terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Victor Hugo

Eu preciso agradecer ao Alessandro do blog Livros & Afins porque ele sempre tem informações preciosíssimas sobre o mundo dos livros. Hoje, ele exibiu uma imagem de Onde Batman passa os poucos momentos em que não há crimes. Então, vejo no rodapé dessa postagem um link para outro post em que ele nos conta que o magnífico Coringa foi inspirado em um livro de Victor Hugo chamado O homem que ri.
De Victor Hugo eu só lera O Corcunda de Notre Dame, [uma amiga disse-me que o Paulo Francis (um jornalista brasileiro antiquíssimo) chamava-o "O Cordame de Notre Cunda". rsrsrs]. No entanto, o li quando eu ainda era um adolescente. Pois bem, imediatamente fiquei louco de vontade de ler Victor Hugo nesse momento da minha vida e comecei a procurar pela web o tal O homem que ri. Encontrei, em um site chamado Eflúvio Magnético, a reprodução de uns poucos capítulos do livro e comecei-lhes a leitura. Achei incrível, aterrador e emocionante. Mas isso eu já sabia que seria. Eu lembro-me perfeitamente da forte impressão que me deixou o Corcunda...
Só para que vocês saibam o contexto do trecho que li, até o ponto da passagem que trouxe para cá: ali temos uma criança que provavelmente fora abandonada em uma ilha deserta, um menino náugrafo e que encontra o cadáver de um enforcado dependurado em um precipício. Após a descrição terrível de um ataque de corvos ao cadáver, teremos a passagem a seguir e que eu reproduzo aqui porque eu achei que fala do ser criança de um modo muito, muito peculiar:

Já não corria, andava. Dizer que o encontro com um morto o fizera homem, seria limitar a impressão múltipla e confusa que experimentava. Havia nesta impressão muito mais e muito menos. Aquela forca, sobretudo turva no rudimento de compreensão que era o seu pensamento, permanecia para ele uma aparição. Como, porém, um terror dominado equivale a um robustecimento, sentiu-se mais forte. Se tivesse idade para se sondar, teria descoberto em si mil outros princípios de meditação, mas a reflexão das crianças é informe, e quanto muito sentem o travo amargo desta coisa obscura para elas a que o homem mais tarde chama de indignação. Acrescentemos que a criança tem o dom de aceitar muito rapidamente o termo de uma sensação. Os contornos longínquos e fugitivos, que constituem a amplitude das coisas dolorosas, escapam-lhes. A criança é resguardada pelo seu limite, que é a fraqueza, das comoções demasiado complexas. Vê o facto, e pouco mais ao lado dele. A dificuldade de achar suficientes as ideias parciais, não existe para a criança. O processo da vida só se instrui mais tarde, quando chega a experiência com os seus actos. É então que se dá o confronto dos grupos de factos encontrados, no decorrer do tempo; a inteligência, suficientemente informada e desenvolvida, compara; as recordações da infância reaparecem sob as paixões, como o palimpsesto por baixo dos borrões; estas recordações são pontos de apoio para a lógica; e o que era visão no cérebro da criança torna-se silogismo no cérebro do homem. A experiência, afinal, é diversa, e dá bom ou mau resultado, segundo as disposições naturais dos homens. Os bons amadurecem; os maus apodrecem.
O pequeno transpusera um quarto de légua a correr e outro quarto de légua a andar. De repente, sentiu que o estômago o importunava. Então assaltou-o um pensamento, que lhe eclipsou num instante a hedionda aparição da colina: pensou em comer. Há no Homem felizmente um animal; é ele que o chama à realidade.
Comer, porém, o quê? Comer onde? Comer de que modo?
Apalpou as algibeiras, porém, maquinalmente, porque bem sabia que as tinha vazias.
Depois apressou o passo. Não sabia para onde ia, mas apressou o passo para o albergue possível.
Esta fé numa pousada faz parte das raízes da providência no homem.
Crer numa pousada, é crer em Deus.

Preciso comprar esse livro! Agora, quero ler o livro inteiro.

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