quarta-feira, 29 de abril de 2009

Santa Teresa de Ávila by Manuel Bandeira


Outro dia, eu dizia nesse blog que ouvira da poetisa mineira Adélia Prado, durante um colóquio, a informação de que Santa Teresa de Ávila, após seus êxtases místicos, dizia: "Mais um minuto e eu teria morrido..." Tal personagem santa e histórica fascina a muitos, quer por seu exemplo narrado, quer pelos registros de seus depoimentos. Hoje, descobri que um poema anônimo lhe foi atribuído e que ele foi vertido para o português por ninguém menos do que o nosso poeta humílimo e, por isso mesmo, extremamente sofisticado: Manuel Bandeira.

Hoje, um amigo presenteou-me com uma cópia do poema e, mesmo tendo lido Bandeira na minha graduação, eu não me lembrava desse trabalho do poeta. Eu considerei o texto primoroso na sua construção (é um soneto), bem como na temática. Sinto necessidade de compartilhá-lo nesse espaço.
Penso que ele é uma lição sobre o Mistério absoluto que envolve o Cristianismo, bem como a respeito daquele mesmo Mistério que permite a fé e que é preciso compartilhar se desejamos compreender tal transcendência poética.
[Soneto anônimo / atribuído a Teresa de Ávila, 1515-1582]
Ao Cristo crucificado

Não me move, Senhor, para querer-te,
o céu que me hás um dia prometido;
nem me move o inferno tão temido,
para deixar por isso de ofender-te.

Move-me tu, Senhor, move-me o ver-te
cravado nessa cruz e escarnecido;
move-me no teu corpo tão ferido
ver o suor de agonia que ele verte.

Move-me ao teu amor de tal maneira,
que a não haver o céu eu te amara
e a não haver o inferno te temera.

Nada tens a me dar porque te queira
pois se o que ouso esperar não esperara,
o mesmo que quero te quisera.

(Tradução de Manuel Bandeira, 1886-1968)

domingo, 26 de abril de 2009

Ouçamos o tenor

Eu já tinha ouvido e visto nos telejornais que a apresentação, no último feriado, de Andrea Bocelli, nos jardins do museu do Ipiranga, em São Paulo, fora um sucesso de público: creio que um número superior a mil pessoas acorreram para ouvir e aplaudir o tenor italiano.
Eu não o conhecia e continuo sem conhecer o seu trabalho como um todo. Mas na última 6a feira tive uma grata surpresa na TV aberta: Andrea cantava uma ária clássica e popular acompanhado de uma pequena orquestra, bem como de um pequeno coro que, por sua vez, o acompanhava apenas no refrão.
O timbre da voz de um tenor é sempre envolvente. Tal voz masculina é mesmo muito agradável de se ouvir. Penso que ela nos permite um êxtase de alegria, devido aos seus virtuosismos, e que é assim liberada, porque o ouvinte é poupado de qualquer constrangimento durante a apreciação da performance do cantor. Esse é o modo como vejo o sucesso absoluto dos famosos tenores todos. Mas Andrea tem uma particularidade: seu perfil é singelo, é um homem de esqueleto elegante e, muito provavelmente porque é deficiente visual, canta sempre com as pálpebras fechadas. E então, emociona a todos com sua voz, com seu canto e, sobretudo, na concentração que sua figura evoca no palco.
Na curta entrevista que acabou por conceder ao apresentador do programa encantou-me ainda mais. Revelou-se de uma simplicidade tocante, quer por sua natureza ou mesmo pelo que parece ser uma espécie de timidez. Ao ser perguntado sobre quando começou a cantar profissionalmente, respondeu: Nunca. Para ele, cantar é sempre ofício de diletante. E falava sério não era jogo de cena de uma estrela internacional.
Noutro pequeno episódio da conversa, ficamos sabendo que seu pai, já falecido, produzia vinho e que ele e o irmão continuam com uma pequena produção da bebida na terra natal. Mesmo sem poder beber o quanto gostaria, disse seguir a lição de um ditado italiano que diz: Há um vinho morte e um vinho vida... Assim sendo, disse-nos que é melhor beber bem e beber o vinho vida.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Prêmio Top Blog. A ver.



Hoje recebi um e-mail que dizia que meu blog foi indicado para participar do Prêmio Top Blog. Não sei quem a fez ou se os próprios organizadores do Prêmio fizeram essa indicação, quiça, a partir de uma pesquisa. Enfim. De qualquer modo, achei tudo muito simpático.

Pela primeira vez, tive de pensar em uma descrição para esse blog e que elaborei ao inscrever-me para concorrer na categoria Cultura.

De verdade é o que penso desse blog que se tem feito no calor das horas da própria vida de seu autor:

Nas crônicas-postagens desse blog há impressões do viver na cidade de São Paulo, de pessoas, dos livros em leitura, dos filmes a que se viu, assim como de peças de teatro, espetáculos etc. Tais aparências ganham nesse espaço a roupagem de uma reflexão que busca ser séria, sutil e bem humorada.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Bom escandalosamente bom

Ontem, eu fui ao boteco de uma amiga e que fica bem perto da minha casa. Essa minha amiga faz um curso de Pedagogia e pede para eu ajudá-la em algumas atividades da Faculdade. Lemos os textos juntos, eu corrijo seus textos, etc. Isso acontece só quando ela e o marido fecham o bar, o que, aos domingos, ocorre por volta das 21 h. No boteco da minha amiga, a clientela é a da sua vizinhança. Gente boa na sua maioria e absolutamente despojada. Ontem, uma mulher que alcançou a sua própria década de 50 dançava ao som de Zeca Pagodinho. Tratava-se de uma negra com samba no pé, então, olhar sua expressão corporal, enquanto dançava, emocionou-me. Como é bonito uma mulata de escola de samba dançando em qualquer tempo e lugar!
Já anteontem, eu corversava com um senhor homossexual de 70 e poucos anos, e lembrava-lhe o quanto me emocionara sua narrativa acerca do tempo da sua infância e que ele viveu em pleno início da década de 40 e nos arredores de Veneza, na Itália. Ele contara-me, em determinada ocasião, que na grande casa da família, na zona rural, eles escondiam os soldados americanos no lugar da casa que era uma espécie de celeiro e que suas primas se apaixonaram e se casaram com dois desses soldados. Contudo, o mais incrível, segundo ele, era ver os refugiados de guerra chegando: as mulheres e crianças fugindo, fugindo, desesperados. Observava que sua mãe e sua avó mesmo sem entenderem a língua das senhoras polonesas, por exemplo, isso não as impedia de que fossem solidárias: aquelas podiam oferecer para essas seus cestos de palha ou outros produtos de artesanato, pedindo em troca um pouco de fubá e isso para que pudessem alimentar seus filhos. Quão emocionante foi ouvir da boca daquele senhor essa narrativa da vivência de um bastidor desse período tão trágico da nossa história!
A vida é mesmo assim: toda boa surpresa vem de onde não esperamos. É preciso estar de olhos e ouvidos bem abertos e, então, ela acontece. Como nessa passagem de Desvario (vide post anterior) de David Grossman:
...às vezes, nos momentos de insuportável comoção, dá mesmo vontade de morrer, pois como é possível suportar todo esse bom sem razão de ser, esse bom escandalosamente bom.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Desvario, de David Grossman

Estou apaixonado pela literatura israelense contemporânea.
Depois de ter lido algumas das excelentes obras de Amós Oz, agora estou lendo Desvario, de David Grossman. A Obra traz duas novelas: a primeira que dá título a essa edição, Desvario, apresenta dois personagens no interior de um automóvel e o clima lembra muito o daqueles road movies do cinema independente americano. No banco de trás do automóvel e com a perna quebrada, Shaul Krauss, um intelectual israelense de 55 anos, conta à cunhada Ester, que dirige o automóvel, detalhes do verdadeiro drama de seu amor pela esposa, Elisheva: ela há dez anos tem um caso amoroso com um artista russo chamado Paul. Trata-se de um autêntico tratado sobre o ciúmes e nele comungamos com a imaginação delirante e repleta de desvarios de todos os personagens construídos. Aliás, como leitores, também participamos desse jogo. Afinal, o que acontecerá quando chegarem ao destino dessa viagem?
Já a segunda novela trata da dificílima espécie de reconciliação de uma mãe moribunda com sua filha mais velha. No presente da narrativa, a filha lê para a mãe, deitada no leito de morte, uma narrativa que escreveu: a história de um amor proibido entre uma professora de Yoga (personagem inspirada na sua própria mãe), e que tem cerca de 40 anos, e um menino de apenas quinze anos. Aqui eu vejo a narrativa como do tipo iniciática, há muito de os mistérios da alma sendo desvendados.
Selecionei-lhes alguns trechos para despertar em cada um, espero, o possível desejo de leitura dessa obra magnífica. Eles pertencem à segunda novela, No corpo eu entendo:

É assim que eu capto as coisas, tudo é intuição para mim, ela explica, com um dar de ombros, a si própria e àqueles que lhe são caros, reconheço na vidência, não conheço na evidência...

...quando eu faço eu entendo. No corpo eu entendo.


E ela, como de hábito, ouviu meu silêncio, e, em vez de responder ficou repetindo, insistindo em me ensinar como cuidar de mim, e como não permitir que a tristeza do mundo, ou qualquer outra coisa, penetrasse no meu lugar interior. Nem mesmo seu gosto pela vida, enfatizou reiteradas vezes, e naquela época eu não tinha nem uma única alma no mundo para amar. Nem mesmo o seu maior maior maior amor - não deixe entrar lá. E então sorriu, seu sorriso encantador, sedutor: nem mesmo eu, não me deixe entrar.

Preciso agradecer de Público à minha amiga Paula, por ter apresentado ambos a mim, ou seja, Amós Oz e David Grossman. O que seria de nós sem nossos amigos também apaixonados pelos livros, pela leitura?

domingo, 12 de abril de 2009

O Cinema de Maya Deren


Hoje, Domingo de Páscoa, tive o imenso prazer de conhecer o cinema de Maya Deren. Essa moça fez seis curta-metragens entre os anos 40 e 50. E todos estavam lá, na mostra que a Caixa Cultural São Paulo, na Praça da Sé, promoveu de 5a passada até esse domingo. Eram pouquíssimos os presentes e a sessão teve uma aura de coisa para eleitos. Aliás, é um cinema tão radical na sua proposta que sempre foi e será para poucos. Maya Deren, do início dos anos 40 até sua súbita morte em 1961, foi a definidora da vanguarda no cinema americano.
O primeiro filme, Meshes of the afternoon (1943-1959, pb, 14 min.) nos toma desde o seu início. Ficamos comovidos, paralisados, apreensivos e aguardando o sinistro que virá. A atmosfera é de irrealidade e por isso mesmo é tão verdadeiro. O seguinte, foi At Land (1944, pb, 15min.) é também irrealidade pura e com um senso de humor único, proveniente da atmosfera de sonho. Como bailarina ela dança no cinema, ou melhor, seu cinema é pura dança física e corporal e cheio de alma. São filmes que flertam intensamente com o abismo do ser. Ela está para o cinema, como Virginia Woolf ou Clarice Lispector estão para a Literatura, sem dúvida.
Talvez o que mais eu tenha sentido foi isso: a magia feminina, pura, perturbadora. Comungando com a vida na mesma intensidade que com a morte. É um cinema de puro corpo e alma. É também o que somos convidados a ir sentindo com os demais filmes, que então, apresentam outros atores, bailarinos (que fazem do seu cinema a dança da imagem ou uma imagem que pode ser dança): A Study in Choreography for Camera (1945, 4 min.); Ritual in Transfigured Time (nesse até mesmo Anaïs Nin aparece na tela, 1945-46, 15 min.); Meditation on Violence (1948, 12 min.) e The very Eye of Night (1952-1959, 15 min.). Todos PB. O catálogo da mostra informou que os filmes de Maya Deren estão disponíveis no site da Mystic Fire Vídeo. Isso significa que o DVD com todos os curtas pode ser pedido nesse site. Vai lá: http://www.mysticfire.com/

sábado, 11 de abril de 2009

Sexta-feira da Paixão

Tenho procurado tornar-me uma pessoa melhor. As dificuldades para alcançar esse intento são inúmeras a começar por, ainda e por vezes, manifestar minhas necessidades de um modo hostil: não quero estar com determinadas pessoas, quando elas são aborrecidas.
Mas o que fazer quando não é possível escolher tais companhias? As vezes, trata-se de um parente ou de uma pessoa cuja relação é de ordem profissional. Nesses casos, o melhor seria elaborar para si o aborrecimento que vem desse outro, e a partir da própria recepção: afinal, tudo tem um fim. Eu não preciso ser hostil só porque esse momento do contato humano está sendo desagradável.
Um episódio, a título de ilustração: Nesse feriado, decidi que me dedicaria aos estudos, em casa. Não moro só. Minha irmã resolveu visitar-nos, a mim e à minha mãe. Vinha com o marido e a filha pequenina. Eu os recebi, mas retirei-me para continuar minha tarefa. A certa altura, a criança, que é robusta, hiperativa e extremamente falante e simpática, entrou no meu quarto perguntando pela mãe. Ela tem apenas 3 anos, mas se comporta como e parece ter 6 anos. Eu converso com ela, normalmente, e tudo indica sou compreendido: Não sei de sua mãe, ela não está aqui e eu não posso saber onde se encontra...
Ah tá, eu vou procurar
- Saiu saltintante, linda e feliz.
Minutos após, ouço gritos horrendos, acompanhados de um choro dilacerante. Extremamente incomodado, saio e, em alto brado, começo um discurso para a menina: Não faz sentido esse seu escândalo. Você não está só, mas na companhia do seu tio, do seu pai e da sua avó. [Então, lembrei-me que ela tinha 3 anos e que devo ter lido que crianças pequenas acham que vão perder a mãe para sempre se ela não está no seu campo de visão. É estranhíssimo pensar o que é certo e continuar agindo, exteriormente, de um modo equivocado] A sua mãe vai voltar! [Agora dirigindo-me ao pai e à avó] Eu não suporto isso. Não posso trabalhar nesse tipo de ambiente. Eu não tenho filhos!
Voltei para o quarto, mas o circo já fora armado. Segundo após, minha mãe veio protestar: Você não pode agir dessa maneira. As pessoas não vão querer voltar aqui. O seu cunhado pegou a menina e saiu protestando. Isso não são modos!
Minha mãe tem sempre razão, como todas as mães do mundo.
shit, shit, shit.
Bem, o resultado é que a casa voltou à paz e eu produzi imensamente durante todo o dia. No fim desse expediente, lembrei-me do episódio e liguei para o meu cunhado pedindo mil perdões, justificando-me e lamentando o ocorrido.
Parece que ele concedeu-me o perdão. Definitivamente, a criança não deve se lembrar do episódio. E com ela eu acabo por me entender, nem que seja com o auxílio dos ovos de Páscoa. Sei que ela tem um bom coração. E eu, eu quero tanto ser uma pessoa melhor!

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Loas à teceloa


Hoje, vi em um telejornal imagens que mostravam o resgate de uma senhora de 98 anos dos escombros de sua casa, era mais uma vítima do terremoto na Itália. Apenas vi as imagens, no restaurante barulhento não era possível ouvir a reportagem. No entanto, pelas imagens era possível ver que ela estava bem e que era muito linda. De qualquer modo, era comovente vê-la nos braços dos homens da equipe de resgate.
Aliás, como esse tipo de tragédia é deveras comovente, uma vez que fica exposta nossa pequenez e fragilidade, sobretudo diante do imponderável. A mim, comove-me também ver aqueles excelentes cães farejadores tentando encontrar vítimas em meio aos escombros, quando sabemos que as chances de encontrar sobreviventes diminuem com os dias.
Depois, li no jornal que aquela senhora de 98 anos foi resgatada ontem pelas equipes de socorro, na cidade de Áquila, e que se chama María D’Antuono, tendo sido encontrada depois de 30 horas presa sob os escombros de sua casa. Segundo os médicos, ela foi encontrada em bom estado de saúde, apesar de ter passado mais de um dia presa. Indagada, pelo repórter de uma emissora de televisão local, a respeito de como fez o tempo passar até a chegada de ajuda, ela respondeu: "Eu comecei a tecer." Loas à teceloa de Áquila!

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Uma foto


Ontem, quando cheguei em casa, minha mãe, que tem 72 anos e é uma mulher que nunca frequentou os bancos escolares, comentou que ouvira, em uma rádio, que o Obama tinha elogiado o Lula e ela completou dizendo-me: "Eu acho que as pessoas que insistem em não gostar do Lula devem estar com inveja do prestígio que ele alcançou."
Foi assim que fiquei sabendo, em primeira mão, a notícia que estampa hoje todos os jornais e que diz respeito à fala de Barack Obama sobre o presidente brasileiro: "Eu adoro esse cara... Ele é o político mais popular da Terra... Isso é porque ele é boa pinta." Já ouvi quem questionasse a sinceridade da declaração, teria sido uma "piada" do presidente norte-americano. No entanto, não é o que vejo nas fotos que emolduram as reportagens sobre o tema: Obama não tem cara de gente falsa. E, assim, será que minha mãe não tem razão?

Já ontem, a foto que estampava os mesmos jornais mundo afora era a foto oficial da reunião de cúpula do G20. Nela, vemos os líderes das principais economias do mundo todos reunidos em pose para a foto. Uma amiga perguntou-me se ela era de verdade ou era uma montagem. Por quê? Era difícil acreditar na imagem do presidente do Brasil - sobretudo porque esse presidente é o Lula que todos nós tão bem conhecemos a trajetória - sentado à direita (de quem vê a foto) da Rainha da Inglaterra e tendo o presidente dos EUA logo atrás de si, de pé. No entanto, parece-me que está tudo certo na foto. Lula está lá no lugar que lhe deu cada voto dos seus eleitores para seu segundo mandato, do mesmo modo que também podem estar lá a maioria de todos os outros. Menos a rainha, que não precisou dos votos: ela já nasceu rainha.

A verdade é que, no fundo, achei a foto comovente e por dois motivos:

Esses líderes todos são apenas pessoas, humanas e mortais, como todos nós outros. Aliás, a foto pareceu-me aquelas fotos de turma de colégio, que a gente tirava junto à professora, quando éramos crianças. Creio mesmo que é preciso compreender que todos ali são crianças (trazem cada qual sua criança dentro de si) e, isso, em um momento em que o mundo precisa de adultos e sérios, ou seja, o que esperamos que os bem intencionados ali pretendam ser.

Outro motivo: Além da rainha, há outras duas mulheres, Merkel e Cristina - quando sabemos que em um tempo próximo passado não haveria nenhuma (quiça uma outra Elisabeth) - há também o negro que entrou para a história e, ainda, o ex-operário metalúrgico do ABC paulista. E é uma cúpula e importantíssima. Alguma coisa está mesmo diferente nessa foto, e isso para além da emergência da reunião graças à fragilidade econômica do mundo.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Joie de vivre

Pretendo discorrer a respeito de uma experiência que pode ser incomum e mesmo difícil de ser compreendida. Trata-se de um sentimento muito particular.

Quem já viveu algum período de desemprego, e depois voltou ao mercado de trabalho, deve ter conhecido, talvez pela primeira vez, aquela que poderia ser chamada de a alegria de pagar as contas. E, isso, mesmo que seu salário não seja generoso e sirva tão somente para a garantia do mínimo necessário para sobreviver com alguma dignidade. Aliás, o problema do desemprego se põe de modo o mais contundente nessa condição humana em que o trabalhador, e agora uma pessoa desempregada, passa a não ter uma vida decente, portanto, deixa de ter o que é próprio ao âmago mesmo da dignidade, a saber, o merecimento de respeito por minhas qualidades, e devemos entender como parte integrante desse respeito viver bem, ainda que minimamente, como no caso de a pessoa poder pagar as contas.

Falo disso porque hoje fui ao caixa eletrônico e digitei a opção de pagamento de contas por leitura de código de barras. Aqui, sou obrigado a confirmar que há de fato praticidade em tal operação (não fiquei em uma fila, por exemplo), mas a mesma praticidade é também um logro, afinal, o operador do equipamento (o próprio cliente) digita inúmeros comandos para que a máquina possa finalizar a operação e expedir o recibo do pagamento. É bom lembrarmos que estamos trabalhando no lugar de alguém e é importante não esquecermos que um bancário ficou desempregado por conta disso.

Após efetuar o pagamento de algumas faturas, consultei, por fim, meu saldo: a soma na minha conta havia diminuído substancialmente, nada mais natural depois da distribuição dos vários pagamentos efetuados. Portanto, a cena tinha tudo para parecer um triste episódio do meu cotidiano, mas não era esse o sentimento que eu experimentava.
Eu entendia, ao contrário, que estava tudo certo: paguei pelos diferentes serviços que me foram prestados com o dinheiro que recebi pelo serviço que também presto. Tudo ali era ainda merecimento, respeito e, por essas razões, tudo me pareceu correto. Quando temos dignidade, sentimos que estamos vivendo bem. A isso podemos chamar alegria de viver.