da peça, pensei muito também em um conto de Tchékhov chamado Vanka, do livro que estou lendo e cuja capa ilustra esse post. O título do pequenino conto remete ao apelido da personagem principal, um garotinhho de 9 anos e que vive em um regime praticamente de escravidão, como aprendiz de sapateiro. Humilhado e sofrendo com os constantes espancamentos, não aguenta mais a vida que vive, estando onde está. Então, escreve uma carta, escondido, ao avô, que vive longe e é um pobre coitado. O modo como ele termina a carta é de chorar:

"Venha querido vovô" - continuou Vanka - "eu te imploro por Cristo Deus, me leva daqui. Tem dó de mim, órfão infeliz, porque aqui todos me surram, tenho uma fome danada e fico tão triste que nem sei dizer, choro o tempo todo. Um dia desses o dono me bateu na cabeça com uma forma de madeira com tanta força que eu caí e custei a acordar... Minha vida está perdida, vivo pior que qualquer cachorro... E ainda estou mandando cumprimentos a Aliona, ao Iegorka zarolho e ao cocheiro, e não dê minha harmônica para ninguém. Serei sempre seu neto Ivan Júkov, vovô querido, venha."

O conto chega ao fim quando ele põe a carta na caixa de correios, mas, então, já intuímos que ela nunca chegara ao seu destino.



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