quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O desassossego dadivoso de Fernando Pessoa

Acabei de ganhar um livro! \o/ Não é um livro qualquer. É um de Fernando Pessoa. E não é um livro qualquer de Pessoa, é o Livro do Desassossego. Fernando Pessoa vivia uma depressão a que chamou "profunda e calma" quando o escreveu. Para quem não sabe, trata-se de um livro de prosa. Eu nunca o li, só conheço a poesia de Pessoa. Já espero uma prosa profundíssima e poética. Richard Zenith diz, na introdução, que  Pessoa trabalhou nesta obra  durante o resto da vida, mas quanto mais a "preparava", mais inacabada ficava. Inacabada e inacabável. Sem enredo ou plano para cumprir, os seus horizontes foram alargando, os seus confins ficaram cada vez mais incertos, a sua existência  enquanto livro cada vez menos viável - como, aliás, a existência de Pessoa enquanto pessoa.
Imaginem só o que não deve ser a experiência de ler um livro assim, escrito como se fora um testamento da própria condição humana do poeta?

Para tanto, ou para que possam ter um aperitivo dessa experiência, dois excertos, de páginas do Livro do Desassossego, as quais abro ao acaso (penso que essa atitude tem tudo a ver com Pessoa! ;-D):

A vida é para nós o que concebemos nela. Para o rústico cujo campo próprio lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco, essse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.
Isto não vem a propósito de nada.(...)

Nenhuma ideia brilhante consegue entrar em circulação se não agregando a si qualquer elemento de estupidez. O pensamento colectivo é estúpido porque é colectivo: nada passa as barreiras do colectivo sem deixar nelas, como real de água, a maior parte da inteligência que traga consigo.
Na mocidade somos dois: há em nós a coexistência da nossa inteligência própria, que pode ser grande, e a da estupidez da nossa experiência, que forma uma segunda inteligência inferior. Só quando chegamos a outra idade se dá em nós a unificação. Daí a acção sempre fruste da juventude - devida, não à sua inexperiência, mas à sua não-unidade.
Ao homem superiormente inteligente não resta hoje outro caminho que o da abdicação.

Ah, se todo deprimido fosse assim como Fernando Pessoa!

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