quarta-feira, 24 de junho de 2009

Leitor apreensivo


Estou lendo Edgar Morin e estou um tanto apreensivo. Vejam só que curioso: fui ao dicionário para verificar a grafia desse adjetivo e descubro que ele tem dois sentidos possíveis: 1. Ato ou efeito de apreender e 2. Preocupado, receoso. Assim, descubro também que é dos dois sentidos que estou falando aqui, quando digo que estou apreensivo com a leitura de Os sete saberes necessários à educação do futuro. Penso que sim, apreendi ou seja, tive captação mental de suas idéias, com as quais concordo integralmente: é preciso combater as cegueiras do conhecimento - o erro e a ilusão; é preciso compreender os princípios do conhecimento pertinente; é, sobretudo, preciso ensinar a condição humana, pois o ser humano é um ser complexo. Para Morin:

O ser humano é ao mesmo tempo singular e múltiplo. Dissemos que todo ser humano, tal como o ponto de um holograma traz em si o cosmo. Devemos ver também que todo ser, mesmo fechado na mais banal das vidas, constitui ele próprio um cosmo. Traz em si multiplicidades interiores, personalidades virtuais, uma infinidade de personagens quiméricos, uma poliexistência no real e no imaginário, no sono e na vigília, na obediência e na transgressão, no ostensivo e no secreto, balbucios embrionários em suas cavidades e profundezas insondáveis. Cada qual contém em si galáxias de sonhos e de fantasmas, impulsos de desejos e amores insatisfeitos, abismos de desgraças, imensidões de indiferença gélida, queimações de astro em fogo, acessos de ódio, desregramentos, lampejos de lucidez, tormentas dementes...

Por essa citação, é possível notar que o pensamento teórico do sociólogo e filósofo francês é pura poesia. Onde entra a minha apreensão, no sentido de preocupação e receio, então? Não é por conta do seminário about o livro, na PUC e que vai acontecer no próximo sábado.

A questão crucial é que eu sou, portanto, esse ser tão complexo, e, assim sendo, talvez eu não consiga ou compreender a minha própria identidade terrena (também um dos saberes necessários); talvez não possa enfrentar as incertezas (saber mais do que necessário, essencial) ou mesmo talvez eu não possa compreender as pessoas, a humanidade, quanto mais ensinar-lhes a compreensão.

E atenção: o teórico expõe muito claramente que a comunicação não garante a compreensão; a compreensão pede abertura, simpatia e generosidade. Ele também nos lembra que a incompreensão de si é fonte muito importante da incompreensão do outro.
E o mais triste de tudo: a incompreensão produz tanto o embrutecimento quanto este produz a incompreensão.
Minha esperança reside no fato de que estar apreensivo seja isso mesmo: a centelha de alguma coisa possível, uma vez que a prática mental do auto-exame permanente se faz necessária, já que a compreensão de nossas fraquezas ou faltas é a via para a compreensão das do outro.
Sim, a ética da compreensão, para Morin, é a arte de viver que nos demanda, em primeiro lugar, compreender de modo desinteressado.

4 comentários:

  1. O que eu penso, não é necessariamente o que consigo verbalizar, e muito menos é garantido, ou até provável que o interlocutor vai entender como eu pensei.

    "talvez eu não consiga ou compreender a minha própria identidade terrena (também um dos saberes necessários)...", questão sem solução, eu achava, e se é um saber necessário eu sou uma desenganada, pois nem me incumbo mais de divagar sobre isso... não sofre!

    Adorei aprender que apreensivo pode significar "apreendido", e adorei a última frase!

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  2. Só d epensar que alguém conseguiu formular a frase "saber necessário" me arrepiam os cabelinhos da nuca!!!! Urgente, mais do que necessário, é perguntar: "necessário para quem, leão da montanha!"
    Quanto ao combate ao erro e à ilusão, pergunto: viveríamos d equê, nós pobres humanos?
    Prefiro Shakespeare a Morin:
    "we are the same stuff as dreams are made on."
    Prefiro teóricos mais modestos e inte(ligen)ressantes. Tente Postman, Neil...
    Que bom que seu seminário é neste sábado! Estarei lá!
    Beijos

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  3. Kika,
    Obrigado pelo APOIO. Foi mais do que um apoio moral, com certeza! ;-D

    Lilian,
    Pelo visto o Morin não é dos seus... rsrsrs
    Eu gostei: mas fiquei apreensivo, veja vc.
    Importante: pega leve durante o meu seminário ;p

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  4. nossa, soou meio "apoio moral" mesmo, né? mas não foi minha intenção, não sou assim intrometida!

    bj

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