domingo, 7 de fevereiro de 2010

O cinema que sidera

Ontem, fui ao cinema. Fiquei emocionado já no saguão, porque eu ia assistir a um filme, no cinema. Não vejo como substituir esse prazer da sala de cinema, do ritual de aguardar o início da sessão, de estar sentado em uma poltrona de uma sala na qual estão outras pessoas e que também, como eu, quiseram um encontro com O Cinema. Não há tv de qualquer espécie que substitua aquela imensa tela em branco e que se povoa de imagens projetadas. Ainda mais quando o filme a que vamos assistir é de um grande cineasta e sábio como Alain Resnais.
Eu já falei aqui de um outro filme dele a que também vi, no ano passado, e não poderia deixar de falar desse último.
Ervas Daninhas é um filme que convida à sideração, desde a cena inicial, quando a personagem vai comprar um par de sapatos pelo simples prazer de ser tocada nos pés. Então, na sequência acontece a cena do roubo, em que a bolsa amarela fica instantes no ar, e na qual a vítima não grita por socorro. Nós só veremos o rosto dessa personagem quando ele como que flutuar na banheira. Será ainda nessa banheira que se fará o balanço da situação vivida: ao comprar um sapato de que não precisava, roubaram-lhe a bolsa, é preciso ir à delegacia de polícia, mas tão somente no dia seguinte...
Alguém encontra a carteira, que fora abandonada após o roubo em um estacionamento, e, imediatamente, inicia uma fabulação a partir do que encontrara: fotografias em documentos, parcos dados, um endereço. Isso é suficiente para que ocorra o início de uma paixão, posto que o sujeito é um solitário. Estamos falando de um filme francês, portanto, aqui pode haver pessoas muito solitárias ainda que vivam com a família.
Importante: quando a comédia é francesa você pode rir e chorar, simultaneamente... Rimos porque a vida é cômica, choramos porque constatamos que é também trágico viver.
Esse filme ainda explora aquilo de que o cinema vive mais facilmente: encontros glamourosos e até um beijo apaixonado, à guisa de happy end. Sim, há muito glamour francês e ainda o que sempre achei o mais característico desse cinema de Resnais: a demonstração da beleza que existe em qualquer pessoa comum, assim como também da libido que se mantém forte mesmo aos quarenta, cinquenta anos, para essas mesmas pessoas comuns. Graças!
Aqui, o acaso promoveu um encontro, o que sempre sidera. E mais, haverá loucura, vida e morte.
Pareceu-me, no entanto, que o que mais importava dizer afinal é que a vida permanece, na sua eterna inocência, elaborando questões em torno do desejo. Como essa: Mamãe, quando eu for gato posso comer ração como eles?

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