terça-feira, 28 de agosto de 2012

Katherine Mansfield's poem


Chá de Camomila
Katherine Mansfield
(versão brasileira: Josafá Crisóstomo)


Lá fora o céu é luz das estrelas,
Há um profundo rugido vindo do mar.
E, ai! florzinhas de amêndoas,
O vento está chacoalhando a amendoeira.


O pouco que eu pensava, um ano atrás,
Na medonha cabana em Lee,
Era que ele e eu, então, deveríamos estar sentados
Tomando uma xícara de chá de camomila.

Leves como penas as bruxas voam.
Para um vaga-lume no junquilho
É fácil ver os chifres da lua.
Um duende brinda com um zangão.

Podemos ter cinquenta anos, podemos ter cinco,
Tão confortáveis, unidos e sábios estamos.
Debaixo da mesa,
Meu joelho pressiona o seu.

Nossas persianas estão fechadas, o fogo brando,
A torneira está pingando pacificamente;
As sombras das panelas na parede
São redondas e pretas e evidentes.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Um poema de Katherine Mansfield

Meu amor por Katherine Mansfield é tão verdadeiro!

Os grandes escritores sempre foram objeto de minha profunda admiração.
E, quando buscamos conhecer suas obras, tal estima apenas se reitera no tempo e espaço.
Hoje, descubro, para minha surpresa, um poema de autoria dessa famosa contista.

E que poema!

Se você pode ler em inglês, vai entender do que estou falando, of course.
Se não, peço que aguarde, pois ainda estou preparando minha versão do poema em português que espero repostar aqui, em breve.

Por ora, vamos tomando um chá de camomila, mesmo que estejamos desacompanhados.
;-D


Camomile Tea 
Katherine Mansfield

Outside the sky is light with stars;
There's a hollow roaring from the sea.
And, alas! for the little almond flowers,
The wind is shaking the almond tree.

How little I thought, a year ago,
In the horrible cottage upon the Lee
That he and I should be sitting so
And sipping a cup of camomile tea.

Light as feathers the witches fly,
The horn of the moon is plain to see;
By a firefly under a jonquil flower
A goblin toasts a bumble-bee.

We might be fifty, we might be five,
So snug, so compact, so wise are we!
Under the kitchen-table leg
My knee is pressing against his knee.

Our shutters are shut, the fire is low,
The tap is dripping peacefully;
The saucepan shadows on the wall
Are black and round and plain to see.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

The piano lesson

Domenico Scarlatti

Ao acordar pela manhã, fiz minhas abluções, depois saí rumo ao metrô e em direção ao meu local de trabalho.
No trajeto, ouvia ao programa Ponte Ponteio, na rádio Cultura FM, comandado pelo pianista e compositor André Mehmari. O programa dessa segunda-feira foi dedicado a Domenico Scarlatti. Nele, ouvimos as próprias composições de Scarlatti ou trabalhos inspirados na obra do compositor napolitano.
Suas sonatas foram inicialmente compostas para cravo, mas foram tantas as gravações executadas ao piano que, segundo Mehmari, a famosa discussão piano ou cravo fica fora de questão quando se trata de Scarlatti. Essa oportunidade de ouvir ao mestre de Nápoles, revelado por diferentes intérpretes, você encontra na página do programa no site da rádio.

Como eu gosto de ouvir sonatas para piano!
Nem precisam ser as de Scarlatti, embora suas composições sejam mesmo leves e homofônicas, portanto, superagradáveis de se ouvir. ;-)
A verdade é que, talvez porque eu fosse caminhando pelas ruas do centro de São Paulo embalado pelas sonatas, sentia-me de bem com a cidade e com aquelas pessoas todas que cruzavam meu caminho.
Seria devido ao fato de eu estar concentrado naquela audição que todo o entorno me parecesse agradável, mesmo que a cidade já estivesse agitada?
Contribuiria também para essa impressão o fato de o sol iluminar os edifícios e tudo a minha volta e de ainda haver uma brisa soprando, o que tornava a temperatura bastante agradável?
Pois bem, tínhamos: luz abundante, ar em movimento e alguém tocando um piano.
De que mais eu ainda precisaria para me sentir bem, não é mesmo?
Compreendi que meu pensamento - naquele instante ajudado pela fruição de tanta coisa boa reunida - não reservava nenhuma rusga, nenhuma crítica a ninguém, nenhum opróbrio a ser lançado em qualquer direção.

The Piano Lesson
Karl Harald Alfred Broge (Danish, 1870–1955)
Enfim, senti-me enlevado com tudo isso.
Como desejo, cada vez mais, alimentar esses estados de espírito, que orientem meu  pensamento nessa direção! O pensamento parece coisa à toa, mas ele é, em verdade, o companheiro de todas as horas.
Dependente de minha vontade, permitirá que eu experimente laivos de fruição de uma vida mais de acordo com um estado, por que não?, ideal.
Um dia a vida será plenamente uma experiência transcendente.
Por ora, ela, a vida, pode ser compreendida como uma obra de arte, ou seja, como uma sonata para piano... Assim como a sonata, ela só tem seu esplendor conhecido, graças à dedicada disciplina de um compositor bem como a de um intérprete ao instrumento.
Disciplina que busca, insistente e incansavelmente, fazer acontecer a beleza inolvidável.




quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Mademoiselle Maurice

Ontem, por um acaso, eu encontrei esse trabalho de Mademoiselle Maurice na web, assistindo a esse vídeo em que ela vai colando seus origamis em uma parede ao pé da escadaria que sobe para a Basílica de Sacré Coeur, em Paris. Aqui, suas dobraduras vão formando um triângulo que surge no meio de uma espécie de arco-íris feito de papéis nas cores características.
A partir do contato com essa demonstração de criatividade, fiquei pensando nessa delicadeza necessária ao se fazer Origami, portanto, de se ir dobrando pacientemente cada pedacinho de papel até alcançar a forma que se pretenda: um flor, um pássaro, em diferentes tamanhos.
E no caso de Maurice, depois, pregá-los onde ela queira, seja em uma rua de Paris ou de Hong Kong. Ela, então, com seu trabalho persistente, forma o painel que projetou: sempre na rua para qualquer um poder admirar e, diante desse generoso presente, também refletir.
Evidentemente, tal trabalho chama a atenção por sua beleza, pelo tamanho da figura na parede ou muro, pela delicadeza de ela ser formada por tantas dobraduras e contendo as cores do arco-íris. Tais cores remetem, necessariamente, a tantas causas do bem, não é mesmo? Por exemplo, desde as ações do greenpeace à bandeira dos movimentos da galera GLBT etc.
Há ainda uma bonita convicção na proposta de Maurice: seu rigor em relação ao que é da ordem do efêmero. Trata-se de papel, portanto, de um material que se desmancha e sem degradar o meio em que foi instalado.

Se você visitar o site de Mademoiselle Maurice verá que ela trabalha também em outras frentes como a da fotografia. 
Estátua de Sadako Sasaki

Por lá é que fiquei sabendo do conceito por trás de suas instalações utilizando o Origami e que se espalham pelas ruas. 
Ela conta que morou no japão, onde conheceu e aprendeu a técnica. Na verdade, o projeto nasceu quando ela decidiu participar de uma homenagem para Sadako Sasaki.


Sadako foi uma garotinha que viveu o horror da bomba de Hiroshima em suas trágicas consequências. Alguns anos depois, ela começou a ficar doente por conta do evento atômico de 1945. Então uma amiga foi visitá-la levando um Guindaste em Origami e lhe contou sobre a lenda japonesa dos mil Guindastes: de que uma pessoa, para obter um desejo impossível, deveria dobrar 1000 Guindastes de papel.
Guindastes são pássaros grandes com pernas e pescoços longos, que pertencem à ordem dos Gruiformes, família Gruidae. São conhecidos por sua beleza e espetacular dança de acasalamento. Na mitologia japonesa,  o Guindaste (ou "Tancho") é um animal místico ou santo (assim como o dragão e a tartaruga). Para o japonês, ele é "o pássaro da felicidade" ou "Honorável Senhor Crane". Ver dois guindastes juntos é sinônimo de boa sorte. Além disso, acredita-se que uma grua pode viver mil anos.








Evidentemente, o desejo  de Sadako era o de ser curada de sua doença. Mas, ela morreu, aos doze anos de idade, depois de dobrar apenas 644 Guindastes.
A morte de Sadako Sasaki causou profunda comoção e crianças de todo o Japão e do mundo enviaram para Hiroshima, suas Gruas de papel, em memória da garotinha. Um memorial foi criado para ela e nele se mantém a mensagem: Este é o nosso grito, esta é a nossa oração: Paz na Terra.
Mademoiselle Maurice morou no japão em 2011, época do fatídico tsunami, que, além de tudo, desdobrou-se em suas consequências nucleares. Foi também por essa razão que ela decidiu iniciar seu projeto em torno do Origami, o qual dedica ao povo japonês e a todas as vítimas de catástrofes nucleares.










terça-feira, 14 de agosto de 2012

Vamos juntos adiante?


- Já lhe aconteceu de não reconhecer um amigo?

- Como assim? De encontrá-lo na rua e não o reconhecer imediatamente?

- Não. De, conversando com ele, lhe parecer que ele não é mais a mesma pessoa?

- Ao encontrá-lo depois de muito tempo sem tê-lo visto?

- Não. O que observei é que, no convívio, ele foi mudando seu comportamento aos poucos, a ponto de não se tratar mais da mesma pessoa: aquele amigo que a gente conhecia e admirava.

- E essa nova pessoa não é mais tão admirável?

- Infelizmente não é. É como se alguns “defeitos” que, evidentemente, já existiam latentes naquele amigo tivessem agora tomado o primeiro plano, ou seja, aflorado com alguma intensidade. O que é sempre desagradável.

- Você acha que o que aconteceu é irreversível?

- Não. Acho que nada é irreversível. O problema é que a pessoa pode ir ficando para trás... Eu não sei como fazer para continuar acompanhando-o, entende?

- Sei. Mas isso acontece com qualquer um de nós o tempo todo. Precisamos avançar para alcançar o que lá na frente queremos buscar e, então, aqui e ali, recuamos, porque nos apegamos ao que deixamos para trás.
É quando, então, os que nos acompanharam até um determinado ponto continuam avançando, pois interpretam diferentemente a sua própria experiência no caminho que fazem, no percurso que engendram.
Esses últimos encontram, por vezes, mais à frente, uma nova compreensão do que foi deixado para trás e assim fica mais fácil voltar e mesmo auxiliar quem escolhera ir mais lentamente.
É preciso considerar, ainda, que, com o tempo, as pessoas mudam a compreensão do seu próprio ritmo de caminhada. E até podem, no devido tempo, desejar avançar diferentemente, quiça, aceleradamente...

- Sim, é necessário respeitar o fôlego de cada um e, sobretudo, não temer os salteadores do caminho. 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Luz, muita luz em meu viver



Começou com toda força no último fim de semana, aqui em São Paulo, a Mostra Impressionismo: Paris e a Modernidade. Os visitantes puderam, inclusive, na passagem do sábado para o domingo, visitar madrugada adentro o Centro Cultural Banco do Brasil, no centro da cidade. Vamos combinar que isso, em termos de organização do evento, foi uma demostração muito feliz de apoio à divulgação do patrimônio cultural francês e da humanidade ali exposto.

Eu trabalho ao lado do CCBB e, então, deixei para ir hoje pela manhã, antes do meu horário de trabalho. Não foi possível ver tudo. Visitei, até agora, apenas três dos sete módulos em que está dividida a Mostra:  “Paris é uma festa”“Paris: A Cidade Moderna” “A vida Urbana e seus autores”. Quando eu vir os demais, volto a falar aqui about it.

Chama-me a atenção o número imenso de pessoas que acorrerão a essa mostra, se considerarmos apenas a fila que peguei ainda hoje (terça-feira, às 10h) e que já se entendia até a Rua XV de Novembro, contornando o edifício.
Apenas isso eu já acho emocionante, ou seja, o fato de o interesse do público brasileiro pelas obras-primas do Museu D’Orsay ser genuíno, afinal, tais obram tomam de emoção qualquer um que esteja nessa fila, onde podemos ouvir exclamar: vamos ver um original de Toulouse-Lautrec!

Talvez alguns possam até ter conhecido essas obras lá na sua casa, em França, mas muitos que nunca foram àquele país, poderão agora ver aqui esses tesouros do bom gosto e da sensibilidade na arte da pintura.

E importante que lembremos o que nos diz Orhan Pamuk:

As origens do museu contemporâneo estão nas Wunderkammern – “gabinetes de curiosidades” – dos ricos e poderosos que, a partir do século XVII, ostentavam sua opulência exibindo conchas, amostras de minerais, plantas, marfim, espécimes animais e pinturas de terras distantes e fontes incomuns. Nesse sentido, os primeiros museus foram os salões dos palácios de príncipes e reis europeus – espaços em que os governantes expunham seu poder, seu gosto e sua sofisticação por meio de objetos e pinturas. O simbolismo pouco mudou, quando essa elite dominante perdeu o poder e palácios como o Louvre foram transformados em museus públicos. O Louvre acabou por representar não a riqueza dos reis franceses, mas o poder, a cultura e o gosto de todos os cidadãos franceses. Quadros e artefatos raros agora eram acessíveis aos olhos de gente comum.


Obviamente, podemos também dizer que aquilo que os impressionistas conquistaram no universo da pintura está para muito além do que representaria ser tal patrimônio somente da França. Sabemos que eles alcançaram uma elaboração bastante superior da experiência de um modo de ser gente nesse planeta. Afinal, ao trabalharem fora do ateliê, “à pleine aire”, tais artistas trouxeram toda a variação da luz para suas telas e, assim, o que importava a partir daquele momento era  mostrar muito além da polaridade sombra e luz, mas a miríade expressiva que há na própria luz solar quando atingiu a superfície de tudo o que ali foi retratado.

É característico também o fato das personagens do cotidiano da vida francesa de então surgirem nas telas, ou seja, tanto os nobres e burgueses como os operários, artistas e personagens do bas-fond propriamente dito: todos, sem exceção, foram retratados pela primeira vez mais proximamente, fosse lado a lado fosse separadamente, mas estão por ali, em cada tela, e ainda marcados por essas pinceladas generosas e soltas, de pintores absolutamente geniais.

Por tudo isso, há uma força arrebatadora e uma singeleza comovente nessa coleção de obras-primas. São 85 as que o Museu D’Orsay disponibilizou de seu acervo para a Mostra. Ainda não vi tudo, mas voltarei. 
Por ora, vou ficar com as lembranças queridas, por exemplo, do movimento das Dançarinas subindo uma escada (1890), do quadro de Edgard Degas; com a distração momentânea da figura de A Garçonete com Cervejas, de Édouard Manet (c. 1878-1879), ou com a ingenuidade da brincadeira entre Gabriele e Jean (1895), no quadro de Pierre-Auguste Renoir.