sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Relendo antigas cartas e redescobrindo Mário Peixoto

Hoje, sexta-feira, abri uma caixa em que guardo cartas que recebi no passado e também cópias de cartas que eu próprio enviara em outros tempos. Como era bom escrever cartas!
Relendo uma carta que enviei a uma amiga que não via há muito, na ocasião, encontrei um trecho que achei tão bonito que quero aqui compartilhar. Foi mais para o finalzinho da carta...
Acho que minhas cartas do passado eram um pouco como escrever para esse blog. Contudo, penso que essas minhas postagens são também como mensagens que a gente guarda dentro de uma garrafa e lança ao mar, sem saber se vão ler e mesmo quem irá fazê-lo, ou seja, é uma emoção de outra natureza. ;-)
Vejamos o trecho da tal carta:

(...)
Como foi possível perceber a vida tem me ensinado a ser um pouco mais realista e menos idealista ou sonhador. Embora minha natureza seja mesmo a de uma pessoa imaginativa e um tantinho criativa o que me permite querer e poder dizer como a Princesa Marie Bonaparte: Dotada de um pessimismo alegre, terei atravessado a vida sem ceder.
Logo que retornei a São Paulo, na verdade no início do ano seguinte, 2002, li um livro belíssimo. Trata-se de um romance do cineasta (e escritor) brasileiro Mário Peixoto. O título é o máximo: O inútil de cada um. Encontrei hoje uma pequena passagem do romance que, não aceitando deixar de tê-la por perto (o livro era emprestado e uma edição rara e esgotada), a anotei em um caderno, tamanha riqueza literária e exemplo cabal de prosa poética nela foram expressos. A mais completa e sublime definição de felicidade. Como você é uma pessoa sensível e inteligente vou reproduzi-la também aqui:
A felicidade, revelou-me ele com nostalgia, é essa momentânea posição que se coloca a pessoa, certas vezes, diante da vida, mas que logo se desvanece em euforia ou lhe traz, na queda, ao constatá-lo, um contrito sorriso de reconhecimento e, sobretudo, frustração.
E depois? (...)
Você que pergunta...(...) o que faria nessa posição? Dava-se conta desse estado de felicidade vestida na pessoa, de súbito, como uma estatura? Desse repentino que o toca, algo difícil de pôr em explicativa? Desse bafejo com perspectivas mais douradas? Desse pingo de orvalho que nos bate, translúcido, estremecendo a epiderme e que descortina através de um cristalino rápido panorama nunca assim partilhado em sua essência? (...) Depois? – pergunta você. Verifica-se o quê? Que o ser... (...) ao nosso lado, muita vez acarretado na miragem, no êxtase, no faiscar (embora de caráter duvidoso), também foi uma vitima e não uma objetiva. Nem mesmo contínua é essa felicidade; irradia-se, oblitera, acena-nos até a morte, enganosamente, contígua e fácil aparentemente – mas de que é feita ela na sua trajetória? O que sugere, o que diz, o que cala? Verifica-se, quando se ausenta, desertos de solidões em torno e vazios todos concêntricos. Que os pés – os nossos pés – de novo estão plantados nas calçadas e que o momento, então como uma essência de caro perfume que se evola, escapou-se da pequena caixa do cérebro onde, em retortas infinitesimais, se atravessara de infinitos!
Bem, essa carta já resultou muito longa e agora passo a querer uma resposta, para também saber de você, do que viveu, do que vive. Agradeço sua atenção e deixo-lhe meu carinho e votos de felicidades,
Um grande abraço do amigo,

Josafá Crisóstomo

2 comentários:

  1. passagens tocantes, gostei mto..
    kika

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  2. Muito tocante realmente né Kika? Eu fiquei tão surpreendido quando descobri que o diretor de Limite era também esse magnífico escritor!

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