quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Entre Ritos e Amores

Para ter o livro
Nessa época do ano, particularmente nessas semanas que antecedem o meu aniversário, sempre observo um acúmulo de trabalho. Evidentemente, não posso e nem devo reclamar disso, pois precisamos mesmo trabalhar.
Assim sendo, para além do expediente no jornal, quando chego em casa, após comer algo, e dar um beijo em minha mãe, volto a sentar-me diante do computador, o que, aliás, eu já fizera o dia inteiro.
Quando digo que não posso reclamar é porque preciso dos frutos desse trabalho e também aprecio o tipo de elaboração que envolve a revisão de textos.
De que elaboração estou falando? Aquela da qual nos fala a Professora Doutora Luciana Salazar Salgado, atualmente professora dos laboratórios de linguística no Departamento de Letras da UFSCar:

(...) é importante notar que o profissional que trabalha sobre os textos autorais não opera como coautor; antes, produz um descentramento do texto-primeiro, que permite ao autor ser um outro desse outro de si que fez anotações pontuais como quem deixa rastros a serem seguidos. Nessas trilhas de leitura explicitadas, são feitas correções gramaticais, estabelecem-se padrões e seguem-se normas, mas esse trabalho vai muito além da ideia de corrigir, padronizar e normatizar.
Diante do material coletado, a questão que muitas vezes se põe é: o que se pretende, afinal, com esse trabalho sobre os textos? Provavelmente garantir que as versões que vão a público sejam consistentes, pois, mesmo que um texto destinado a publicação, como todo texto, por definição, não se feche nunca, sendo renovado a cada leitura, parece possível trabalhar para que certas leituras estejam mais autorizadas que outras, que certos caminhos textuais pareçam mais convidativos, que certas memórias tendam a se atualizar amarrando o texto a uma dada rede de dizeres, identificando-o.
(...)

Justamente hoje abri ao acaso esse livro da linguísta e analista do discurso, Ritos Genéticos Editoriais – Autoria e Textualização, e deparei-me com a passagem acima. Provavelmente, foi devido à experiência da noite passada que pude mais detidamente pensar no quanto essa autora está certa em afirmar que esses escribas (aos quais ela chama de enunciador e o seu coenunciador editorial) trabalham ambos com um ofício que nos confronta fortemente com a condição humana do viver.

Essa noite, por exemplo, avancei trabalhando madrugada adentro e isso devido, evidentemente, ao prazo apertado para a entrega do material. É preciso que também se diga: as pessoas só procuram o profissional de revisão na véspera da “linha morta”, que é como uma outra amiga minha se refere ao que os americanos chamam de dead line, ou seja, o fim do prazo.

De minha parte, busquei esboçar nessa postagem essa minha cenografia discursiva apenas para poder dizer, por fim, que trabalhei nessa ocasião com tanto prazer que, mesmo depois de dormir poucas horas, acordei ainda tão bem disposto que acho que isso só pode ser amor. Amor pelas pessoas, pelo que fazemos por elas e pelo que elas fazem por nós, pelo sentimento legítimo do dever cumprido, e, sim, sobretudo, pelo que há de espiritual em tudo isso: amor pelo amor de Deus!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Owls

Quando eu fui morar em Brasília, em meados de 1996, foi quando pela primeira vez eu vi uma coruja ao vivo e em cores.
Eu estava andando no Parque da Cidade (sim, é aquele mesmo da música Eduardo e Mônica, da Legião Urbana) e, de repente, deparei-me com uma coruja bem na minha frente: empoleirada em um galho seco de uma árvore baixa. Portanto, ela estava na altura da minha cabeça e, caladíssima, olhava-me.
Eu quase gritei, inicialmente, é que me assustei, mas, mais do que tudo, fiquei imensamente emocionado. Senti-me como se eu estivesse diante de um ser realmente sagrado, bastante misterioso e absolutamente lindo!
É mesmo curioso: quantas criaturas na terra podem ter o privilégio de reunírem tantas qualidades?
Poucas, ou melhor, todas as criaturas criadas por Deus.
A questão é que, diante de um coruja, você se rende à força dessa verdade!

Minha mãe querida, a Dona Durvalina, resolveu fazer pequenas corujas de pano, com olhos de lantejoulas. Essa aí ao lado é uma delas. Eu tenho oferecido aos amigos aqui da redação e é a maior diversão ficar escolhendo entre as inúmeras divertidas corujas! rsrsrs

Por conta disso, a semana foi toda ela uma revoada de corujas.
Inspirado no tema encontrei essas bonitas ilustrações de... corujas e que fiz questão de trazer para cá!
Enjoy it!

by Thalitha Shipman
by Jillian Phillips via Lilla Rogers

by Matte Stephens via Lilla Rogers

by Carolyn Gavin via ffffound!

by Jillian Phillips

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Camisa nova

Hoje vesti uma camisa nova. Ela é de uma cor que eu poderia chamar  lilás ou púrpura. O tecido possui listas muito finas estampadas e que são da mesma cor do fundo da camisa, apenas um tom mais claro.

Pois bem, saí de casa distraído e não notei que estava bonito.
No entanto, bastou eu sair na rua para que os transeuntes notassem isso mesmo.
Ao chegar no trabalho, todo mundo também se manifestou. Nesse momento, pareceu-me que ocorreu um certo embaraço no ambiente, é que as pessoas mais exageradas... exageraram. E eu que não sou de ficar embaraçado, fui, então, obrigado a ficar. Paciência.

Depois, chegou a hora do almoço e notei algo ainda mais doido: enquanto eu caminhava pelas ruas, pessoas que nunca me olhariam, olhavam-me, e alguns dos transeuntes até se insunuavam por meio desse olhar, ainda que discretamente.
Eu achei isso tudo um tanto patético, pois se eu era o mesmo que ando por ali todos os dias! kkkkk

Mas aceitei tudo. Afinal, não há motivo para desgosto quando o que se revela é apenas um bem querer acentuado pela gente, ainda que esse aí que todo mundo olhava não fosse lá eu mesmo, mas um modelo convencional de homem: de meia idade, um tanto elegante e talvez com um certo charme. E isso tudo apenas porque usava uma camisa nova, do tipo "social".

Querem saber um segredo? O que eu esperaria com mais alegria, no lugar de tudo isso que ocorreu, é que a maioria das pessoas estivesse sentindo apenas minha aura e, mais, que ela pudesse estar sugerindo para cada uma dessas pessoas: Por aqui está tudo bem, fique bem também!

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Poems for Life

Tenho aprendido algo precioso: o melhor descanso para um trabalho é tão somente mudar de atividade. Eu sou revisor, blogueiro e tenho escrito crítica de cinema. Nesse fim de semestre, a atividade de revisor fica mais acentuada em minha vida: é que as pessoas precisam entregar seus trabalhos de conclusão de curso. Bem, ficar muitas horas revisando um texto pode ser uma atividade cansativa, confesso, então, eu dou uma paradinha e resolvo fazer tortinhas de damasco ou ler poesia inglesa.

Recentemente, comprei uma coletânea de poemas organizada por Laura Barber e editada pela Penguin Books. A organizadora diz, no prefácio, que "Eu preciso de um poema" não é uma frase muito comum de se ouvir, mas bastou ela começar a organizar esses Poems for Life que  passou a ouvi-la constantemente. Isso mesmo, ela organizou um livro que reúne poemas que servirão para todas as ocasiões da vida: do nascimento, passando pelo casamento até os funerais de um pessoa.

Eu atrevi-me a "traduzir" dois deles que eu achei tão lindos e que, no livro, comparecem na seção que está aí nomeada antes de seus títulos. Claro que foram os mais fáceis eu não sou tão atrevido assim...rsrsrs Enjoy it!

Getting Older, Looking back (Ficando mais velho, Olhando para trás)

Vitae summa brevis spem nos vetat incohare longam

They are not long, the weeping and the laughter
Love and desire and hate:
I think they have no portion in us after
We pass the gate.

They are not long, the days of wine and roses:
Out of a misty dream.
Our path emerges for a while, then closes
within a dream.
 
(Ernest Dowson)

A brevidade da vida nos impede de começar um longa esperança

Eles não são permanentes, o choro e o riso
Amor e desejo e ódio:
Eu penso que eles não têm parte em nós logo que
Passamos o portão.

Eles não são permanentes, os dias de vinho e rosas:
para além de um sonho nebuloso.
O nosso caminho emerge por algum tempo, então, se fecha
dentro de um sonho.

Intimations of Mortality (Intimações da Mortalidade)

Late Fragment

And did you get what you wanted from this life, even so?
I did.
And what did you want?
To call myself beloved, to feel myself beloved on the earth .


(Raymond Carver)

Fragmento tardio

E você conseguiu o que queria da vida, ainda assim?
Consegui.
E o que você queria?
Chamar a mim mesmo amado, sentir-me amado na terra.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Livro, um romance de José Luís Peixoto


Achei essa capa muito boa,
esse carrinho de bebê
abandonado no meio do nada!
 Livro é o nome do livro que ora leio e ele é uma grata surpresa em muitos sentidos.
Primeiramente, é um presente e que recebi de uma pessoa que não conheço pessoalmente, mas por quem nutro muito, muito carinho. Trata-se da minha amiga Renata Viana, brasileira, radicada em Portugal. Ela é alguém com quem venho, talvez a mais de um ano, tendo contado pelo facebook. Ela e seu marido, Antonio Castro, são pessoas gentis, inteligentes, sensíveis e com as quais aprendi a compartilhar muita coisa boa: além das postagens desse blog, dicas de cinema e também reflexões e relatos dos acontecimentos de um cotidiano que aos poucos vai sendo registrado por lá, no facebook.
Pois bem, Renata Viana chegou a ver uma postagem no Blog Lado B, da jornalista Rita Alves, na qual minha mãe fala de suas bonequinhas de pano e, como Renata Viana se interessou pelo trabalho, eu enviei-lhe uma linda bonequinha, via Correios.
Viana, muito educadamente, retribuiu o presente enviando-me, por sua vez, esse romance de José Luís Peixoto e que se chama Livro. Ela contou-me que o comprou motivada pelo fato de conhecer seu autor e porque achava que tinha que ser o livro e, quando encontrou esse recém-lançamento do autor, e ainda mais por chamar-se Livro, achou que tudo estava a contento.
Pois, então, eu a agradeço imensamente, aqui, em público, pois pude travar contato com um autor português contemporâneo, que eu não conhecia e que comecei a ler imediatamente. Apesar disso, a leitura está sendo lenta, porque há qualquer coisa, na escrita de Peixoto, que tem me surpreendido: a sua Língua Portuguesa não é como a dos demais autores, seus conterrâneos, aqueles que eu já travei contato. Penso que ele não se assemelha nem mesmo ao José Saramago (de quem, aliás, o aproximam, normalmente). Peixoto também não tem aquela poética comum, por exemplo, em um Mia Couto (o qual, aliás, também conheci muito recentemente). Achei-o mais contido e simples (no bom sentido do ser simples!) do que todos esses.
A língua portuguesa que encontro em Peixoto é muito próxima da que estou acostumado a ter contato no meu cotidiano (brasileiro!), as palavras mais comuns na língua são as que servem perfeitamente para demonstrar a realidade das pessoas que ele está a retratar e toda a subjetividade que cada uma concentra e, sim, também para nos emocionar.
No primeiro capítulo, temos uma mãe a abandonar seu filhinho de seis anos, no centro da praça do povoado, ao lado de uma fonte. Achei ab-so-lu-ta-men-te comovente esse início do romance, onde ele resgata o sublime que pode haver no sentimento de abandono. Nesse capítulo, o narrador descreve tudo o que acontece a partir do exato momento em que a mãe deixa o menino sozinho com sua malinha na praça, o que, inicialmente, foi descrito simplesmente assim:

Os olhos da mãe ficaram parados nos do filho até ao instante em que o seu corpo se virou e se afastou, regressando por onde tinha acabado de chegar. O Ilídio estava a pensar em qualquer coisa, talvez nos pássaros que vinham enfiar-se nas folhas de hera que cobriam o topo do muro da Dona Milú, à sua frente, pássaros da primavera. Asas ou folhas. E não se esforçou por ouvir os passos da mãe a afastarem-se até serem apenas um resto de som. Só o instinto. Quando lhe pareceu que já tinha passado muito tempo, sem mexer os pés, com as mãos atrás das costas, inclinou o tronco para a frente para ver a mãe lá ao fundo, lá ao fundo, a afastar-se, era a sua mãe e, depois, ui, a desaparecer, a dobrar a esquina. O Ilídio voltou com o corpo à sua posição. Longe, no adro, os sinos da igreja deram as sete da tarde. Essa hora espalhou-se por toda a vila. Com seis anos, o Ilídio sabia bem que, no adro, o toque dos sinos interrompia as conversas e os pensamentos.


José Luís Peixoto
 Os capítulos não são numerados, apenas o que acontece, na presente edição, é o aparecimento da ilustração de uma malinha encimando cada novo capítulo, isso é um signo que dá conta do contexto da história narrada e que diz respeito à saga da emigração portuguesa para França. Portanto, a história se passa entre uma vila do interior de Portugal e Paris, a capital francesa. Haverá, então, encontros e despedidas e como sói acontecer em histórias de deslocamentos, também um elemento comum: a reunião das dimensões pertinentes ao enlevo do sonho e à crueza da realidade.

Também achei poeticamente singela essa descrição dessa atitude de uma personagem importante do povoado, a matriarca e idosa Dona Milú:

Adormecia cedo, em lençóis frescos, mas havia dores que lhe cresciam dentro do corpo. A Dona Milú duvidava que as parreiras sentissem dores nas articulações, mas resignava-se. Nas passeatas pelo jardim, avançava devagar, com a bengala firmada à frente. De manhã, quando ninguém estava a olhar, descalçava-se e ficava parada sobre a terra, como um arbusto. Essa era uma imagem inusitada, que ninguém via.

Meu Deus! Como é bela a imagem dessa idosa descalça na terra, como um arbusto, em intimidade indevassável!
Muito obrigado Renata. Como é bom ter amigos que nos proporcionam oportunidade de vivenciar emoções dessa natureza. Fica aqui minha sugestão a todos aqueles que pertencem à categoria "homens [mulheres] de boa vontade": façam amizade com desconhecidos, utilizem o facebook para isso mesmo, dêem livros de presente para esses novos amigos. E leiam tais livros! Simples assim! Enjoy it!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Somos como as flores de Fong Qi Wei

Eu ainda espero poder cuidar de um jardim! Espero ter um jardim para eu cuidar. Quando eu era adolescente eu o fazia, cuidava de um jardim mas ele pertencia a um amigo e patrão e, às vezes, eu desempenhava minha tarefa com má vontade. Nesse tempo a coisa toda era também uma obrigação.

Agora, que não a tenho mais, sinto tanta falta! Claro, tenho lá em casa uns vasinhos com plantas, que minha mamãe cuida com todo o amor. É por isso que as plantinhas lá de casa são lindas, embora eu também acredite que minha mãe deve ter ajuda de uns anjinhos. Só pode ser isso! As plantas da minha mãe nesses vasos são lindas demais. Eu também tenho ao pé da minha janela um vaso enorme, em que plantei a Dama da Noite e agora tenho ainda outro vaso, que, todo feliz, tem nos presenteado, insistentemente, com seus Copos de Leite. Nem preciso dizer que ambos os vasos são absolutamente meus xodós.

Já, hoje, navegando na web, encontrei esse trabalho muito simples, singelo mesmo, quase uma brincadeira de criança e que, no entanto, tem esse resultado de encher os olhos! São as imagens da série Flores, suas formas, por seus componentes individuais, do fotógrafo de Singapura: Fong Qi Wei.  O interessante nesse trabalho é isso mesmo: a possibilidade de recriar a forma de cada flor, mas pela dispersão dos componentes individuais da mesma e que, portanto, se expandem no espaço da folha em branco.

Estou falando em flores e lembro-me que estamos na véspera do Dia de Finados. Assim sendo, amanhã, muitos levarão flores aos cemitérios para homenagear seus entes queridos desencarnados. Tais visitantes as depositarão nos túmulos em que jazem apenas os restos da matéria que revestia aqueles espíritos amigos.

Que seja mesmo assim, uma vez que sabemos que tal data, e que acontece todos os anos, encerra uma importante lição: a de que, sim, importa lembrar uma vez mais que nosso espírito permanece perene!
Então, que seja essa lembrança somada com uma outra: a da beleza espiritual.
Que conosco ocorra o mesmo que ocorre com essas flores de Fong Qi Wei. Nelas, a beleza de cada um dos seus componentes individuais, e que compõem o quadro maior de uma expansão, está a nos lembrar de algo que seria uma tradução do espírito da flor, ou seja, sua essência e que reside nessa forma recomposta.