Livro é o nome do livro que ora leio e ele é uma grata surpresa em muitos sentidos.
Primeiramente, é um presente e que recebi de uma pessoa que não conheço pessoalmente, mas por quem nutro muito, muito carinho. Trata-se da minha amiga Renata Viana, brasileira, radicada em Portugal. Ela é alguém com quem venho, talvez a mais de um ano, tendo contado pelo facebook. Ela e seu marido, Antonio Castro, são pessoas gentis, inteligentes, sensíveis e com as quais aprendi a compartilhar muita coisa boa: além das postagens desse blog, dicas de cinema e também reflexões e relatos dos acontecimentos de um cotidiano que aos poucos vai sendo registrado por lá, no facebook.
Pois bem, Renata Viana chegou a ver uma postagem no Blog Lado B, da jornalista Rita Alves, na qual minha mãe fala de suas bonequinhas de pano e, como Renata Viana se interessou pelo trabalho, eu enviei-lhe uma linda bonequinha, via Correios.
Viana, muito educadamente, retribuiu o presente enviando-me, por sua vez, esse romance de José Luís Peixoto e que se chama Livro. Ela contou-me que o comprou motivada pelo fato de conhecer seu autor e porque achava que tinha que ser o livro e, quando encontrou esse recém-lançamento do autor, e ainda mais por chamar-se Livro, achou que tudo estava a contento.
Pois, então, eu a agradeço imensamente, aqui, em público, pois pude travar contato com um autor português contemporâneo, que eu não conhecia e que comecei a ler imediatamente. Apesar disso, a leitura está sendo lenta, porque há qualquer coisa, na escrita de Peixoto, que tem me surpreendido: a sua Língua Portuguesa não é como a dos demais autores, seus conterrâneos, aqueles que eu já travei contato. Penso que ele não se assemelha nem mesmo ao José Saramago (de quem, aliás, o aproximam, normalmente). Peixoto também não tem aquela poética comum, por exemplo, em um Mia Couto (o qual, aliás, também conheci muito recentemente). Achei-o mais contido e simples (no bom sentido do ser simples!) do que todos esses.
A língua portuguesa que encontro em Peixoto é muito próxima da que estou acostumado a ter contato no meu cotidiano (brasileiro!), as palavras mais comuns na língua são as que servem perfeitamente para demonstrar a realidade das pessoas que ele está a retratar e toda a subjetividade que cada uma concentra e, sim, também para nos emocionar.
No primeiro capítulo, temos uma mãe a abandonar seu filhinho de seis anos, no centro da praça do povoado, ao lado de uma fonte. Achei ab-so-lu-ta-men-te comovente esse início do romance, onde ele resgata o sublime que pode haver no sentimento de abandono. Nesse capítulo, o narrador descreve tudo o que acontece a partir do exato momento em que a mãe deixa o menino sozinho com sua malinha na praça, o que, inicialmente, foi descrito simplesmente assim:
Os olhos da mãe ficaram parados nos do filho até ao instante em que o seu corpo se virou e se afastou, regressando por onde tinha acabado de chegar. O Ilídio estava a pensar em qualquer coisa, talvez nos pássaros que vinham enfiar-se nas folhas de hera que cobriam o topo do muro da Dona Milú, à sua frente, pássaros da primavera. Asas ou folhas. E não se esforçou por ouvir os passos da mãe a afastarem-se até serem apenas um resto de som. Só o instinto. Quando lhe pareceu que já tinha passado muito tempo, sem mexer os pés, com as mãos atrás das costas, inclinou o tronco para a frente para ver a mãe lá ao fundo, lá ao fundo, a afastar-se, era a sua mãe e, depois, ui, a desaparecer, a dobrar a esquina. O Ilídio voltou com o corpo à sua posição. Longe, no adro, os sinos da igreja deram as sete da tarde. Essa hora espalhou-se por toda a vila. Com seis anos, o Ilídio sabia bem que, no adro, o toque dos sinos interrompia as conversas e os pensamentos.
Os capítulos não são numerados, apenas o que acontece, na presente edição, é o aparecimento da ilustração de uma malinha encimando cada novo capítulo, isso é um signo que dá conta do contexto da história narrada e que diz respeito à saga da emigração portuguesa para França. Portanto, a história se passa entre uma vila do interior de Portugal e Paris, a capital francesa. Haverá, então, encontros e despedidas e como sói acontecer em histórias de deslocamentos, também um elemento comum: a reunião das dimensões pertinentes ao enlevo do sonho e à crueza da realidade.
Também achei poeticamente singela essa descrição dessa atitude de uma personagem importante do povoado, a matriarca e idosa Dona Milú:
Adormecia cedo, em lençóis frescos, mas havia dores que lhe cresciam dentro do corpo. A Dona Milú duvidava que as parreiras sentissem dores nas articulações, mas resignava-se. Nas passeatas pelo jardim, avançava devagar, com a bengala firmada à frente. De manhã, quando ninguém estava a olhar, descalçava-se e ficava parada sobre a terra, como um arbusto. Essa era uma imagem inusitada, que ninguém via.
Meu Deus! Como é bela a imagem dessa idosa descalça na terra, como um arbusto, em intimidade indevassável!
Muito obrigado Renata. Como é bom ter amigos que nos proporcionam oportunidade de vivenciar emoções dessa natureza. Fica aqui minha sugestão a todos aqueles que pertencem à categoria "homens [mulheres] de boa vontade": façam amizade com desconhecidos, utilizem o facebook para isso mesmo, dêem livros de presente para esses novos amigos. E leiam tais livros! Simples assim! Enjoy it!
Achei essa capa muito boa, esse carrinho de bebê abandonado no meio do nada! |
Primeiramente, é um presente e que recebi de uma pessoa que não conheço pessoalmente, mas por quem nutro muito, muito carinho. Trata-se da minha amiga Renata Viana, brasileira, radicada em Portugal. Ela é alguém com quem venho, talvez a mais de um ano, tendo contado pelo facebook. Ela e seu marido, Antonio Castro, são pessoas gentis, inteligentes, sensíveis e com as quais aprendi a compartilhar muita coisa boa: além das postagens desse blog, dicas de cinema e também reflexões e relatos dos acontecimentos de um cotidiano que aos poucos vai sendo registrado por lá, no facebook.
Pois bem, Renata Viana chegou a ver uma postagem no Blog Lado B, da jornalista Rita Alves, na qual minha mãe fala de suas bonequinhas de pano e, como Renata Viana se interessou pelo trabalho, eu enviei-lhe uma linda bonequinha, via Correios.
Viana, muito educadamente, retribuiu o presente enviando-me, por sua vez, esse romance de José Luís Peixoto e que se chama Livro. Ela contou-me que o comprou motivada pelo fato de conhecer seu autor e porque achava que tinha que ser o livro e, quando encontrou esse recém-lançamento do autor, e ainda mais por chamar-se Livro, achou que tudo estava a contento.
Pois, então, eu a agradeço imensamente, aqui, em público, pois pude travar contato com um autor português contemporâneo, que eu não conhecia e que comecei a ler imediatamente. Apesar disso, a leitura está sendo lenta, porque há qualquer coisa, na escrita de Peixoto, que tem me surpreendido: a sua Língua Portuguesa não é como a dos demais autores, seus conterrâneos, aqueles que eu já travei contato. Penso que ele não se assemelha nem mesmo ao José Saramago (de quem, aliás, o aproximam, normalmente). Peixoto também não tem aquela poética comum, por exemplo, em um Mia Couto (o qual, aliás, também conheci muito recentemente). Achei-o mais contido e simples (no bom sentido do ser simples!) do que todos esses.
A língua portuguesa que encontro em Peixoto é muito próxima da que estou acostumado a ter contato no meu cotidiano (brasileiro!), as palavras mais comuns na língua são as que servem perfeitamente para demonstrar a realidade das pessoas que ele está a retratar e toda a subjetividade que cada uma concentra e, sim, também para nos emocionar.
No primeiro capítulo, temos uma mãe a abandonar seu filhinho de seis anos, no centro da praça do povoado, ao lado de uma fonte. Achei ab-so-lu-ta-men-te comovente esse início do romance, onde ele resgata o sublime que pode haver no sentimento de abandono. Nesse capítulo, o narrador descreve tudo o que acontece a partir do exato momento em que a mãe deixa o menino sozinho com sua malinha na praça, o que, inicialmente, foi descrito simplesmente assim:
Os olhos da mãe ficaram parados nos do filho até ao instante em que o seu corpo se virou e se afastou, regressando por onde tinha acabado de chegar. O Ilídio estava a pensar em qualquer coisa, talvez nos pássaros que vinham enfiar-se nas folhas de hera que cobriam o topo do muro da Dona Milú, à sua frente, pássaros da primavera. Asas ou folhas. E não se esforçou por ouvir os passos da mãe a afastarem-se até serem apenas um resto de som. Só o instinto. Quando lhe pareceu que já tinha passado muito tempo, sem mexer os pés, com as mãos atrás das costas, inclinou o tronco para a frente para ver a mãe lá ao fundo, lá ao fundo, a afastar-se, era a sua mãe e, depois, ui, a desaparecer, a dobrar a esquina. O Ilídio voltou com o corpo à sua posição. Longe, no adro, os sinos da igreja deram as sete da tarde. Essa hora espalhou-se por toda a vila. Com seis anos, o Ilídio sabia bem que, no adro, o toque dos sinos interrompia as conversas e os pensamentos.
José Luís Peixoto |
Também achei poeticamente singela essa descrição dessa atitude de uma personagem importante do povoado, a matriarca e idosa Dona Milú:
Adormecia cedo, em lençóis frescos, mas havia dores que lhe cresciam dentro do corpo. A Dona Milú duvidava que as parreiras sentissem dores nas articulações, mas resignava-se. Nas passeatas pelo jardim, avançava devagar, com a bengala firmada à frente. De manhã, quando ninguém estava a olhar, descalçava-se e ficava parada sobre a terra, como um arbusto. Essa era uma imagem inusitada, que ninguém via.
Meu Deus! Como é bela a imagem dessa idosa descalça na terra, como um arbusto, em intimidade indevassável!
Muito obrigado Renata. Como é bom ter amigos que nos proporcionam oportunidade de vivenciar emoções dessa natureza. Fica aqui minha sugestão a todos aqueles que pertencem à categoria "homens [mulheres] de boa vontade": façam amizade com desconhecidos, utilizem o facebook para isso mesmo, dêem livros de presente para esses novos amigos. E leiam tais livros! Simples assim! Enjoy it!
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