terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Sherlock Holmes again

Sábado passado, tive a alegria de encontrar em uma livraria essa edição da Zahar de As aventuras de Sherlock Homes, de Arthur Conan Doyle. Trata-se de uma tradução de The new annotated Sherlock Holmes, v.1: The adventures of Sherlock Holmes; The memoirs of Sherlock Holmes. A edição é bastante bem cuidada, como costumam ser a de qualquer livro publicado por essa editora, já a tradução ficou a cargo de Maria Luiza X. de A. Borges e há ainda uma riqueza complementar: suas páginas contém as ilustrações originais das histórias, ou seja, de quando elas foram publicadas pela primeira vez na The Strand Magazine.

Sim, trata-se das lindas ilustrações de Sidney Paget, afinal, o responsável, desde a era vitoriana, pela popularização da figura esguia e charmosa do detetive, essa mais popular, e que ficou. Dizem até que esse ilustrador influenciou o cinema noir, uma vez que algumas histórias do detetive eram sombrias e ele buscava recriar esse clima em suas ilustrações, o que mais tarde foi transposto para o cinema, ou seja, seu trabalho serviu praticamente de "storybord" para tal cinema, o que, aliás, faz todo o sentido.


Eu estou apreciando muito ler esses contos, porque eu só lera de Conan Doyle dois romances em que Sherlock Holmes também atua: O Signo dos Quatro e O Cão dos Baskervilles e isso, há muito tempo, quando eu era muito jovem. Agora, estou notando que minha percepção está mais atenta e, claro, não vejo ali apenas a diversão e distração que tantos sempre viram nas histórias do detetive. Noto as sutilezas e até mensagens cifradas! Veja você se não se trata disso mesmo nesses trechos do conto Um caso de identidade com o qual travei contato nessa manhã:


"Meu caro companheiro", disse Sherlock Holmes quando estávamos sentados, a lareira entre um e outro, em seus aposentos em Baker Street, "a vida é infinitamente mais estranha que tudo que a mente humana seria capaz de inventar. Não ousaríamos conceber coisas que, na realidade, não passam de lugares-comuns da existência. Se pudéssemos sair voando de mãos dadas por aquela janela, pairar sobre esta grande cidade, remover suavemente os telhados e espreitar as esquisitices que estão acontecendo, as estranhas coincidências, as maquinações, os quiproquós, os maravilhosos encadeamentos de fatos, que atravessam gerações e conduzem aos resultados mais estapafúrdios, toda a ficção, com suas convenções e conclusões previsíveis, pareceria extremamente batida e inútil." (...)


(...) "Para produzir um efeito realístico, é preciso exercer certa seleção e discernimento", observou Holmes. "Falta isso ao noticiário policial, em que se dá mais ênfase, talvez, às platitudes pronunciadas pelo juiz do que aos detalhes, que, para um observador, contém a essência vital de toda a questão. Acredite, não há nada tão aberrante quanto o lugar-comum."(...)


(...)Na verdade, descobri que em geral é em assuntos sem importância que há campo para a observação e a análise rápida de causa e efeito que faz o encanto de uma investigação. Os crimes maiores tendem a ser mais simples, pois quanto maior é o crime, mais óbvio, em regra, é o motivo.(...)


(...) ela lançava olhares furtivos, nervosos e hesitantes para nossas janelas, enquanto seu corpo balançava para frente e para trás e os dedos remexiam nos botões da luva. De repente, num mergulho, como o do nadador que salta da margem, atravessou a rua num átimo e ouvimos o som estridente da campainha. 
"Já vi esses sintomas antes", disse Holmes, jogando o cigarro no fogo. "Hesitação na calçada significa um affaire de coeur. Ela deseja um conselho, mas teme que a questão seja delicada demais para ser revelada. Mas mesmo num caso desse tipo podemos fazer uma distinção. Quando uma mulher foi seriamente maltratada por um homem, ela já não hesita, e o sintoma usual é uma corda de campainha arrebentada. Podemos presumir que este é um caso de amor, mas que a donzela em questão está menos enraivecida que perplexa, ou magoada. Mas aí vem ela em pessoa para esclarecer nossas dúvidas." (...)


Eu não tinha toda razão, quando dizia outro dia aqui que mais vale a pena ser um Sherlock Holmes que um agente 007?

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Diálogos concordantes II

- Qual é o medo nesse caso?
- Talvez seja o de não agradar.
- O que agradaria afinal?
- Parece que uma série de fatores influenciam nisso de agradar, entende?
- Mas uma pessoa tem que ser do agrado de outra?
- Não como um objeto, evidentemente.
- Então, como?
- Como, talvez, o que desperte empatia.

- Sei. Estamos falando de algo que possa estar no conjunto da pessoa. Aquilo que ela traz e aparece consigo desde o primeiro momento. Portanto, o que faz dela uma aparição agradável antes mesmo de uma palavra ser dita. Quando a essência se mostra na aparência, atravessando sua persona. Tal qual perfume que se evola desse todo pelo qual ela se apresenta, ou seja, no exato momento em que o seu ser e o seu aparecimento coincidem e, diante disso, não se pode sentir outra coisa que não seja atração e prazer de se encontrar com.
- Pois, então, era esse o medo: o de talvez não ser assim.
- Mas como saber senão indo ao encontro?
- Yes.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Bichinhos de estimação

by Katherine Dunn

Está tudo certo e tudo bem quando não temos culpa.
Na semana passada, uma amiga revelou-me que desejava viajar durante o período do carnaval, mas não tinha com quem deixar seus bichinhos... Bem, eu poderia ter dito que não podia ajudá-la, mas isso seria mentira: eu podia!
Então, passei o carnaval cuidando de animais e não me arrependo, e ainda agradeço pela oportunidade de aprendizado que tal experiência passou a representar. Afinal, eu já cuidara apenas de gatos, animais que eu conheço de longa data...
Pode ser que você não conheça essa função de cuidar de animais na ausência do dono: trata-se de algo muito próximo àquela que concerne a uma babá, só que de PETs. Trata-se também de algo intenso, porque você deixa uma rotina e entra em outra na qual alguns seres vivos ficam sob sua responsabilidade, simples assim.
Então, o aquário não pode ficar muito tempo sem ração: o peixe é um ser esfaimado.
No caso das calopsitas, elas exigem os mesmos cuidados, mais o dever de se lembrar de não abrir janelas.
O gato precisa de ração, água, limpeza da caixa de areia e calor humano.
Os dois cachorrinhos tudo o que desejam é atenção e passear na calçada, pois são bagunceiros e animados como rapazes na adolescência.
E, assim, se você passa quatro dias só cuidando dos bichinhos, você percebe que algo diferente está acontecendo com você e é quando esse contato especial com seres vivos, dependentes, e que demandam cuidados (mesmo quando saudáveis) proporciona um aprendizado sem igual.
Eu resumiria a descoberta fundamental que fiz nesse carnaval assim: cuidar de um animal é um ensaio para cuidar de gente e vice-versa. E, como em tudo, também nesse gênero de ação é preciso amar.
O mais significativo, então, acontece, você descobre que quem ama é amado.
Os bichinhos, devido a sua maneira singela – talvez ainda rudimentar – de demonstrar sentimentos, podem nos comprovar plenamente esse axioma.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Entre penas e pedras

Todos nós temos muita dificuldade em nos tornarmos mais civilizados, não é mesmo? Eu acho que quando Freud elabora seu pensamento em direção a entender a civilização como o que nos propicia um mal-estar ele está mesmo coberto de razão. No entanto, é chocante perceber essa dificuldade também porque, bem ou mal, há constructos da civilização que já estão consolidados até como conquistas propriamente e ponto final!

Nesta semana, por exemplo, um dos assuntos que o Brasil inteiro se deteve a acompanhar foi o julgamento de um jovem que assassinara sua namorada ainda adolescente. Esse foi o assunto preferido da chamada opinião pública: falou-se dele em todos os lugares, desde o ponto de ônibus até... o facebook. Ontem, enfim, depois de umas atitudes, parece que equivocadas, da advogada de defesa, o tal rapaz foi condenado a mais de 90 anos de prisão... ok. Tudo bem, não estou aqui contestando o veredicto, peloamordeDeus!

Na verdade, eu sequer acompanhei a história toda, tudo o que sei se resume ao que acabei de comentar acima, e apenas estou me reportando a esse fato porque diversas pessoas a minha volta formularam uma cena discursiva mais ou menos como esta: “Ah, no Brasil, essa pena nunca será cumprida, porque bom comportamento e outras ‘desculpas’ vão reduzindo a pena até ele estar livre novamente para cometer outro crime parecido.”

Pois bem, quando ouço esse tipo de manifestação, afinal uma espécie de lugar comum, sempre penso, dentre outras coisas:

  • Tal pessoa não considera o avanço do Direito algo válido, sobretudo, porque ele alcança desassistidos de um modo geral, como é o caso desse infeliz assassino.
  • Essa mesma pessoa pensa que o Brasil é mais atrasado do que supostos países de “primeiro mundo” (aliás, vamos combinar que essa classificação já está defasada em mais de um sentido...) porque em alguns desses países ainda é aceita a barbárie da pena de morte.

Penso essas coisas, mas não as exponho a tais pessoas, pois não é o caso de fazê-lo. Em geral, elas têm uma opinião tão acirrada a respeito desses assuntos que fica impossível dialogar. Quando, no passado, eu me dava ao trabalho de tentar um diálogo a esse respeito ouvia a opinião peremptória de alguém favorável à pena de morte e que ainda insistia que eu também o seria se o mesmo [um assassinato] acontecesse com um (a) filho (a) meu (minha). Evidentemente, também não passa pela cabeça de algumas pessoas que outras não possam ter filhos, por diversos motivos. rsrsrs

Como aqui é um blog pessoal e nele eu posso dizer o que penso a esse respeito, vou dizê-lo com todas as letras: se uma desgraça do tipo acontecesse com um filho meu (se eu por um acaso pudesse ou quisesse ter um filho), evidentemente, a única diferença em relação ao que acontece aos outros é que isso teria acontecido com um filho meu e não com o de outra pessoa!

Eu sofreria evidentemente, lamentaria dentro de limites, e procuraria consolo, na graça divina, para entender o ocorrido dentro do suposto mistério que nos cerca e que permite que estejamos sujeitos a todo tipo de tragédia nessa vida. No entanto, mais do que tudo isso, eu continuaria, com toda certeza, acreditando no que diz uma amiga minha: se a lei do “olho por olho, dente por dente” fosse ainda a única existente nesse mundo, teríamos apenas caolhos e banguelas a nossa volta. Vamos combinar que seria um mundo bem triste e feio de se ver...

Ainda bem que não é apenas isso o que vemos no mundo, nele há, por exemplo, pessoas como Adrian Gray que nos apresenta a sua incrível arte: a Stone Balancing Art. Isso, sim, nos dá o que pensar e também nos sugere uma atitude bem diferente nessa vida, ao invés de agirmos como pessoas de coração de pedra podemos procurar entender o equilíbrio que essas pedras apresentam.

Por sinal, isso me lembrou de uma outra coisa, um poema de Carlos Drummond e que uma amiga do facebook postou ainda ontem. Compartilhei por lá, mas vou trazê-lo também para fechar essa postagem com poesia e sua reflexão em 2º grau, afinal, o que mais precisamos na vida:

Unidade

As plantas sofrem como nós sofremos.
Por que não sofreriam
se esta é a chave da unidade do mundo?

A flor sofre, tocada
por mão inconsciente.
Há uma queixa abafada
em sua docilidade.

A pedra é sofrimento
paralítico, eterno.

Não temos nós, animais,
sequer o privilégio de sofrer.

Carlos Drummond de Andrade - In Farewell





sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Diálogos concordantes I


imagens via a little sweetness
by tasha noel

- A cada dia uma luta!
- Engraçado você dizer isso: parece fala de uma senhora idosa.
- Ou de boxeador! kkkk
- Talvez isso signifique, tão somente, que viver demanda uma boa disposição de espírito e que... há uma ação a ser desenvolvida.
-Então, isso é a luta? Trabalhar?
- Não apenas. Mesmo no “lazer”, se estamos convivendo com outras pessoas – e ninguém nunca está completamente só – sempre teremos que nutrir uma disposição paciente para alguma espécie de confronto.
- Nesse sentido, será mais prudente que não haja julgamentos.
- Sim, não julgarei o outro e tampouco o meu passado: considerado já a partir de um segundo atrás.
- Essa é a disposição de que falávamos, então, ser agora e adiante sempre.
- Uma tarefa solitária, sobretudo no que tange à decisão. No mais, tudo será sempre em companhia.
- Yes.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

É melhor ser alegre que ser triste


Dois episódios distintos ocorreram comigo, em um intervalo bastante curto de tempo. Eu os achei tão instrutivos!
Ainda ontem, alguém me viu sorrindo. Na verdade eu estava sorrindo para essa pessoa, enquanto ela se aproximava. Ao se aproximar, então, ela disse:
- Josafá, por que você está alegre? O Brasil não está essa maravilha assim não, para você estar tão alegre!
Eu apenas respondi:
- É que eu sempre fico alegre quando te vejo!

Hoje, no elevador, encontrei duas colegas e uma delas elogiou-me, dizendo:
- Nossa Josafá, como você está elegante!
Eu respondi:
- Eu ia dizer o mesmo a respeito de vocês duas, mas você se adiantou e me elogiou primeiro. Obrigado!
E dei uma risada gostosa.
Então, a outra se manifestou:
- Josafá, eu gosto de você porque você é uma pessoa contente. Está sempre alegre, sorrindo.
Tive que comentar, rindo ainda mais:
- Obrigado! Você sabe que tem gente que não gosta de mim pelo mesmo motivo? Eu morro de rir, porque são resultados completamente diferentes e ambos se devem a uma mesma causa! Kkkkk

Deus conserve minha alegria genuína, então. Eu tenho certeza que tudo o que há de melhor em mim eu devo a Deus!

Esse assunto, lembrou-me também de uma professora de literatura na USP, com quem eu tive aulas, e que era uma simpatia. Ela era muito linda, charmosa e parte do seu charme se devia ao fato de dar gargalhadas sonoras durante as aulas. Nunca me esqueço da aula em que ela comentava um conto de Machado de Assis intitulado Uns braços. A começar pelo título ela já achava uma graça infinita naquilo e dizia:
 - O Machado é interessante porque ele é engraçado! Imaginem um conto que se chama Uns braços... kkkkk Ele poderia dar o nome que quisesse para essa história, mas ele resolveu ser metonímico e aí temos esse Uns braços nomeando o conto...kkkkk

Não tinha quem também não risse, sobretudo naquele contexto. A graça, a alegria e a beleza daquela mulher eram tão genuínos! Aliás, o bom do riso é que ele não tem uma lógica. O que é engraçado para uns pode não ser para outros, não é mesmo? Mas o melhor da marca do riso está na alegria que o provoca e que ele também sugere ao mundo. É exatamente como dizia Vinicius de Moraes: É melhor ser alegre que ser triste. Alegria é a melhor coisa que existe. É assim como a luz no coração...


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Sentir-se enlevado


Quando o sol incandesce a paisagem o meu desejo se renova e a primeira vontade que tenho é a de cantar um cântico de louvor ou uma canção de amor, que, afinal, são a mesmíssima coisa.
Fico, no entanto, procurando por essa canção que não foi sequer criada, pois embora jubilosa e exaltada ela deverá ser também serena.
Quero tornar público que eu sempre desejei o equilíbrio, mesmo quando isso não era ainda possível.
Aprendi a difícil lição de que começamos a valorá-lo depois que conhecemos o horror do surto. Assim, uma vez transpassado o ensaio da loucura, humílimos, reconhecemos a possibilidade e a necessidade do equilíbrio.
Isso tudo pensei, vejam só, na manhã de hoje, enquanto ouvia a composição Doce de Coco, de Jacob do Bandolim, pelo rádio, durante o trajeto para o trabalho.
Percebi, por fim, que essa obra parece evocar de algum modo esse equilíbrio que eu desejo viver: algo doce e prenhe de bondade. 
Trata-se, portanto, de uma experiência de prazer. Mas, uma espécie de prazer que alcança em seu socorro essa sensatez do equilíbrio das emoções, quando se revela o que chamamos de enlevo.