quarta-feira, 7 de julho de 2010

Lendo Tolstói

Hoje, entrei no metrô, sentei-me e abri o livro Ana Karênina, de LeonTolstói, no Capítulo XXVI, para dar continuidade a minha leitura do romance. Quando dei por mim estava em lágrimas e, evidentemente, envergonhado dos meus vizinhos de assento, tratei de procurar um lenço de papel...
;-D

Ler um romance do século XIX, um clássico da literatura, escrito por um autor imortal, para mim, é isso: é mergulhar intensamente em uma história escrita com amor, paixão e talento imensuráveis e, por conseguinte, na vida de personagens que, embora não tenham existência no que chamamos de "realidade concreta", nos ensinam muito do que é ser gente de verdade nesse mundo.
Não vou aqui trazer notícia da personagem que dá nome ao romance, mas de uma personagem "coadjuvante" ( é melhor chamá-la assim do que "secundária", afinal, estou achando tal personagem cabal para o equilíbrio do painel de tipos humanos no romance) e que é apaixonante: Constantin Liêvin.
Apenas para que vocês entendam o trecho que reproduzo abaixo e que me levou às lágrimas: essa personagem é um homem feito, solteiro e que, embora rico, vive no campo, daí sua flagrante timidez diante da cosmopolita Moscou e que visitara, tão somente, para pedir a mão de Kitty, irmã da cunhada de Ana Karênina. A jovem, no entanto, já tinha um rapaz lhe cortejando, o desenvolto e charmoso Vronski.
Liêvin, enjeitado, fica muito aborrecido e volta para casa. No início desse capítulo a que me referi, ele está chegando, de volta a sua casa:

No dia seguinte pela manhã, Constantino Liêvin saía de Moscou e chegava a casa ao fim da tarde. Durante o trajeto entabulou conversa com os companheiros, falou de política, de estradas de ferro, e, tal qual como em Moscou, não tardou a sentir-se submerso no caos das opiniões, descontente consigo próprio e envergonhado sem que soubesse muito bem por quê. Mas , quando, à luz indecisa que se derramava das janelas da estação, viu Ignat, o cocheiro estrábico, a gola do cafetã levantada, depois o trenó coberto de peles e os cavalos com seus arreios bem-tratados, e aquele lhe contou, enquanto ele se instalava, as novidades da aldeia - que chegara um comprador e que a Pava tivera o seu bom sucesso -, Liêvin sentiu que toda aquela confusão de idéias se esclarecia e que a vergonha e o descontentamento se dissipavam. Entretanto, essa impressão ele a teve apenas com o ver Ignat e os cavalos, quando se embrulhou no tulup - um casaco de pele de carneiro, feito de maneira que os pêlos ficassem na parte de dentro, como forro - que o cocheiro tivera o cuidado de lhe trazer e se sentou bem abrigado, no trenó, que se pôs a andar, pensou nas ordens que teria de dar logo que chegasse a casa e, examinando um dos cavalos, o seu preferido para montar - um velho cavalo do Don, já gasto, mas ainda veloz -, pôs-se a ver de maneira muito diferente o que lhe acontecera. Deixou de querer ser outro que não ele próprio e apenas desejou ser melhor do que fora até ali. Em primeiro lugar, decidiu que daí por diante não poria as suas esperanças numa felicidade extraordinária, como a que esperara do casamento, e que, por conseguinte, não iria menosprezar tanto o momento presente; depois, que nunca mais se deixaria conduzir por uma baixa paíxão, como acontecera na véspera, antes de se decidir a declarar-se. E, lembrando-se do irmão, resolveu nunca mais o esquecer nem o perder de vista, para assim poder ajudá-lo sempre que ele precisasse. Pressentia que isso iria acontecer dentro de pouco. Em seguida pensou na conversa que tivera com o irmão sobre o comunismo e que tão superficialmente encarara na oportunidade. Considerava absurda a reforma das condições econômicas, mas sempre se dera conta da injustiça que representava o muito que tinha em comparação com a miséria do povo. Para se sentir completamente justo, apesar de que sempre trabalhara muito, vivendo sem luxo algum, tomou a resolução de trabalhar cada vez mais e de levar uma vida ainda mais simples. Tudo lhe parecia tão fácil de realizar que pensar nisso foi a coisa mais agradável que lhe ocorreu durante o trajeto. Quando chegou a casa, por volta das nove da noite, sentiu que uma vida nova, uma vida mais bela, começava para ele. Uma réstia de luz se filtrava nas janelas de Agáfia Mikháilovna, a sua velha ama, agora governanta da casa. A velha ainda não dormia. Acordou Kuzmá, que, estremunhado e descalço, veio até ao alpendre. Também Laska, a cadela, apareceu, e por pouco não derrubava Kuzmá, ladrando e esfregando-se nas pernas de Liêvin, sem ousar pôr-lhe as patas dianteiras no peito.

Não vou resistir e vou reproduzir também um trecho em que temos uma reação de Ana Karênina a uma circunstância e que eu achei hilária (tive que conter a gargalhada dentro do metrô... ;-p)

Pois bem, depois de praticamente roubar o coração de Vronski e tornar-se "rival" de Kitty. Karênina está, praticamente, em fuga dessa nova paixão, e ao chegar em sua cidade:

Mal desembarcou do trem, o primeiro rosto que encontrou foi o do marido: "Meu Deus! Por que lhe terão crescido tanto as orelhas?", pensou ela, mirando-lhe a arrogante e fria figura e sobretudo as cartilagens das orelhas, que lhe chamavam a atenção, nas quais, dir-se-ia, vinham pousar as abas do chapéu.

Literatura é um universo amplo: a se perder de vista. Todos os elementos que constituem a literatura são importantes, uma vez que por eles ela nos educa, propicia o exercício de traquejo com a língua, cria o hábito salutar da leitura, permitindo-nos aprender a filosofar, além do treino da sensibilidade para a compreensão da psicologia dos mortais e tanta coisa mais! Mas o mais delicioso de tudo é o quanto ela nos emociona e ainda pode ser divertida, com humor.








                                                    Anton Chejov e Leon Tolstoi

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