sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Relendo antigas cartas e redescobrindo Mário Peixoto

Hoje, sexta-feira, abri uma caixa em que guardo cartas que recebi no passado e também cópias de cartas que eu próprio enviara em outros tempos. Como era bom escrever cartas!
Relendo uma carta que enviei a uma amiga que não via há muito, na ocasião, encontrei um trecho que achei tão bonito que quero aqui compartilhar. Foi mais para o finalzinho da carta...
Acho que minhas cartas do passado eram um pouco como escrever para esse blog. Contudo, penso que essas minhas postagens são também como mensagens que a gente guarda dentro de uma garrafa e lança ao mar, sem saber se vão ler e mesmo quem irá fazê-lo, ou seja, é uma emoção de outra natureza. ;-)
Vejamos o trecho da tal carta:

(...)
Como foi possível perceber a vida tem me ensinado a ser um pouco mais realista e menos idealista ou sonhador. Embora minha natureza seja mesmo a de uma pessoa imaginativa e um tantinho criativa o que me permite querer e poder dizer como a Princesa Marie Bonaparte: Dotada de um pessimismo alegre, terei atravessado a vida sem ceder.
Logo que retornei a São Paulo, na verdade no início do ano seguinte, 2002, li um livro belíssimo. Trata-se de um romance do cineasta (e escritor) brasileiro Mário Peixoto. O título é o máximo: O inútil de cada um. Encontrei hoje uma pequena passagem do romance que, não aceitando deixar de tê-la por perto (o livro era emprestado e uma edição rara e esgotada), a anotei em um caderno, tamanha riqueza literária e exemplo cabal de prosa poética nela foram expressos. A mais completa e sublime definição de felicidade. Como você é uma pessoa sensível e inteligente vou reproduzi-la também aqui:
A felicidade, revelou-me ele com nostalgia, é essa momentânea posição que se coloca a pessoa, certas vezes, diante da vida, mas que logo se desvanece em euforia ou lhe traz, na queda, ao constatá-lo, um contrito sorriso de reconhecimento e, sobretudo, frustração.
E depois? (...)
Você que pergunta...(...) o que faria nessa posição? Dava-se conta desse estado de felicidade vestida na pessoa, de súbito, como uma estatura? Desse repentino que o toca, algo difícil de pôr em explicativa? Desse bafejo com perspectivas mais douradas? Desse pingo de orvalho que nos bate, translúcido, estremecendo a epiderme e que descortina através de um cristalino rápido panorama nunca assim partilhado em sua essência? (...) Depois? – pergunta você. Verifica-se o quê? Que o ser... (...) ao nosso lado, muita vez acarretado na miragem, no êxtase, no faiscar (embora de caráter duvidoso), também foi uma vitima e não uma objetiva. Nem mesmo contínua é essa felicidade; irradia-se, oblitera, acena-nos até a morte, enganosamente, contígua e fácil aparentemente – mas de que é feita ela na sua trajetória? O que sugere, o que diz, o que cala? Verifica-se, quando se ausenta, desertos de solidões em torno e vazios todos concêntricos. Que os pés – os nossos pés – de novo estão plantados nas calçadas e que o momento, então como uma essência de caro perfume que se evola, escapou-se da pequena caixa do cérebro onde, em retortas infinitesimais, se atravessara de infinitos!
Bem, essa carta já resultou muito longa e agora passo a querer uma resposta, para também saber de você, do que viveu, do que vive. Agradeço sua atenção e deixo-lhe meu carinho e votos de felicidades,
Um grande abraço do amigo,

Josafá Crisóstomo

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A fotografia que enternece

Vendo essas imagens de Gaspar Gasparian fiquei enternecido. Pensei: De fato, sempre estaremos endividados com os artistas. Eles nos permitem, com a ajuda do instrumento que escolhem para isso, ver além do banal, ou simplesmente ver além. Esse artista nasceu no final do XIX e foi um criador muito importante no universo da fotografia, sobretudo nas décadas de 40 e 50 do século passado.


Eu, particularmente, acho muito fotogênico esse período da história, o pós-guerra. Ou será que os melhores fotógrafos foram os que atuavam então?

São dessa época, as 150 imagens de Gasparian que a Pinacoteca de São Paulo está expondo, desde o último dia 18. Essa dica de exposição eu devo a um amigo, também ele fotógrafo, e que postou tal informação no seu facebook.

Fiquei imediatamente interessado em aproveitar a oportunidade! ;-)

Eu sou frequentador da Pinacoteca, mas já faz uns dois meses que não apareço por lá. Está aí um ótimo programa para esse sábado e é exatamente isso o que eu farei. Afinal, eu, graças a Deus, não pertenço a esse grupo de gente paulista que não tem ânimo para ir a museus, cinema, teatro etc. Eu sei que a vida de verdade está no meio da rua e dentro dos templos que nós humanos criamos para nos lembrar da beleza... de ser gente.

Celebrar tal beleza nos traz de volta a vida de verdade e que também pulsa dentro da gente. Eu sei que os humanos e as coisas todas que existem são de fato compreendidos e para o melhor que há em tudo, quando não desperdiçamos a oportunidade de nós mesmos melhorarmos. E artistas como Gasparian são esses professores que nos impulsionam para essa tarefa, que se dá em um processo. Tal processo pode ser doloroso, mas sem dúvida alguma muito instigante!






















quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Hosanna

Ontem, vivi uma experiência muito próxima do que eu falava aqui no último post. Devo isso a um amigo que assina a temporada de concertos do Mozarteum Brasileiro e que, lamentavelmente, não poderia ocupar seu lugar cativo na Sala São Paulo. Sou imensamente grato a essa pessoa querida por ela ceder-me esse lugar de privilégio!
;-)


A que experiência eu me referia? Daquela experiência que, parafraseando Bruno Latour, podemos chamar de “politemporalidade”. Isso porque, sendo um morador da cidade de São Paulo e vivendo em 2010, estive naquela magnífica Sala São Paulo - que por si só é uma manifestação "híbrida", ela reúne as referências arquitetônicas de tez palaciana ou mesmo próprias a um templo e, ainda, o máximo de tecnologia a serviço da música erudita - e, sobretudo, porque lá estive para ouvir os Meninos Cantores de St. Thomas & Orquestra Bach da Gewandhaus Leipzig. Tal coro, por exemplo, existe há quase 800 anos. Essa instituição cultural de Leipzig é a mais antiga dessa cidade, pois é apenas cinquenta anos mais jovem que a própria cidade. E o que nos apresentaram? Uma obra de um compositor do barroco alemão, portanto, do século XVII, e tudo isso acontecia com a naturalidade e a verdade do humano, quando é possível que tal encontro ocorra por meio e através de diferentes tempos em comunhão.

O programa do concerto foi a Missa em si menor, BWV 232, de Johann Sebastian Bach (1685-1750).

Fiquei muito satisfeito por ter levado meus lenços de papel. Eu sabia que eu ia chorar e sabia disso porque eu já estava com vontade de chorar de emoção desde o momento em que sai do trabalho e peguei o táxi em direção à sala de concertos. O taxista boníssimo, quando eu o instruí acerca do destino, disse-me: Ah, você vai assistir a um concerto! Eu respondi: Sim! E não é qualquer um! É uma missa de Bach com um coro de meninos!

Ao dizer isso, eu já intuía e imaginava que a experiência seria transcendente. E foi isso mesmo o se passou.

Tal Missa em si menor é uma tradução de Bach para a missa latina. Fomos informados que Bach compôs algumas partes dessa Missa em si menor, em 1724, mas ele só a concluiu em 1750 (vinte anos depois). Também fomos informados que, embora o compositor fosse Luterano, não devemos estranhar que ele tenha composto com tanto arroubo místico essa missa que, no entanto, se integra na liturgia Católica Romana. Isso porque os luteranos, naqueles tempos, celebravam também missas latinas. Mas, eu, humildemente, penso que ela ganha tal magnitude porque, como também nos informaram no programa, para Bach, toda obra musical era uma consagração a Deus!

E, então, quando o coro dos meninos começou a cantar o Kyrie eleison eu já estava chorando. Uma música sacra nos faz chorar porque, então, temos confirmado o alto poder da nossa própria fé, que, no entanto, somente alguém tão genial poderia expressar na sua forma mais aguda.

Uma particularidade dessa missa muito intensa, a meu ver, deu-se por conta de que além da harmonia absoluta entre instrumentos da orquestra (violinos, violas, violoncelos, contrabaixo, flautas, oboés, fagotes, trompetes, tímpano, cembalo) que, como que emolduravam tão somente as vozes do coro, esse, por sua vez, embora fosse o elemento vocal preponderante, silenciava-se para que, então, as preces fossem entoadas por cantores: como nos duetos de soprano e contralto, Grabriele Hierdeis e Brita Schwarz, respectivamente, que tiveram duas oportunidades para isso, tanto no Gloria quanto no Credo. Foi particularmente comovedora a experiência de ouvir o dueto de soprano e tenor (Gabriele Hierdeis e Hans Joerg Mammel) no Domine Deus, do Gloria. Nesse último, também tivemos algumas árias, soladas, cada qual, pela soprano, pela contralto e pelo baixo (Markus Flaig), respectivamente, o Laudamus te, o Qui sedes ad desteram Patris e Quoniam tu solus sanctus. No Credo, como já disse, voltamos a ouvir um dueto de soprano e contralto, e uma ária do baixo. No final, o tenor cantou a ária Benedictus e a contralto a magnífica ária Agnus Dei que antecedeu a despedida do Coro: Dona nobis pacem. Assim seja!

O coro de meninos, magistral em toda a peça, levou-nos ao êxtase particularmente no Sanctus, (penúltima parte da missa), na minha humilde opinião, isso se deu porque nesse momento, como em vários outros, sentimos uma variação intensa de todas essas vozes do próprio coro, ou seja, os sopranos, os contraltos, tenores e baixos eram a própria litania da fé, como ela deve ser expressa por criaturas que divulgam, nesse nosso tempo, aquela própria fé que Bach vivenciava e que nos impede, necessariamente, se temos o mínimo de sensibilidade, de não crermos, por nossa vez, nessa exaltação da fé como expressão da arte, em segundo grau. Eu diria que isso é só o princípio, pois (como não?) somos conclamados a compreender essa mesma expressão, na verdade, como a expressão última dos anseios humanos.
Sim, confesso, foi isso mesmo o que eu senti, quando me perguntei:
Por que eu não creria que existem os coros dos anjos nos céus, depois de ter ouvido o coro de meninos de St. Thomas cantando uma missa de Bach?

Hoje, 27 de outubro, será a segunda apresentação desses artistas na mesma sala. Um aviso importante, aos interessados em conseguir possíveis ingressos remanescentes: o concerto dura cerca de duas horas, sem intervalo.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Você sabia que jamais fomos modernos?

Estou lendo um livro excelente e que uma amiga muito querida emprestou-me. Trata-se do ensaio Jamais fomos modernos, de Bruno Latour. (Título Original: Nous n'avons jamais été modernes).
No site do autor é possível conhecer um pouco mais a respeito dele, por aqui apenas reproduzo o que nos diz a orelha do livro about him: Bruno Latour possui doutorado em filosofia e é professor da École Nationale Supérieure dês Mines, em Paris, e da University of California, em San Diego. Realizou diversos estudos etnográficos na África e na América. É também autor de Lês Microbes: guerre et paix (A.-M. Métailié, 1984); La Vie de laboratoire (La Découverte, 1988) e La Science en action. (La Découverte, 1989). 

Eu sempre gostei de ler ensaios filosóficos e por duas razões muito simples: eles nos retiram de um cotidiano muito banal e superficial e nos promovem, automaticamente, a um grau de abstração necessário. Isso, é claro, se você quer compreender mais e melhor a si mesmo, a vida e o mundo em que vivemos.
Esse autor consegue propiciar a seus leitores mais do que tudo isso, uma vez que ele sugere uma revisão bastante radical do que aprendemos a chamar de modernidade. Para Latour, jamais fomos modernos. O paradigma da modernidade, que separou radicalmente natureza e cultura, deixando que a ciência cuidasse da natureza e a política da sociedade não impediu a criação, na prática, dos objetos que ele chama de "híbridos", que pertencem à natureza e à cultura ao mesmo tempo e, segundo ele, sobre os quais os modernos se recusam a pensar. Para o autor, mesmo a chamada pós-modernidade (essa outra força que como a modernidade é muito mais que uma ilusão e muito menos que uma essência) também  não dá conta de pensá-los. Portanto, é preciso que sejamos não-modernos (o que, em verdade, nunca deixamos de ser) para que possamos compreender nosso mundo. Essa é a hipótese do autor e que eu estou achando absolutamente instigante conhecer. Aliás, uma reflexão sem igual. Recomendo vivamente!
Estou na metade do livro, então, não poderia e nem pretenderia fazer aqui uma resenha. Fica como sugestão de leitura, tão somente. Para tanto, para transmitir-lhes um tanto disso que estou chamando de instigante, vou reproduzir uma passagem muito esclarecedora, a meu ver, sobre a categoria tempo. Aliás, uma das melhores reflexões que já li sobre o tempo em nosso tempo.
O livro é editado, no Brasil, pela Editora 34 e foi traduzido por Carlos Irineu da Costa. Devo dizer que não vou resistir e grifarei as passagens que acho substanciais nesse excerto do livro que aqui compartilho. ;-)

SELEÇÃO E TEMPOS MÚLTIPLOS

Felizmente, nada nos obriga a manter a temporalidade moderna com sua sucessão de revoluções radicais, seus antimodernos que retornam àquilo que acreditam ser o passado, e seu jogo duplo de elogios e reclamações contra ou a favor do progresso contínuo, contra ou a favor da degenerescência contínua. Não estamos amarrados para sempre a esta temporalidade que não nos permite compreender nem nosso passado, nem nosso futuro, e que nos força a enviar aos porões da história a totalidade dos terceiros mundos humanos e não-humanos. Mais vale dizer que os tempos modernos deixaram de passar. Mas não vamos nos lamentar por isso, uma vez que nossa verdadeira história nunca teve nada além de relações muito vagas com esta cama de Procusto que os modernizadores e seus inimigos lhe impuseram.
O tempo não é um panorama geral, mas antes o resultado provisório da ligação entre os seres. A disciplina moderna agrupava, enganchava, sistematizava para manter unida a pletora de elementos contemporâneos e, assim, eliminar aqueles que não pertenciam ao sistema. Esta tentativa fracassou, ela sempre fracassou. Não há mais, nunca houve nada além de elementos que escapam do sistema, objetos cuja data e duração são incertas. Não são apenas os beduínos ou os kung que misturam os transistores e os costumes tradicionais, os baldes de plástico e os odres em peles de animal. Há algum país que não seja uma “terra de constrastes”? Acabamos todos misturando os tempos. Tornamos-nos todos pré-modernos. Se não podemos mais progredir como os modermos, devemos regredir como os antimodernos? Não, devemos passar de uma temporalidade a outra já que, em si mesma, uma temporalidade nada tem de temporal. É uma forma de classificação para ligar os elementos. Se mudarmos os princípio de classificação, iremos obter uma outra temporalidade a partir dos mesmos acontecimentos.
Suponhamos, por exemplo, que nós reagrupemos os elementos contemporâneos ao longo de uma espiral e não mais de uma linha. Certamente temos um futuro e um passado, mas o futuro se parece com um círculo em expansão em todas as direções, e o passado não se encontra ultrapassado, mas retomado, repetido, envolvido, protegido, recombinado, reinterpretado e refeito. Alguns elementos que pareciam estar distantes se seguirmos a espiral podem estar muito próximos quando comparamos os anéis. Inversamente, elementos bastantes contemporâneos quando olhamos a linha tornam-se muito distantes se percorremos um raio. Tal temporalidade não força o usos dos rótulos “arcaixos” ou “avançados”, já que todo agrupamento de elementos contemporâneos pode juntar elementos pertencentes a todos os tempos. Em um quadro deste tipo, nossas ações são enfim reconhecidas como politemporais.

Do fundo do meu coração, não pretendo ser pedante, esnobe, mas vocês acreditam que eu sempre pensei exatamente assim, acerca do tempo em nossos tempos? rsrsrs É óbvio que mesmo já tempo pensado em algo semelhante eu não poderia ter dito o mesmo, assim, como ele nos disse e, aliás, tão apropriadamente.
 ;-)

Cerisy-juillet 2006 - photo Fabian Muniesa

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Quando a cultura é epifania

Ontem, li na Folha uma matéria que contava acerca de uma pesquisa feita no estado de São Paulo e que revelou a baixa frequência de paulistas a teatros, cinemas e exposições em geral (40% não costumam ir a cinemas, 60% idem aos teatros e 61% idem aos museus).
Segundo a matéria, a justificativa que os entrevistados deram foi simplesmente: “Não me interesso/nãogosto/não me sinto bem fazendo”. ;-o
As pessoas foram bastante sinceras! rsrsrs
Vale a pena ler a matéria (no link acima) porque há depoimentos de pessoas do teatro e do cinema analisando o fato...  O mais interessante, para mim, é que essas mesmas pessoas que se assumem desinteressadas por esses programas culturais, também revelam que “gostariam de gostar de cultura”. O que Ana Paula Souza chamou, acertadamente, de um paradoxo. Ou seja, embora não frequentem tais programas porque não querem, eles dizem ter gosto por “realizar atividades culturais” (68%).
É claro que é um paradoxo e que faz sentido. Todos sabemos, instintivamente, que a arte tem muito a nos oferecer! ;-)
Hoje, na Pinacoteca, está acontecendo um Seminário que lançará os resultados dessa Pesquisa e ainda contará com a participação de pessoas consideradas do establishment da cultura em São Paulo: gente do teatro, cinema, mídia etc.
Eu que não posso estar lá, pretendo tão somente dizer por aqui o que penso. E de um modo que talvez lhes pareça tergiversado.
Eu sou alguém que sempre fui apaixonado pelo universo da cultura, pertenço, portanto, à minoria do estado de São Paulo que, sim, se interessa por tudo o que acontece na literatura, no teatro, no cinema, ou quase tudo, ou seja, na medida do possível. Vou aos museus, exposições e até mesmo a concertos e isso desde muito cedo. Pelo menos desde os meus 12 anos de idade. Não foram os meus familiares que me incentivaram a ter esse tipo de experiência, a da fruição estética (com exceção do gosto pela leitura: meu pai e minha avó liam muito e a minha criança via a cena dos adultos leitores).
Comigo simplesmente aconteceu de eu experimentar e como que, instintivamente, compreender que nessa seara, a do universo da cultura, eu teria uma fonte como que infinita de aprendizado.
Talvez por essa minha experiência muito pessoal, eu considere que nessa seara não seja possível "forçar" nada. A escola vai poder fazer sua parte, se os professores e os responsáveis por essa educação formal assim o desejarem, a família também pode fazer, o governo sempre poderá e deverá cumprir o seu papel nesse setor e, claro, os artistas também.
Sim, ele os artistas é que são aqueles incansáveis trabalhadores que semeiam e semeiam e semeiam.
Vejam, por exemplo, o que nos conta a jornalista Rita Alves, que, para fazer uma matéria para o DCultura, colheu o depoimento de responsáveis pelo projeto Margem e que conta com a participação do artista mexicano Hector Zamora (cujos trabalhos ilustram esse post) Ele é o responsável pela instalação daquelas árvores imensas que estão sobre o rio Tamanduatei, no centro velho de São Paulo. Pois bem, contaram à minha amiga que, desde que as árvores apareceram suspensas sobre o rio, os habitués do local (pessoas que trabalham no Mercado Municipal, camelôs ou os moradores de rua daquela região quase abandonada), todos ficaram tomados pela intervenção, tiveram um assombro, estranharam, muitos se empolgaram, viram nas árvores sinal de boa sorte...
O que a arte nos propicia é isso! É isso viver a cultura que se manifesta!
 Essa experiência levou a arte às ruas, como várias outras manifestações que têm ocorrido pela cidade. Quem sabe não seja disso mesmo que as pessoas estejam precisando para se entregarem a esse prazer e à experiência de epifania que o universo da cultura nos propicia?

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Notícia antiga, brincadeira atualíssima!

Hoje, navegando pela web, encontrei no guardian.co.uk uma notícia já antiga.
Nela, falavam de uma mostra que aconteceu, até agosto passado, no The London Transport Museum. O museu que abriga uma das mais importantes coleções mundiais de artes gráficas pedira a ilustradores que desenhassem as relações entre o ciclismo na capital londrina e as questões do meio ambiente, saúde e diversão. No link acima, o do guardian, você pode ver um pouco do resultado desse pedido, cujos trabalhos foram selecionados entre mil participantes. Trouxe para cá os que mais gostei!
Eu gosto de bicicletas e, na minha opinião, no lugar de serem motoristas, as pessoas todas deviam ser ciclistas. Os motivos para essa minha predileção são óbvios: é um exercício saudável, trata-se de um veículo não poluente, mas a verdade mesmo é que é muito divertido andar de bike e, como podem ver, os artistas revelaram bastante essa faceta da atividade. Enjoy it!






terça-feira, 19 de outubro de 2010

Quando o bom trabalho é um bem

Outro dia, Laurie Anderson se perguntava de onde veio a ideia de que você é um homem de bem se você trabalha. E também comentou que São Paulo e New York são muito semelhantes por propagarem essa mesma ideia... Eu lembro-me que compreendi e também admirei seu questionamento. Evidentemente, ser um “homem de bem”, nesse sentido clichê da expressão, é até mesmo lamentável. Faz pensar, por exemplo, que poderíamos estabelecer que um desempregado não seja, então, um homem de bem se ele não pode trabalhar? Ou que as pessoas de bem só o possam ser assim se forem esse horror que a palavra inglesa tão bem define: workaholics?
Por outro lado, a mesma Laurie disse que chegou a trabalhar em uma lanchonete do Mc Donald’s: porque queria experimentar ser alguém diferente. Todos nós podemos imaginar o que seja a experiência de alguém que trabalhe no Mc Donald’s, não é mesmo? Não podemos dizer que essa seria uma experiência fácil e, sim, eu conheci pessoas de bem e do bem que viveram essa mesma experiência, inclusive Laurie Anderson! ;-)
O trabalho pode não fazer homens de bem, mas as pessoas do bem, em geral, trabalham. E muito. O melhor que podemos fazer para o nosso bem e para o bem geral é justamente... trabalhar.
Trabalhar estando e sentindo-se bem, trabalhar com o bem, para o bem.
Hoje eu tive um dia de muito trabalho e como eu desejei que tudo se resolvesse bem, e,  quando a tarefa foi considerada cumprida, eu me senti tão bem!
A verdade é que pode ser muito prazeroso você trabalhar e entregar-se à tarefa do trabalho de uma maneira que a representação total do que seja esse trabalho transcenda a própria tarefa.
Então, eu diria, que não precisamos ser artistas para nos realizarmos no trabalho, precisamos encontrar nesse trabalho, qualquer que seja ele, o sentido de uma existência que transcenda o próprio trabalho, esse pelo qual em seu feliz resultado é já parte dessa transcendência, e que, embora poucos possam supor, é a que permite que o nosso trabalho resulte como parte de uma felicidade que já poderia estar lá sempre e para o próprio bem, que é o bem de todos. Isso, aliás, é arte pura! ;-D
E, por falar nisso, a ilustração desse post faz parte de uma exposição que será aberta no próximo dia 23 de outubro, na Caixa Cultural da Praça da Sé, em São Paulo. Trata-se de um trabalho de xilogravura do artista Rubem Grilo (1985-2010). Quando eu visitar a exposição falarei dela por aqui. Eu adoro esse trabalho e esse artista!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Deep in thought

Essa semana foi plena de emoção. Sobretudo com o resgate dos mineiros do Chile. O mundo inteiro ficou emocionado com aquele resgate. Aliás, de fato, as grandes tragédias nos irmanam a todos e a essa irmandade na tragédia vem somar-se a irmandade na alegria, como a que assistimos nesse evento, por fim.

Estamos no mundo para nos ajudarmos, para nos socorrermos, mutuamente, fica sendo essa a lição de todo esse episódio, of course.

Eu, hoje, desejando trazer beleza para esse blog, saí destemido pelo mar imenso da web. Que surpresa feliz senti ao deparar-me com os trabalhos de uma ilustradora que vive em Los Angeles, seu nome é Christina Song. Aliás, o nome Cristina, eu tenho uma amiga que se chama assim, é quase uma canção, não é mesmo?
Os trabalhos de colagem dessa ilustradora resgatam o que mais aprecio em uma pessoa adulta: o seu respeito pela criança que carrega em si mesma!

E, assim, como naquelas imagens dos homens adultos resgatados do útero da terra, do renascimento que cada um experimentou ao subir por aquela cápsula (tão apertada!), ficam também aqui essas imagens de Song, que remetem ao contato humanizado com a superfície do globo terrestre, com a natureza que recobre essa crosta e, sim, com a fragilidade inerente à nossa condição de humanos.

Have a nice weekend!

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Cocoon Dance de Berlim e o espaço da Dança em São Paulo

Vejam que interessante: acabei de saber que um coletivo de dança da Alemanha, a Companhia de dança contemporânea Cocoon Dance irá contribuir artisticamente para a revitalização de um teatro em São Paulo, o Teatro Mars, na Bela Vista.
A Cocoon Dance, sediada em Berlim, participa a partir de amanhã de três pólos importantes para as artes do corpo em São Paulo, ou seja, simultaneamente, a responsabilidade da apresentação cênica do espetáculo Dating Your Enemy, a revitalização do Teatro Mars, e ainda a pesquisa e montagem de novo espetáculo, com a participação de artistas brasileiros e que integra um projeto de colaboração de artistas das duas cidades envolvidas, ou seja, o Cocoon Dance em São Paulo - Projeto 2011, que promoverá um trabalho, nos anos de 2010/2011, com a participação de performers e apresentação dos dois países. O elenco brasileiro será formado, através de Audições, seguidas de Oficinas, com as técnicas e metodologias utilizadas durante os processos de criação da companhia. Tal projeto ocorre em parceria com o Goethe-Institut São Paulo, bem como com o Teatro Mars.
Dating Your Enemy é uma releitura da peça Na Selva das Cidades - Im Dickcht der Städte -escrita em 1924, pelo dramaturgo alemão Bertolt Brecht. O Brasil conheceu uma montagem dessa peça, em 1969, by José Celso Martinez Correa, do Teatro Oficina. Para mim, essas referências são mais do que suficientes para querer ver o espetáculo!
A Companhia de dança contemporânea Cocoon Dance foi fundada em 2000, por ocasião do Festival Off em Avignon, por Rafaële Giovanola e Rainald Endrass. Trata-se de um ensemble de artistas vindos de grandes companhias como Ballet Frankfurt William Forsythe e Tanztheater Wuppertal Pina Bausch. É uma característica do grupo emprestar sua criatividade e personalidade em produções mais independentes.
No release que recebi, fui informado que serão duas as apresentações do espetáculo, nos dias 15 e 16 de Outubro (Sexta-Feira e Sábado), às 21 horas. Esse espetáculo simboliza o início do projeto de revitalização do Teatro Mars, na Bela Vista, devolvendo à cidade de São Paulo, um espaço destinado ao estudo, à pesquisa, a experimentação e a performance das diversas manifestações da dança.

Dating Your Enemy
Bailarinos: Joris Camelin, Martin Inthamoussú.
Coreografia e Direção: Rafaële Giovanola.
Vídeo: Ralph Goertz
Desenho de Luz: Marc Brodeur.
Concepção: Rainald Endraß

Teatro Mars – Rua João Passalacqua, 80 – Bela Vista.
Tel:. (11) 3105 8950
Reservas por e-mail: info @spdance.com.br
Lotação: 200 lugares
Duração: 50 min.
Ingresso: R$40,00 e R$20,00
Importante:
Quem não puder ir à noite ao teatro, mas estiver visitando a Bienal, vai poder conferir uma performance desse mesmo grupo na 29ª Bienal de São Paulo. Será o Cocoondance para os Terreiros da Bienal.
O ponto de invenção e reunião de Roberto Loeb e Kboco - Dito, Não Dito, Interdito e o labirinto dos frágeis mecanismos de representação de Carlos Teixeira - O Outro, o Mesmo, serão o palco de duas versões deste embate brechtiniano nos Terreiros da Bienal.

29ª Bienal de Artes de São Paulo
Parque do Ibirapuera/ Portão 3.
Sábado - 16 de outubro de 2010
Duas Apresentações: às 13 horas e às 17 horas.
Terreiros: O Dito, Não dito, Interdito e O Outro, o Mesmo.
Entrada Grátis.
Informações:
bienalsp@fbsp.org.br
(55 11) 5576 7600
http://www.bienalsp.org.br/

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Laurie Anderson said: No rules!

Faz três dias que não posto nada por aqui. Mas é que tivemos feriado ontem, no Brasil, e eu estava em trânsito desde 6ª-feira. ;-)
Ontem, o feriado de Nossa Senhora Aparecida e o Dia das crianças contou, em São Paulo, com a abertura da exposição de Laurie Anderson, I in You, que já andei divulgando por aqui. Foi no CCBB.
A artista chegou e preparou-se, calçando uns patins e que tinham na base de cada pé uma pedra de gelo. Ajudaram-na a subir no palco e ela manteve-se equilibrada nessa base, que foi derretendo durante o tempo em que ela tocava uma peça recente ao violino, em referência a uma de suas performances mais clássicas, Duets on Ice (dueto sobre o gelo), executada em Nova York, nos anos 70. Ela tocava seu violino, enquanto também comandava uma mesa de som.
Para os fãs que estavam no hall do CCBB, cerca de 500 pessoas, foi sensacional ouvir ao vivo uma lenda da criação, uma artista que tem muito claro seu próprio conceito de arte e do que é ser artista. Ela mostrou a que veio de imediato: quando o gelo derreteu (mais ou menos 20 minutos, após iniciado o concerto), ela se desequilibrou no palco, a apresentação terminara. Então, nos disse carinhosamente: Brasil!
No centro do hall, fora instalada um mesa imensa com banquinhos distribuídos ao redor, nos quais o público pôde sentar-se, em volta da mesa, e com os cotovelos apoiados, em pequenos orifícios também cobertos de madeira na mesa. A partir de então, cada qual devia tampar os ouvidos com as mãos. O efeito dessa operação simples de circunspecção é a audição distante de um som que se assemelha ao efeito do som de concha, propriamente, um som que lembra a música natural das águas marítimas, de canto de baleia (ao menos foi isso o que eu ouvi...) e que passa vibrando pelo seu corpo!
Às 18 horas, fomos todos - nós que havíamos agendado, cerca de 40 pessoas - ouvi-la falar em uma pequena sala do CCBB.
Ela respondia às perguntas divagando extensamente, o que, sem dúvida, foi muito bom, uma vez que alguns dos presentes estavam travando um primeiro contato com a artista. De tudo o que nos disse, fiquei particularmente interessado no fato de que, para ela, seu trabalho procura responder a questões importantes como: O que você faz? De que maneira você quer viver? Ela deu o exemplo das reticências, os três pontinhos, esse sinal gráfico no final de uma sentença. Para ela, ele representa a resposta de como passamos o tempo. Essa preocupação está presente na exposição, podemos ler em um dos escritos na parede: Minha teoria sobre pontuação. Ao invés de um ponto final no fim de cada sentença, deveria haver um pequeno relógio indicando quanto tempo foi gasto ao escrever a sentença.
E também, evidentemente, essa preocupação em questionar o que estamos fazendo, de que maneira estamos vivendo, como quando lemos em outra parede: Aqueles dias. Todos aqueles dias. Para que servem os dias.
Depois, a conversa foi em direção à experiência que Laurie Anderson teve com a NASA, como artista residente convidada. Ela contou-nos que o modo como o convite se deu foi curioso: alguém da NASA ligou-lhe e ela não acreditando que falava com alguém da NASA desligou na cara da pessoa... rsrsrs
A experiência em si foi fascinante, segundo ela, porque ela pôde conhecer os cientistas, conversar com pessoas especialistas em nanotecnologia, em robótica. Ela contou-nos, por exemplo, que foi uma emoção quando o robô, que foi enviado para marte, chegou em marte, e, na medida em que suas funções foram sendo executadas, cada equipe de cientistas, que participaram do projeto, puderam aplaudir e dizer "Ah que bom, então, isso funciona..." Ou seja, isso evidencia que a ciência, ainda mais quando em um experimento espacial, é toda uma emoção de variáveis muito distintas e que podem ou não dar certo. A arte e a vida são exatamente assim. O robô andando em marte e cumprindo as funções para as quais foi criado, tudo isso foi uma surpresa! Tudo funcionou. Ele começou a tirar fotos... Ah, os seres humanos fizeram isso!
Para Laurie, artistas e cientistas têm algo em comum, eles não sabem o que estão procurando. ;-)
Portanto, para ela, esses projetos todos são uma ilusão, mas são também uma realização.
E mesmo acerca dos objetos que estão nessa sua exposição: ela nos explicou que eles não são importantes como objetos estáticos, mas como aquilo que abre para novas possibilidades. O que ela deseja que façamos (uma vez que ela já o faz, não é mesmo? rsrsrs) é que vejamos o mundo de uma outra maneira.
Algo que achei, absolutamente, coerente com toda a sua obra, foi o que ela disse sobre o trabalho!
Por exemplo, ela lembrou-nos que há uma regra que diz: você é uma boa pessoa, se você trabalha. "De onde veio essa ideia?”, pergunta-se Laurie. Aliás, ela comentou que São Paulo e New York são muito semelhantes, nesse sentido, por serem centros difusores desse princípio. Por outro lado, quando alguém na plateia perguntou se ela trabalhava em outra coisa que não só com a música, ou, enfim, tão somente com sua produção artística, ela disse que é sempre difícil ser um músico e que é bom ter outro trabalho ao mesmo tempo... Ela, por exemplo, trabalhou no Mac Donald’s: para experimentar o que era ser de uma maneira diferente. Trocar de trabalho de vez em quando é muito bom e, portanto, não só fazer música em tempo integral.
Vejam só que curioso: ela, sendo a excelente artista que é, não é artista em "tempo integral", o que, muito provavelmente, paradoxalmente, constribui para que ela seja uma artista em tempo integral.
Depois, Laurie voltou a nos conceder mais um pouco de apresentação da sua música, agora tão somente sobre os patins, sem o gelo. Foi quando eu chorei, porque a música de Laurie fala na alma, ela tem um eco dos cantos do povo nativo americano, dos índios, tem chuva, tem natureza... E assim, ela é alguém que pode dizer que quando vê a majestade de uma árvore ou olha a beleza do céu, tudo isso soa dentro de si. Aliás, ela nos disse ser uma pessoa que, desde criança, já tinha sua própria religião, sua religião particular: ela via tudo isso (árvores, céu...) e via liberdade em tudo.
E, portanto, ela nos disse tudo: No rules.
Enfim, foi emocionante ver essa forte e, ao mesmo tempo, frágil criatura se equilibrando naqueles patins, tocando seu violino e olhando com carinho para cada um de nós.

Thank you Laurie Anderson for all!

As fotos dessa postagem são de autoria de Luis Carlos, o artista que tem link cativo logo aí na lateral desse blog. Thank you too.

sábado, 9 de outubro de 2010

Emmas Glück

Ontem, estive no Belas Artes, que promove toda segunda sexta-feira do mês o melhor evento de cinema na cidade. O Noitão Belas Artes. O público paga um ingresso e vê da meia-noite em diante, até três filmes. Dois deles são declarados na programação do Noitão e um é sempre um filme surpresa. O tema do Noitão de ontem foi "Revelações da Mostra". Quando cheguei ao cinema, meu amigo que é o programador do Noitão disse-me: Você já assistiu ao filme A Alegria de Emma? É de um diretor alemão chamado Sven Taddicken. Veja. Você vai gostar é um filme em que, no começo, as pessoas são feias e que no final se tornam lindas.
Eu interessei-me, de imediato, pareceu-me que, então, seria um filme que tratava de transformação.
E, sim, é disso mesmo que se trata.
O filme nos convida a refletir acerca das infinitas possibilidades que a vida apresenta quando estamos encurralados, postos diante de uma situação extrema.
Por exemplo, quando sabemos que é certo que vamos morrer. Na verdade, todos já sabemos disso, mas acontece que  Max (Jürgen Vogel), o personagem principal do filme, fica sabendo que tem uma doença e, então, a morte está próxima.
Algo assim assusta, uma vez que nos faz entrar em desespero.
Nas circunstâncias do filme sua inconsequência faz com que ele entre na vida de Emma, uma moça que vive sozinha em uma fazenda, com seus animais.
Ela tem um vizinho citadino que é policial e apaixonado por ela e que representa a voz que também traz uma circunstância de situação limite: ela terá que perder a fazenda pois está assoberbada de dívidas.
Quando o personagem principal, literalmente, despenca no seu quintal com todo o dinheiro que roubou de um amigo. Inicialmente, Emma (Jördis Triebel)  parece ser estrategista: salva o rapaz do acidente, acha o dinheiro e o esconde, põe fogo no carro...
Mas a vida é o tempo todo uma surpresa e somos nós que nos conduzimos por meio de nossas ações em meio a essas surpresas.
Não haverá dinheiro no mundo que devolva a vida! Nós somos feitos para amar! Então, um casal se faz, e a mulher pode ser forte porque ama, o homem pode ser frágil porque mortal. O amigo pode perdoar. O policial pode esperar.
O mais importante de tudo: morrer não é o fim, é uma continuidade que se entrelaça pelo lugar cativo no coração de quem cuidou e amou até o fim para sempre.
Quando o filme acabou, eu e todos na sala de cinema estávamos enlevados de emoção.
Desconfio que esse público era o público-alvo do filme: inteligente e sensível.
Eu, particularmente, senti que tinha entendido tudo e para para além da minha própria compreensão. Quando sai no saguão do cinema, falei para o meu amigo: Cinema de verdade é isso, e não podemos contar com o que não é um cinema assim: o de Alegria de Emma. Eu lamento tanto que mais pessoas não tenham visto!
Meu amigo disse que aquela era uma oportunidade rara para conhecer tal obra.
A primeira vez que ele foi apresentado no Brasil foi na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo , depois foi lançado nos cinemas, com apenas uma única cópia e que percorreu algumas poucas capitais brasileiras. Ele não foi lançado em DVD. Ou seja, é uma obra-prima e que quase não foi vista. ;-(
Eu desconfio que eu precisava ter visto, e isso se deu ontem como que por acaso, portanto, eu agradeço ao Belas Artes pela oportunidade. Eu agradeço aos meus amigos todos. Eu desejo que um dia vocês todos que lêem esse post possam saber do que eu estou falando. ;-)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A aproximação possível

Acho muito importante compreender que ainda temos muito a aprender.

Aprender, por exemplo, a nos relacionarmos melhor, e viver, portanto, a apreensão de um dos sentidos da existência: o da compreensão profunda de que as pessoas são diferentes umas das outras, definitivamente.

O elogio à diferença não é uma atitude fácil de se ter, ou mesmo algo que pudesse ser apreendido tão somente racionalmente, e, portanto, que se resolveria apenas porque eu sei que as pessoas são diferentes e eu tenho que respeitá-las como são. Não.

Penso que eu, por exemplo, preciso, para aceitá-las completamente, vê-las e pensar: eu também poderia ser assim, talvez eu já tenha sido assim, ou se eu não souber ao certo quem eu quero ser, posso, inclusive, vir a ser assim mesmo.

Essa aproximação lenta em direção à pessoa tão diferente assim de mim, já seria suficiente para eu não julgá-la em erro, por não ser igual a mim.

Como eu desejaria viver isso e com uma tamanha verdade que isso até me assustasse só por não ser possível, a-pa-ren-te-men-te.

Oh, obrigado por eu existir e estar buscando alcançar isso mesmo - a aproximação que não fere e nem mata, a aproximação possível, aquela que só pode ter como nome: amor.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Que prazer ler On the Road!

Eu continuo na minha missão de leitor e que impus a mim mesmo. Ler todos os romances mais importantes da literatura universal, enquanto eu for vivo. Acho que será tarefa para uma vida inteira mesmo, ainda mais que nunca sabemos quando essa vida de agora termina. Assim sendo, eu só sabia que eu também precisaria ler On the Road - Pé na estrada, de Jack Kerouac. Uma amiga emprestou-me o livro, uma primeira edição da tradução brasileira publicada pela antiga editora brasiliense. Tal tradução é de Eduardo Bueno e Antonio Bivar: dois beatniks brasileiros. Aliás, concordo com o Bivar, acho que deve ter acontecido exatamente o que ele diz, em uma nota final da tradução: "Santo Kerouac do céu nos sorria aprovando a dupla perfeita para a tarefa.[da tradução] Peninha e eu: On the Roadies forever."

Eu sempre soube que o Kerouac é um escritor incrível, da geração beat etc. e tal... Mas, como é diferente quando a gente lê uma obra por conta própria e sem se preocupar com as referências críticas ou com a história “por trás” do romance ou do autor...
Simplesmente, porque desse modo, fico eu, sozinho, na companhia desse autor e da personagem que narra sua história e, portanto, observando essa louca aventura sem rumo e sem objetivo definido, e que é a vida dessa personagem. Tal personagem é alguém que sofre a condição humana e é feliz. É alguém que se permite experimentar o amor. É também alguém que não tem preconceitos, que está perdido, mas que se encontra consigo mesmo, o tempo todo, graças ao fato de que sente uma profunda admiração e compaixão por todas as pessoas que cruzam seu caminho. É, sobretudo, alguém solidário e, como vive essa solidariedade em verdade, permite-se também ser um filósofo.
Acho que nós outros, que vivemos nos nossos dias, não podemos mais ter a experiência riquíssima que tal personagem vive no romance, ela e alguns de seus companheiros, simplesmente porque estamos muito distantes do desprendimento necessário para isso. Mas resta-nos a alegria de ler esse registro histórico de toda uma geração, e de admirar o fato de que eles viveram, mais intensamente, do que todas as gerações anteriores e que também as posteriores poderiam viver.Como podem ver, estou tomado pelo livro! rsrsrs

Vejam lá se eu não tenho motivos para tanto, tão somente conhecendo esses excertos que selecionei durante a leitura para compartilhar com todos vocês:

Mas nesta época eles dançavam pelas ruas como piões frenéticos e eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e jamais dizem coisas comuns mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício explodindo como constelações em cujo centro fervilhante - pop - pode-se ver um brilho azul e intenso até todos "aaaaaaah!"...

Garotas e rapazes da América têm curtido momentos realmente tristes quando estão juntos; a artificialidade os força a se submeterem imediatamente ao sexo, sem os devidos diálogos preliminares. Nada de galanteios - mas sim um profundo diálogo de almas, pela vida que é sagrada e cada momento precioso...


A única coisa pela qual ansiamos em nossos dias de vida, e que nos faz gemer e suspirar e nos submetermos a todos os tipos de dóceis náuseas, é a lembrança de uma alegria perdida que provavelmente fora experimentada no útero e que somente poderá ser reproduzida (apesar de odiarmos admitir isso) na morte...


No Carro, enquanto dirigíamos de volta à sua velha casa, ele falou: “Algum dia a humanidade compreenderá que, na verdade, estamos em contato constante com os mortos e com o outro mundo, seja ele qual for; nesse exato instante, se tivéssemos força de vontade suficiente, poderíamos prever o que vai acontecer nos próximos cem anos e seríamos capazes de agir para evitar todas as espécies de catástrofes. Quando um homem morre, seu cérebro passa por uma mutação sobre a qual não sabemos nada agora mas que será bastante clara algum dia, se os cientistas se ligarem nisso. Só que por enquanto esses filhos da puta só estão interessados em descobrir como explodir o planeta...

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Laurie Anderson - I in U / Eu em Tu

Hoje, descobri algo sen-sa-ci-o-nal. Que haverá uma exposição com trabalhos de Laurie Anderson, no CCBB de São Paulo. Aqui, ao lado de onde eu trabalho, no centro da cidade. Será a primeira exposição individual da artista no Brasil.

Descobri essa informação no site da Globo News. A repórter Bianca Ramoneda foi até o estúdio de Laurie Anderson, em Manhattan, e estrevistou a artista.

Se ainda existe alguém no mundo que não conheça Laurie Anderson, então, que esse alguém corra para lá, primeiro ao site, para ver e ouvir a entrevista e, claro, depois ao CCBB para ver a exposição. Laurie Anderson é uma artista multimídia, desde muito antes de as pessoas imaginarem que isso pudesse existir. Ela desenha, fotografa, cria instalações sonoras, objetos e. lógico, faz música. O violino é um companheiro inseparável de suas performances por que Laurie acha que esse é o instrumento que mais se aproxima da voz feminina. Ela se considera uma contadora de histórias e a tecnologia é um instrumento para que ela possa contar essas histórias todas que tem para contar.
Algumas passagens do depoimento da artista, nessa entrevista, emocionaram-me, particularmente. Cito, a minha maneira, dois momentos:
1) Quando ela diz que os EUA são um país muito apocalíptico. Para Laurie, as pessoas falam muito em fim do mundo, por lá, mas não falam em fim do capitalismo... Sobretudo, isso de fim do mundo é incansável, porque eles são muito fundamentalistas, acreditam em céu e inferno, e, então, crêem no fim do mundo: em Cristo descendo à terra, de corpo e alma, e determinando o fim do mundo. Eu concordo com a atriz que não há nada mais patético do que isso. Ela também disse que o consumismo: essa coisa de querer possuir uma casa, um computador etc. e etc.é a tônica contemporânea, ninguém fala em ajudar ao outro, por exemplo, mas em possuir para si. Enquanto que, quando ela era jovem, seus amigos não pensavam em possuir nada, mas pensavam apenas em criar.
2) Também achei emocionante ela dizer que está casada há 19 anos com Lou Reed e que ela o acha mais generoso do que ela própria, pois quando vão ao teatro, por exemplo, ela, às vezes, não gosta da peça, fala mal de uma determinada interpretação no 2º ato... e ele diz: mas o ator que fazia o papel do avô era muito bom. Além disso, ela não se lembrava de uma única vez que ele pudesse tê-la aborrecido, nesses 19 anos, o que é um privilégio uma vez que há pessoas que são aborrecidas estando apenas há 10 minutos conosco! rsrsrs

Eu fiquei emocionado por que ela é uma artista que se manteve coerente em relação a toda a sua carreira e seu trabalho. É alguém que continua afirmando o que há de melhor em ser artista: fazer esse mesmo trabalho. Ela, aos 64 anos, continua verdadeira e jovem. Prometa-me que você irá até o site da Globo News e verá a entrevista toda!





I in U / Eu em Tu - Laurie Anderson
Mostra restrospectiva da artista norte-americana, elaborada exclusivamente para o CCBB.

Conjunto de obras originais composto de instalações, fotografias, desenhos, vídeos, músicas e documentações de performances e criações produzidas desde os anos 70 até os dias atuais.
Curador: Marcello Dantas
Local: CCBB - Rua Álvares Penteado, 112 - Centro - São Paulo
Período: 12 de outubro a 26 de dezembro
terça a domingo
10h às 20h

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A criança e o chocolate

-Moço, posso te perguntar uma coisa?

- Pode.
- Qual a capital da França?
- Paris.
- Então, compra um chocolate para me deixar feliz.

Esse diálogo ocorreu entre mim e um garotinho com idade em torno dos seus 7, 8 anos de idade, muito muito pequenino, negro, descalço, muito muito sujinho e absolutamente abandonado.
Comprei a barra de chocolate. E, quando eu disse que achei muito inteligente, além de meigo, o recurso por ele utilizado para seduzir seu cliente, ele, continuou:
- Ah, tem outra: Qual é a capital do Brasil?
- Brasília.
- Então, compra um chocolate para eu ajudar minha família.
Aqui cabe um parêntese: eu não estou mentindo, é verdade, ele utilizou, corretamente, o pronome pessoal reto da primeira pessoa do singular (eu), antes do verbo no infinitivo (ajudar), e não o pronome pessoal oblíquo não reflexivo, tônico (mim) que é o que todo mundo faz! Eu, na verdade, não faço mais isso, desde a adolescência, quando um amigo superculto chamou-me a atenção em relação a isso e severamente! rsrsrs
Imediatamente, senti uma empatia absoluta por aquele garotinho. Ele era inteligente, sensível e sabia criar algo difícil entre os seres humanos e que é a cumplicidade. Eu ri. Porque, então, pareceu-me muito claro que eu e ele estávamos falando de algo que D.H. Hymes, num artigo chamado The ethnography of speaking, chama de competência comunicativa e que, para o especialista, é um conhecimento conjugado de normas de gramática e de normas de uso e que regula, sobretudo, a apropriação contextual das condutas.
Sim, estávamos ambos nos apropriando do contexto de nossas condutas. Ele, obedecendo a sua necessidade, seduzia por um jogo de linguagem, ao lançar mão da função da linguagem mais encantadora: a função poética. Ele o fez pelo aproveitamento da rima apropriada, tanto no par Paris/feliz como no par Brasília/família. Eu também apropriei-me da minha conduta de receptor da mensagem, ao deixar-me seduzir. Assim, achei apropriadíssimo, na atividade linguageira ali em funcionamento, rimar Paris com feliz ou Brasília com família, e, sobretudo, isso resultar da conduta de uma criança que, abandonada pelos adultos, optou por ganhar seus trocados usando o recurso de seduzir com palavras aqueles que poderiam ajudá-lo.
Nesse momento, ao menos para mim, a revelação dessa conduta do menino foi o mais importante.
Sim, eu conheço gente que optaria por dizer que isso era um absurdo, ou seja, uma criança estar abandonada, que essa criança deveria estar na escola, que os pais, blá, blá, blá e que, ainda, depois desse discurso todo, não compraria o chocolate, portanto, não deixaria a criança feliz...
Eu, de minha parte, continuo amando as criaturas humanas por essa capacidade de poder seduzir pelas palavras e também por elas permitirem-se ser um pouco mais feliz, em qualquer circunstância, por exemplo, estando abandonada em São Paulo e não em férias em Paris. ;-)