sexta-feira, 30 de julho de 2010

Dize-me por onde andas

Hoje, eu pensava que iria resolver questões de um expediente burocrático. Tratava-se do necessário encerramento de uma conta bancária, que tenho em determinado banco, uma vez que agora meus rendimentos são depositados em uma conta-corrente de um outro banco, concorrente daquele.
Chegando à agência, a funcionária quis persuadir-me a não encerrar a tal conta: esse era o papel que a ela competia, como funcionária daquela instituição, então, eu entendi e não quis mal à moça. Contudo, fui assertivo e, para tanto, tão somente lhe disse que meus rendimentos não eram suficientes para que eu movimentasse duas contas-correntes, cada qual em um banco distinto. Simples assim! ;-p
Então, ela consultou meu saldo e, ao descobrir que havia uma pendência, disse-me que eu teria que ligar para um número de telefone X, porque no seu computador ela não tinha acesso a uma informação que lhe parecia crucial, relativa a um determinado prazo... Eu não compreendi qual era o empecilho, uma vez que o valor em questão era pequenino e eu tinha comigo dinheiro suficiente para pagar o que devia e, assim sendo, encerrar a conta e livrar-me de tudo aquilo.
Por fim, como não foi possível alterar o rumo dos acontecimentos, optei por manter minha boa têmpera. E, assim, perdi minha manhã, tendo me deslocado a uma agência bancária para nada ali solucionar. ;-(
Uma coisa, contudo, foi positiva em relação a tais deslocamentos e que fui obrigado a fazer nessa manhã: pela primeira vez na minha vida, ocupei um lugar numa esteira rolante, a que se encontra em uma passagem no interior da terra e que faz a ligação entre a Estação Paulista da linha amarela e a Estação Consolação da linha verde do metrô paulistano.

Ainda assim, foram duas as impressões dessa mesma experiência.


Na ida, antes do episódio na agência bancária, amei a novidade e senti-me naquele desenho dos Jetsons, que eu assistia na infância. Já, na volta, aborrecido, lamentei estar no interior da terra e em uma megalópole, na qual, infelizmente, o contato humano, por vezes, para nada serve e desejava não estar deslizando por uma esteira, mas antes verdadeiramente caminhando, tranquilamente, sem pensar em bancos, contas-correntes, computadores, funcionários, burocracia, ou seja, sem ter motivo algum para me aborrecer. Assim sendo, fechei os olhos e imaginei-me em um caminho bucólico como esse: no interior da Ilha terceira dos Azores.

Viva a imaginação! \o/

Bom fim de semana. ;-D

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Anke Weckmann

Anke Weckmann cresceu perto de Hannover, na Alemanha, e vive em Londres, desde 2001. Ela estudou ilustração na Camberwell College of Art e na Kingston University.
Desde que se graduou, em 2005, ela tem trabalhado como uma ilustradora freelancer. Seu trabalho tem aparecido em jornais, revistas, livros, anúncios, também em camisetas e cartões de cumprimentos.
Para ela, desenhar é a melhor coisa do mundo. E eu acho que ela tem toda a razão! ;-D


Ela também gosta de beber muito chá, das séries televisivas Harriet the Spy e Veronica Mars, de uma bebidinha que se chama elderflower cordial, florzinhas cor de rosa, passarinhos, gatos brancos, vestidos de papel e fazer todo tipo de coisas encantadoras. O que, aliás, a gente pode ver nas suas ilustrações. ;-D
Deu para perceber que ela tem um gosto muito próprio, não é mesmo?
Eu, por exemplo, fiquei com vontade de conhecer esse soft drink. rsrsrs
Seu site chama-se Linotte que é a denominação francesa para Linnet, esse passarinho muito bonitinho.
Ela também tem um blog







Agora, alguns dos seus trabalhos. Lá no seu site, você irá ver que o portfólio da jovem artista é riquíssimo!










quarta-feira, 28 de julho de 2010

Quando o sentimento é amor

Eu continuo lendo Ana Karênina de Tolstói. Sim! O romance é imenso e quem acompanha esse blog sabe que eu comecei a ler esse livro faz alguns dias. Agora alcancei a página 371 da edição que leio, cuja tradução é de Manuel Siqueira Paranhos. Estou quase terminando o primeiro tomo. ;-p
Há um casal, que já citei por aqui, que faz um contraponto, dentro da obra, ao triângulo amoroso protagonista, ou seja, Ana Karênina, seu marido Alieksiei Alieksándrovitch, e seu amante, o Conde Vronski. Trata-se mesmo de um constraste e que se dá porque naquele o amor é puro, ele não é contaminado pelo desejo um tanto inconsequente, como sói ser os dos amantes, e tampouco pela febre do egoísmo desenfreado, por exemplo, e que acomete, em geral, os envolvidos na experiência de adultério.

Kitty e Liêvin, ao contrário, são adoráveis. Kitty, é verdade, há um tempo atrás havia preterido Liêvin, ainda que inadvertidamente. É que ela estava confusa. Agora, ambos se reencontram em um jantar na casa da irmã de Kitty e a cena é de puro puro puro amor.
;-D

- Disseram-me que tinha abatido um urso - interveio Kitty, procurando, debalde, espetar um cogumelo recalcitrante; o garfo escorregava, Kitty impacientava-se, afastava para trás as rendas da manga do vestido, descobrindo um pouco o bonito braço. - Há, realmente, ursos na sua propriedade? - acrescentou, voltando para ele um rosto sorridente.
Aparentemente não havia nada de extraordinário no que Kitty dissera, no entanto que inexplicável significado tinha para ele cada som e cada movimento dos seus lábios, dos seus olhos, das suas mãos! O que isso não dizia! Havia neles um pedido de perdão, confiança em Liêvin, uma carícia meiga e tímida tal como uma esperança e uma promessa de amor, coisas que ele, Liêvin não podia deixar de querer e que o inundavam de felicidade.

Não dá vontade de viver isso?

terça-feira, 27 de julho de 2010

oceano invadido

Outro dia eu falei aqui Save the Whales. Divulgando a campanha contra o horror de quererem voltar a legalizar a caça comercial às baleias pela primeira vez em uma geração.Uma amiga, ao fazer um comentário na postagem, deixou-me um link para eu ver uma campanha publicitária que tem a baleia como principal personagem, juntamente com uma orquestra de jovens músicos. Beautiful, beautiful, beautiful! Como às vezes acontece, mesmo que raramente, uma peça publicitária pode ser de uma delicadeza sem igual e é o caso dessa, ou seja, não tem como você não chorar de emoção.
Quando eu falava outro dia da exposição Drop Shots e da importância de elaborarmos cada vez mais e melhor nossa relação com a água, um amigo, também em comentário, recomendou-me ir ver a instalação oceano invadido, na Caixa Cultural da Praça da Sé. Eu fui.

Qual não foi minha surpresa ao adentrar no vão octogonal do mezanino da Caixa Cultural: deparei-me com uma enorme baleia Jubarte, flutuando no centro desse espaço. A estrutura da baleia é toda feita em arame e recoberta com retalhos plásticos. Também as anêmonas, distribuídas no chão e sob as quais podemos sentar, sugerem esse sofrimento que é, para os seres marinhos, conviver com todo o lixo que os humanos lançam nos oceanos.

O grande problema é o plástico! Tal produto, que possui características como durabilidade, estabilidade e resistência a desintegração, causa um impacto imenso em todos os oceanos do planeta, uma vez que pode não desintegrar-se por inúmeras gerações. Aliás, segundo o Programa Ambiental da ONU, existem 46.000 fragmentos de plástico para cada 2,5 km², isso faz com que ele seja responsável por 70% da poluição marinha por resíduos sólidos. As vítimas dessa verdadeira hecatombe são as diversas espécies de vida animal, entre répteis, pássaros, mamíferos e peixes.

Para mim, a pièce de resistance da instalação é a projeção de um vídeo sobre uma grande esfera instalada no chão, à esquerda de quem entra e que, muito singela e didaticamente, mostra o ciclo percorrido por uma sacolinha de plástico (essas de supermercado), desde o momento que é levada pelo vento até a boca de um bueiro em direção ao seu destino final. É uma verdadeira lição e como disse o meu amigo é preciso ver para que tomemos alguma iniciativa no movimento contrário a esse estado de coisas.
Eu fiquei com vontade de chorar e pensei: My Gosh, será que existe quem ainda não tenha entendido a necessidade de se utilizar uma eco bag ?
É pouco eu sei, mas pelo menos isso. Vamos parar com a irresponsabilidade de jogar plástico nas ruas, no bueiros. Tudo isso vai ter como destino final o mar e resultar na extinção de seres que nem mesmo chegamos a conhecer. Triste assim!

oceano invadido
instalação imersiva do estúdio bijari
criação e produção:
estúdio bijari - http://www.bijari.com.br/
Período: de 17 de julho a 29 de agosto de 2010
horário: de terça-feira a domingo, das 9h às 21h.
local: CAIXA Cultural São Paulo (Sé) - Galeria Octogonal - Praça da Sé, 111 – Centro – São Paulo/SP
informações, agendamento de visitas mediadas e translado (ônibus) para escolas públicas: (11) 3321-4400
entrada franca

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Josh Mease e a boa melancolia

Hoje eu estava um tanto melancólico. Não pensem que se tratava de sintoma de depressão ou qualquer coisa do gênero. Nada disso. Na verdade, era aquela melancolia sem razão de ser e que os seres humanos, mesmos os afortunados, podem sentir ou a ela se entregar, ainda que não deliberadamente, de quando em quando.
Eu fico muito desconfiado de que é saudade de um tempo em que eu possa ter vivido fora desse corpo, e noutro planeta. rsrsrs
Assim sendo, não há nada que possa ser feito, em semelhantes circunstâncias, a não ser deixar a melancolia passar. Isso passa! ;-D

No entanto, um paliativo para esses momentos pode ser permitir-se o prazer de ouvir Josh Mease. Ele não está muito longe desse tipo de melancolia, em particular, e ao mesmo tempo resgata qualquer coisa da infância comum a todos nós, nessa sua voz reservada, polida e quase que se fazendo silêncio. Calmaria.

Acho esse vídeo um primor, sobretudo por conta de todo um imaginário que ele desperta, pela canção e pelas personagens  reunidas amigavelmente em uma clareira da floresta.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Drop Shots





Andrea Laybauer, artista plástica e especialista em macrofotografias de gotas de água, foi entrevistada pela repórter Rita Alves, do DCultura, o caderno de cultura do Diário do Comércio. Nessa entrevista, a artista discorre a respeito de como desenvolveu essa técnica. Podemos perceber que o trabalho exige muita paciência e criatividade, o que Andrea tem de sobra. Leia em: http://www.dcomercio.com.br/especiais/2010/drop_shots/

Eu achei esse trabalho mais do que criativo, afinal todos sabemos da importância da água em nossas vidas, desde que éramos criaturas marinhas. Que essas tomadas das gotas captadas pelas lentes de Andrea nos façam perceber que tudo pode estar contido nesse líquido precioso. Inclusive os principais temas com os quais a artista trabalha, dentre eles nossos medos, mas também nossas alegrias e esperanças.
A exposição fica até 1º de agosto na Livraria da Vila do Shopping Cidade Jardim.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Brooke Bobridge

Brooke Bobridge é uma ilustradora que nasceu em Perth, Austrália, em 1979. Ela cresceu na praia, mas, agora, vive em Melbourne, depois de ter vivido em Singapura, Nairobi, Londres e Edimburgo. Trabalhou muito tempo como Designer gráfica e, agora, está se concentrando em Ilustração.
Todas essas informações obtivemos em seu site http://www.brookebobridge.com/

Nele, encontramos também essa amostra do seu trabalho e que tem circulado em vários outros sites. Eu gostei dessa proposta minimalista e que veicula o que tem sua origem e pertencimento à cultura oriental. Além disso, pareceu-me que a temática de seu trabalho se aproxima de uma educação infantil, além de falar de um lugar no qual, a mim me parece, uma mulher fica muito à vontade: o lugar da delicadeza. ;-D

Um outro aspecto que corrobora o prazer de uma visita ao seu site é que nele encontramos um link para o seu blog http://www.brookebobridge.com/blog.php, que (assim como o meu rsrsrs) é bastante pessoal. Alí, você encontra fotos e imagens dos lugares por onde ela passeia, lá na Austrália e no seu entorno. E são paisagens magníficas as desses lugares! Além disso, ela fotografa os próprios pés (acho isso tão bonitinho), também suas comidinhas, e seus amigos. É tudo bastante cute. E, assim sendo, tive a impressão que ela é uma pessoa que trabalha muito bem a questão da solidão essencial, essa que caracteriza os humanos.

Importante: ela também nos diz que está Available for illustration and design work (see contact details).





terça-feira, 20 de julho de 2010

Listen to the picture by Anja Huwe

Uma amiga minha, muito descolada, e que curte música alternativa, na verdade, ela curte bandas punks e também do pós-punk, como a cena gótica inglesa. Eu, pobre de mim, não conheço quase nada desse estilo musical, com exceção, talvez, porque já ouvi um pouquinho, de Siouxsie Sioux. Pois bem, ela estava me falando de uma banda alemã, da década de 80, e que tem muito a ver com tudo isso. O nome da banda é X-Mal Deustchland e que tinha como vocalista Anja Huwe, essa mulher belíssima.
Minha amiga gostaria que Anja voltasse a cantar, mas descobrimos que ela está em outra onda, mas que nem é tão outra assim... Por quê? Porque agora Anja Huwe é artista plástica e faz esses trabalhos belíssimos! Não pude encontrar muitas imagens das suas obras disponíveis na web. No entanto, entrando no site da artista você poderá ver muitas delas, com mais vagar.
Eu achei algo genial e muito muito sugestivo.
No próprio site, http://www.anjahuwe.com/ há um texto que diz um pouco a respeito desse trabalho e que me deixou muito feliz porque algumas passagens traduziam o que eu sentira ao observar as obras. Vou tentar fazer uma adaptação dessas passagens e vocês entenderão do que estou falando:
Anja Huwe utiliza um caleidoscópio de cores vibrantes, formas e padrões, para criar como experiência única o que é visual e "tocante" ( no sentido da palavra Haptic, um tanto intraduzível e que diz respeito à experiência sensorial do toque, propriamente...)
Seus trabalhos criam uma forte e também desconcertante dinâmica entre a percepção sensorial e cognitiva. Dependendo da posição do observador e da incidência da luz, o que suas pinturas declaram se altera inteiramente.
Os trabalhos de Anja Huwe são música. Eles oscilam no espaço e, dependendo da luz e do ângulo, se abrem acordes, versos, rítmos e estruturas.

Trata-se de um forte desejo da cantora e pintora de traduzir em imagens o universo infinito da música, são pinturas para se "escutar" (talvez seria melhor dizer tocar - na ambiguidade da palavra em português), embora seja mesmo isso a que ela está chamando de Listen to the pictures.
Embora o que ela própria declarou, em uma citação no tal texto, lá no site, seja o seguinte:

Estou tentando criar uma atmosfera que se baseia na interação entre estrutura, cor e luz e o meu trabalho é uma expressão das estruturas que surgem naturalmente - o que eu faço é simplesmente o que nós somos.

Quer "ouvir" (ver) mais? Veja (ouça) esse vídeo em que ela aparece, falando desse trabalho (lamentavelmente não está legendado):

segunda-feira, 19 de julho de 2010

13 homens e um segredo revelado por Tatiana Issa e Raphael Alvarez


Ontem, fui ao Belas Artes conferir o documentário de Tatiana Issa e Raphael Alvarez, Dzi Croquettes. O que essa moça fez foi um imenso favor a todos nós: ela resgatou a história do sensacional grupo e que ela acompanhou desde pequenina, pois o pai dela conviveu com o mesmo, ele trabalhava com a cenografia. Tal resgate era muitíssimo necessário, pois se até eu, que nasci em 1967, não me lembrava desse fenômeno brasileiro, e que estreou em 1972, como poderiam conhecê-lo as novas gerações? Essas jamais teriam ouvido falar nessa gente brilhante (literalmente, de corpos brilhantes, purpurinados) se não fosse nessa oportunidade.
Graças aos céus, a sala menor do cinema estava lotada e eu ouvi dizer que o boca a boca é tão intenso que tem sido assim sempre: as exibições do documentário têm tido um público considerável, em praticamente todas as sessões.
Essa gente absolutamente de teatro, que eram os Dzi Croquettes, foi um verdadeiro furor na época, com suas performances irreverentes e figurinos totalmente extravagantes. Eles interpretam, cantam, dançam, e desafiam todas as convenções, durante aqueles anos, no Brasil, e em plena ditadura militar. Foi o maior fenômeno que tivemos de contracultura, de power flower, de gay power. Eram homens entusiasmados, talentosos, inteligentes e, muitos deles, poliglotas (o que auxiliou bastante no sucesso internacional do grupo).
O humor era pungente, tocante e, sendo fruto de uma essência de verdade e alegria, que animava cada um dos 13 integrantes da "família", não puderam deixar indiferentes aqueles que os conheceram. É o que reiteram os depoimentos de Liza Minelli, Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Elke Maravilha, Betty Faria, Marília Pêra, de ex-integrantes das Frenéticas, dentre outros do Brasil, que conviveram com os artistas, bem como de alguns franceses contactados e que também conheceram o grupo, quando eles passaram pela França e deixaram boquiaberto o público parisiense, que contava na plateia com gente como Catherine Deneuve, Jeanne Moreau e Josephine Baker.
Tatiana mostra imagens dela própria, muito linda e ainda pequenina, ou seja, de quando conviveu com os Dzi Croquettes. Ela nos diz que não podendo compreender tudo o que se passava ao seu redor, apenas os via como seus "palhacinhos", aqueles homens de enormes cílios postiços, e que lhe sugeriam que ela apenas fechasse os olhinhos quando sentisse medo. Eles eram cheios de bondade e mesmo o modo trágico como muitos deles morreram não poderia macular tanta bondade e talento: o ofício de artista, com que cada um deles pôde situar-se nessa comovente história, remete-os diretamente para a glória que sempre alcança quem pode amar.
Era esse amor que atraia tanto o público. Aliás, há uma passagem no filme em que vemos a cena de estreia de um espetáculo deles em uma cabaret do Rio de Janeiro: havia 600 pessoas dentro do teatro (a capacidade de público da casa) e 1200 pessoas do lado de fora do teatro desejando entrar e batendo na porta... Isso não foi demais?!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Quando nos querem perfeitos é também quando podemos ser menos imperfeitos

Já aconteceu com você de ser repreendido por ter feito o que era certo fazer, em determinada situação? Comigo já e meu sentimento íntimo, nessa circunstância, foi de estupefação. Sim, pois, então, podemos agir com correção diante do que determinada circunstância exige e, ainda assim, não agradar a alguns, e que, no entanto, deveriam ser os primeiros a se sentirem satisfeitos, por conta de que eles próprios foram beneficiados por essa nossa atitude acertada, uma vez que ela era uma exigência da tal circunstância e promoveu o bem de todos.
É que parece que há pessoas que desejam uma perfeição do tipo absoluta.
Não bastará que você insista com tais pessoas que isso não existe, ao menos no plano material em que vivemos. Afinal, o que é perfeito? Talvez, e, muito provavelmente, a Monalisa, que vive presa lá na caixa de vidro do Louvre.
Fora da arte - a expressão maior do desejo de perfeição possível e viável - não existe perfeição. Tudo será sempre passível de aperfeiçoamento. Então, eu próprio não devo ficar irritado com aqueles que me repreendem por eu ter agido acertadamente em determinada situação, e isso porque, tão somente, durante o processo para que isso se desse, não pudemos atingir a perfeição absoluta.
Não gosto de ser aborrecido, mas tampouco gostaria de aborrecer aqueles que me aborrecem. Assim sendo, em um movimento de espírito paralelo à estupefação, procuro, nessas circunstâncias, interpretar essa situação como uma oportunidade para compreender que, se apontam um limite meu - esse próprio e humano relativo à impossibilidade de alcançar a perfeição - o que está em jogo é tão somente a profunda insatisfação de qualquer pessoa com essa sua própria limitação.
Nesse momento eu estou, ao que parece, servindo de espelho porque sou aquele que está ali no caminho e que, sendo gente, pode ser apontado como imperfeito. Ou seja, está tudo certo comigo, sobretudo se eu desejo mesmo ir melhorando, sendo menos imperfeito.
Eu acredito que o primeiro passo para isso é exercitar a paciência. Por exemplo, ao sofrer aquela "injusta" repreensão, buscar essa compreensão da coisa toda e que irá colaborar para uma distensão necessária frente ao que parece estar em jogo. Em suma, é necessário compreender isso que acontece como uma oportunidade de crescimento, no longo caminho em direção ao que seria ser menos imperfeito neste mundo.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Um prato, voilà!


Moramos em nossa casa, eu, minha mãe e a Lalá. Essa última é uma gatinha de raça não definida, muito circunspecta, além de meiga e dengosa. Acreditem: alguém pode ser meigo e dengoso, além de circunspecto. É o caso da Lalá. Pois bem, essa semana minha mãe viajou, foi visitar meu irmão caçula, que está morando no estado de Minas Gerais.
É curioso quando não nos planejamos para uma mudança de rotina.
De repente, me vi tomando café da manhã, tão somente na companhia da Lalá e, ao chegar em casa à noite, tendo que, eu mesmo, preparar minha comidinha.
Não sou bom em "inventar" coisas na cozinha. Em geral, sempre que cozinho (o que faço com amor, por sinal, e mais para poder partilhar com as pessoas) sigo as orientações de livros de receitas ou de blogs especializados. O meu preferido, como muitos já devem saber, é o blog Luciana na Cozinha.
No entanto, ontem, eu só tinha filés de frango congelados. Não poderia, portanto, encontrar ajuda lá na cozinha da Luciana porque ela só utiliza, das galinhas felizes que conhece, os ovos. E, claro, ela tem toda razão. Eu é que ainda sou grotesco e também como as galinhas, embora cada vez mais raramente. ;-D
Como eu estava cansado, não recorri aos livros ou outros blogs e tive que improvisar.
Primeiro, descongelei o frango no micro-ondas. Nunca tinha feito isso e segui as orientações do Manual do equipamento rsrsrs. Achei engraçadíssimo, porque senti um pouco de medo de não dar certo. Mas deu.
O que fiz, então?

Cortei cebola e alho, em rodelas muito finas. Eu gosto muito de ambos, então, fui generoso... Em uma frigideira bastante larga, contendo duas colheres de manteiga (manteiga mesmo, aprendi com Luciana a nunca utilizar margarina) e um fino fio de azeite de oliva, refoguei esses dois ingredientes, até as cebolas ficarem transparentes e o alho levemente dourado. Para conseguir esse efeito é importante acrescentar o alho depois que as cebolas já estiverem um tempinho por ali... Então, acrescentei os filés de frango temperados tão somente com um pouco de sal e um tanto de pimenta branca moída na hora. Juntei os files bem distribuídos na frigideira e fui deixando a coisa toda acontecer. Fiz cair uma chuva de manjericão seco, regada pelos meus dedinhos, por sobre toda essa mistura boa. Quando virei os filés para que dourassem do outro lado, repeti mais uma vez a chuvinha de manjericão.
Misturei um quantidade generosa de creme de leite (acho que se fosse fresco seria melhor, mas eu só tinha aqueles em caixinha, do tipo longa vida...) com duas colherinhas de mostarda de Dijon.
Perto de desligar o fogo, acrescentei essa mistura na frigideira.

Depois, servi a mim mesmo esse prato, acompanhado com arroz branco e soltinho.
O meu suco foi o de polpa de Cajá, que é uma fruta regional, cultivada no Norte e Nordeste brasileiro; fruta de casca lisa e fina, de cor laranja ou avermelhada e de polpa com sabor agridoce.

Achei tudo muito saboroso e imagino que quando eu contar à minha mãe essa minha invenção na cozinha ela vai desejar que isso vire rotina. Aliás, como eu dizia, é curioso quando não nos planejamos para uma mudança de rotina.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Vamos (re)ver Bergman

Sinto-me na obrigação de divulgar essa programação do Cineclube Belas Artes. Claro, porque desejamos que o Belas Artes continue a ter vida longa! ;-D
E também porque Bergman é o tipo de cineasta que forma o espírito e o caráter. É pura boa educação.
Faz 3 anos que ele nos deixou, no entanto, nós não precisamos deixá-lo jamais.


apresenta

Conjunto da Obra: Ingmar Bergman

Julho reúne duas datas muito importantes no calendário cinematográfico: o aniversário de nascimento e também de morte de Ingmar Bergman. Ele que completaria 92 anos no dia 14, faleceu no dia 30 desse mesmo mês, há três anos.
Para lembrar esse duplo acontecimento, o Cineclube apresentará quatro filmes de sua admirável filmografia, de 16 de julho a 12 de agosto, destacando dois clássicos antigos mais dois exemplares representantes das décadas de 70 e 80. São eles: O Sétimo Selo (1957), A Fonte da Donzela (1960), O Ovo da Serpente (1977) e Da Vida das Marionetes (1980).
O Sétimo Selo é o clássico absoluto, indispensável em qualquer retrospectiva do cineasta. O famoso duelo entre o personagem de Max Von Sydow e a horripilante figura da Morte é momento antológico, digno de eterna apreciação. Indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1957, acabou levando o Prêmio Especial do Júri. O filme e o próprio Bergman, aliás, foram lindamente homenageados por Wim Wendres em Palermo Shooting, de 2008, que também faz claras citações à obra de outro mestre, Michelangelo Antonioni, por coincidência morto no mesmo dia em que o diretor sueco.
O filme que vem na seqüência, A Fonte da Donzela, foi o grande vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1961. Inspirado em uma lenda sueca, esse é um dos poucos filmes de Bargman cujo roteiro não foi escrito por ele mesmo, mas sim pela romancista Ulla Isaksson.
Dando um salto no tempo, a programação segue em cores, contrastando com o belo preto e branco dos dois filmes citados acima, desta vez com o polêmico O Ovo da Serpente, uma produção americana com diálogos em inglês e alemão. Tido como um dos filmes menos pessoais de Bergman, essa é uma obra que merece reconsiderações. Ambientado numa Berlim ainda arrasada pelos efeitos da Primeira Guerra, o filme faz uma impecável reconstituição da época retratada, e ainda conta com as extraordinárias atuações de Liv Ullmann e David Carradine, num dos momentos mais marcantes de sua carreira.
Feito originalmente para a TV, Da Vida das Marionetes tem como personagens principais Peter e Katarina, um casal criado em outro filme de Bergman, Cenas de Um Casamento, de 1973. A história desenvolvida, porém, nada tem em comum com a do filme anterior, assim como os atores também não são os mesmos.
Um detalhe predominante nessa seleção é a direção de fotografia que, com exceção de O Sétimo Selo, que tem a assinatura de Gunnar Fischer, os outros três trazem a marca genial de Sven Nykvist, grande parceiro de Bergman na maioria de seus trabalhos, uma união que por duas vezes foi consagrada com o Oscar para Nykvist, a primeira por Gritos e Sussurros (1974) e a segunda por Fanny e Alexander (1984).

Cada filme será apresentado por uma semana, diariamente, em sessão única.
(os horários podem variar de filme para filme, entre 19h e 19h30)

Programação:
O Sétimo Selo: de 16 a 22 de julho;
A Fonte da Donzela: de 23 a 29 de julho;
O Ovo da Serpente: de 30 de julho a 05 de agosto;
Da Vida das Marionetes: de 06 a 12 de agosto.

O SÉTIMO SELO
(Det Sjunde Inseglet)
Suécia, 1957, 35mm, pb, 96 min.
Elenco: Max Von Sydow, Bibi Andersson e Gunnar Björnstrand.

Um cavaleiro sueco retorna ao seu país após lutar nas Cruzadas, durante a Idade Média. Ao ver tanto sofrimento e destruição a sua volta, ele tem dúvidas sobre a existência de Deus e se pergunta porque Ele não dá um sinal de Sua presença. Porém, em suas andanças, ele acaba encontrando a personificação da morte que o convida para uma decisiva partida de xadrez, cujo resultado poderá lhe valer a vida.

Este filme, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, é considerado uma das principais obras-primas de Bergman e também um dos melhores filmes da história do cinema.

A FONTE DA DONZELA
(Jungfrukällan)
Suécia, 1960, 35mm, pb, 89 min.
Elenco: Max Von Sydow, Birgitta Valberg e Birgitta Pettersson.

Ainda fascinado pela Idade Média, Bergman retorna ao clima de O Sétimo Selo ao narrar a lenda de uma jovem, filha de cristãos fervorosos, violentada e morta por pastores, cujo local do crime teria se tornado uma nascente de águas milagrosas.
Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

O OVO DA SERPENTE
(The Serpent's Egg)
Estados Unidos/Alemanha, 1977, 35mm, cor, 120 min.
Elenco: David Carradine, Liv Ullmann e Isolde Barth.

Na Berlim devastada pela Primeira Guerra Mundial, um americano desempregado consegue refúgio no apartamento de um cientista, que também lhe dá emprego. Porém, enquanto trabalha como trapezista ele acaba se apaixonando por uma cantora de cabaré e, aos poucos, descobrirá a verdade sobre um fato terrível que o afetou no passado.

DA VIDA DAS MARIONETES
(Aus dem Leben der Marionetten)
Suécia/Alemanha, 1980, 35mm, pb/cor, 104 min.
Elenco: Robert Atzorn, Heinz Bennent e Toni Berger.

Filmado durante o exílio de Bergman na Alemanha, o filme mostra a sufocante trajetória de um homem que assassina uma prostituta. Utilizando-se de fotografia em preto e branco, com exceção da cena do assassinato e o final que são mostrados em cores, o diretor realizou uma das obras mais sombrias e complexas de toda a sua carreira.


BELAS ARTES
Rua da Consolação, 2423
Cerqueira César
São Paulo – SP
Tel.: (11) 3258-4092

terça-feira, 13 de julho de 2010

Um artista cujo trabalho me comove!






Não sei explicar o porquê dessa comoção. Acho que sinto, sempre que vejo suas interferências nos lugares mais inusitados, como se fosse tão somente um ser humano expondo sua premência em criar arabescos azuis na fealdade do mundo: como a dizer que a beleza e o bem cabem em qualquer parte. É isso, ele cria tatuagens no mundo, traz o invisível para a superfície.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Helen Musselwhite

Certa vez, eu falei aqui de Elsa Mora, uma artista que descobrira a magia do papercutting (essa técnica de criar desenhos a partir do recorte em papel) e cujo trabalho tem um resultado que é comovente. Agora, descobri essa outra artista, que emprega a mesma técnica. Elsa Mora é cubana e vive nos EUA, já Helen Musselwhite é uma inglesa, que mora no Sudoeste do Reino Unido e diz que cada peça que faz à mão é única, mesmo que ela tente reproduzir um determinado desenho.

Eu gostei de todos eles. Eu sempre me encanto com esse tipo de trabalho. Espero um dia aprender a fazer algo semelhante. Embora, infelizmente, na atual fase da minha vida, não teria tempo para me dedicar a esse tipo de ofício, que, imagino, requer imensa paciência, carinho, cuidado, imaginação. E muito AMOR, claro! Esse eu tenho de sobra, mas ainda está faltando alguma coisa... rsrsrs

Ambas as artistas disponibilizam seus trabalhos para compra, em seus respectivos sites. ;-D
 
 
 







sábado, 10 de julho de 2010

Lições da mulher

Quando uma amiga, que acabei de conhecer, soube que eu estava lendo Ana Karenina, de Tolstói, presenteou-me com o DVD da versão cinematográfica do romance. O filme foi rodado em 1948 e dirigido por Julien Duvivier, tendo a magnífica Vivien Leigh no papel principal. Quando comecei a assistir,  fiquei encantado com a adaptação. Era possível ver o romance que estou lendo: todo ele ali, vivo nas imagens e cheio de lições de interpretação, do próprio romance naquela nova linguagem, dos atores na tela, enfim.
Obviamente, eu ainda não terminei o romance, que é imenso e, então, da metade para o fim do filme, fiquei sabendo o que ainda irá acontecer também nas páginas do livro que ora leio.
Que trágico fim! E que lição tristíssima, a vida da personagem encerra.
Só não fiquei ainda mais abalado com o desfecho do drama, porque um amigo apresentou-me uma cantora turca ainda essa semana e eu estava impregnado de uma outra lição feminina e que desejo compartilhar.
As mulheres são sempre sensacionais. Eu penso assim. Ana Karenina, sem dúvida, sobretudo se tem o rosto lindo de Vivien Leigh... Mas também essa cantora pop da Turquia e que é sensacional. Seu nome é Işın Karaca.
Quando eu ouvi essa música, que compartilho por aqui, fiquei impressionado com a voz, belíssima, mas também com o que me pareceu a lição de um drama e que estaria sendo representado por meio da personagem de uma mulher que está aborrecida e só, em um quarto, fazendo suas malas. (Aliás, fiquei sabendo que a cantora também estudou teatro). Ela só tem a sua própria consciência (representada pelo seu duplo, do outro lado do espelho. Ou será um anjo?) com quem passa a ponderar, nesse momento de aflição.
Pedi a meu amigo Enric que traduzisse do turco a mensagem da música. Ele disse que o turco não é assim tão fácil... (lógico!) Mas arranjou-me uma tradução para o inglês. Merci Enric! ;-D

Eu já estou quase aprendendo a cantar a música de tanto que a ouvi! I hope you enjoy it too.






Yetinmeyi Bilir misin?

Yetinmeyi bilir misin,
Sana verdiği kadarıyla hayatın?
Hoş, bilsen de bilmesen de
Yara bere içinde bu yollardan geçeceksin

Kazanmayı isterdim, kaybetmeyi değil
Ama olmadı yar
Kendini kayırıyor her insan önce
Bu yüzden aşka kıyar

Giderim, alışığım gitmelere
Direndi bu can ne bitmelere
Giderim, alışığım gitmelere
Gerek yok isyan etmelere

Do you know being satisfied
with how much the life gave you?
Well, Whether you know, or not
You will pass by these streets with wounds

I would like to win, not lose
But it wasnt like that darling
Every person gives herself a preferential treatment
so He/She sacrifice (to abandon) the love

I'll go, i m used on going
This soul resisted how many ends
I'll go, I'm used on going
There is no need to revolt

Você tem estado satisfeita
com o tanto que a vida lhe proporcionou?
Bem, saiba, ou não,
você passará por esses caminhos sofridos.

Eu gostaria de vencer e não perder.
Mas não foi assim, querida...
Cada um dá a si mesmo um tratamento especial.
E, então, sacrifica o amor.

Eu prosseguirei, tenho prosseguido.
Esse espírito resistiu a quantos términos...
Eu prosseguirei, tenho prosseguido.
Não é preciso revoltar-me.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Lendo Tolstói

Hoje, entrei no metrô, sentei-me e abri o livro Ana Karênina, de LeonTolstói, no Capítulo XXVI, para dar continuidade a minha leitura do romance. Quando dei por mim estava em lágrimas e, evidentemente, envergonhado dos meus vizinhos de assento, tratei de procurar um lenço de papel...
;-D

Ler um romance do século XIX, um clássico da literatura, escrito por um autor imortal, para mim, é isso: é mergulhar intensamente em uma história escrita com amor, paixão e talento imensuráveis e, por conseguinte, na vida de personagens que, embora não tenham existência no que chamamos de "realidade concreta", nos ensinam muito do que é ser gente de verdade nesse mundo.
Não vou aqui trazer notícia da personagem que dá nome ao romance, mas de uma personagem "coadjuvante" ( é melhor chamá-la assim do que "secundária", afinal, estou achando tal personagem cabal para o equilíbrio do painel de tipos humanos no romance) e que é apaixonante: Constantin Liêvin.
Apenas para que vocês entendam o trecho que reproduzo abaixo e que me levou às lágrimas: essa personagem é um homem feito, solteiro e que, embora rico, vive no campo, daí sua flagrante timidez diante da cosmopolita Moscou e que visitara, tão somente, para pedir a mão de Kitty, irmã da cunhada de Ana Karênina. A jovem, no entanto, já tinha um rapaz lhe cortejando, o desenvolto e charmoso Vronski.
Liêvin, enjeitado, fica muito aborrecido e volta para casa. No início desse capítulo a que me referi, ele está chegando, de volta a sua casa:

No dia seguinte pela manhã, Constantino Liêvin saía de Moscou e chegava a casa ao fim da tarde. Durante o trajeto entabulou conversa com os companheiros, falou de política, de estradas de ferro, e, tal qual como em Moscou, não tardou a sentir-se submerso no caos das opiniões, descontente consigo próprio e envergonhado sem que soubesse muito bem por quê. Mas , quando, à luz indecisa que se derramava das janelas da estação, viu Ignat, o cocheiro estrábico, a gola do cafetã levantada, depois o trenó coberto de peles e os cavalos com seus arreios bem-tratados, e aquele lhe contou, enquanto ele se instalava, as novidades da aldeia - que chegara um comprador e que a Pava tivera o seu bom sucesso -, Liêvin sentiu que toda aquela confusão de idéias se esclarecia e que a vergonha e o descontentamento se dissipavam. Entretanto, essa impressão ele a teve apenas com o ver Ignat e os cavalos, quando se embrulhou no tulup - um casaco de pele de carneiro, feito de maneira que os pêlos ficassem na parte de dentro, como forro - que o cocheiro tivera o cuidado de lhe trazer e se sentou bem abrigado, no trenó, que se pôs a andar, pensou nas ordens que teria de dar logo que chegasse a casa e, examinando um dos cavalos, o seu preferido para montar - um velho cavalo do Don, já gasto, mas ainda veloz -, pôs-se a ver de maneira muito diferente o que lhe acontecera. Deixou de querer ser outro que não ele próprio e apenas desejou ser melhor do que fora até ali. Em primeiro lugar, decidiu que daí por diante não poria as suas esperanças numa felicidade extraordinária, como a que esperara do casamento, e que, por conseguinte, não iria menosprezar tanto o momento presente; depois, que nunca mais se deixaria conduzir por uma baixa paíxão, como acontecera na véspera, antes de se decidir a declarar-se. E, lembrando-se do irmão, resolveu nunca mais o esquecer nem o perder de vista, para assim poder ajudá-lo sempre que ele precisasse. Pressentia que isso iria acontecer dentro de pouco. Em seguida pensou na conversa que tivera com o irmão sobre o comunismo e que tão superficialmente encarara na oportunidade. Considerava absurda a reforma das condições econômicas, mas sempre se dera conta da injustiça que representava o muito que tinha em comparação com a miséria do povo. Para se sentir completamente justo, apesar de que sempre trabalhara muito, vivendo sem luxo algum, tomou a resolução de trabalhar cada vez mais e de levar uma vida ainda mais simples. Tudo lhe parecia tão fácil de realizar que pensar nisso foi a coisa mais agradável que lhe ocorreu durante o trajeto. Quando chegou a casa, por volta das nove da noite, sentiu que uma vida nova, uma vida mais bela, começava para ele. Uma réstia de luz se filtrava nas janelas de Agáfia Mikháilovna, a sua velha ama, agora governanta da casa. A velha ainda não dormia. Acordou Kuzmá, que, estremunhado e descalço, veio até ao alpendre. Também Laska, a cadela, apareceu, e por pouco não derrubava Kuzmá, ladrando e esfregando-se nas pernas de Liêvin, sem ousar pôr-lhe as patas dianteiras no peito.

Não vou resistir e vou reproduzir também um trecho em que temos uma reação de Ana Karênina a uma circunstância e que eu achei hilária (tive que conter a gargalhada dentro do metrô... ;-p)

Pois bem, depois de praticamente roubar o coração de Vronski e tornar-se "rival" de Kitty. Karênina está, praticamente, em fuga dessa nova paixão, e ao chegar em sua cidade:

Mal desembarcou do trem, o primeiro rosto que encontrou foi o do marido: "Meu Deus! Por que lhe terão crescido tanto as orelhas?", pensou ela, mirando-lhe a arrogante e fria figura e sobretudo as cartilagens das orelhas, que lhe chamavam a atenção, nas quais, dir-se-ia, vinham pousar as abas do chapéu.

Literatura é um universo amplo: a se perder de vista. Todos os elementos que constituem a literatura são importantes, uma vez que por eles ela nos educa, propicia o exercício de traquejo com a língua, cria o hábito salutar da leitura, permitindo-nos aprender a filosofar, além do treino da sensibilidade para a compreensão da psicologia dos mortais e tanta coisa mais! Mas o mais delicioso de tudo é o quanto ela nos emociona e ainda pode ser divertida, com humor.








                                                    Anton Chejov e Leon Tolstoi