sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Quando o sentimento é amor II

Hoje, eu pretendia falar de um livro que terminei de ler, hoje mesmo, e que trata de futebol. Mas vou deixar para falar desse livro na segunda-feira, porque é um livro muito especial e sua leitura foi uma revelação, em muitos sentidos, então, ainda estou elaborando para saber como falar dele. Nesse meio tempo, retomei a leitura de Ana Karenina, o livro que eu estou saboreando aos bocados e que é imenso, em número de páginas e na riqueza do aprendizado que nos proporciona.
Uma coisa que eu gosto muito quando estou lendo é compartilhar a leitura com alguém. Enfim, trechos supreendentes, algo que me causou uma emoção especial, durante a leitura, isso porque sempre senti que compartilhar a leitura esse é também um dos prazeres especiais do ato de ler.
Tolstói tem um estilo único of course. Ele consegue, em um livro que trata do drama de uma mulher que não vive o amor no casamento, sofrendo as mazelas de sua condição de mulher casada e que se apaixona por outro homem, no final do XIX, pois bem, ele consegue falar com a profundidade necessária do que acontece com um outro casal, no romance, e que se ama de verdade. Como eu já disse na minha última postagem about Kitty e Liêvin se reencontraram. Agora, casados, estão em lua de mel.

Vejam se não é linda essa descrição de um incidente que acontece logo no começo da nova vida de casados. Tolstói está falando de algo fundamental e que aprendemos... quando o sentimento é amor.

A primeira discussão veio certo dia em que Liêvin fora de visita a uma granja nova e se atrasou meia hora, pois se perdera num atalho. Voltava para casa a pensar em Kitty, só em Kitty, no seu amor, na sua felicidade, e quanto mais se aproximava tanto maior era nele a ternura que sentia por ela. Entrou em casa a correr, tanto ou mais emocionado que no dia em que entrara em casa dos Tchierbástski para pedir a mão de Kitty. Esta, porém, acolhera-o com uma expressão tão carrancuda como nunca lhe vira. Quis beijá-la e ela repeliu-o.
- Que tens tu?
- Diverte-te... - disse Kitty, procurando mostrar-se tranquila e mordaz.
Quando, finalmente, falou, foi um nunca acabar de censuras por causa de uns absurdos ciúmes e pelo que sofrera naquela meia hora sentada, imóvel, junto à janela, à espera dele. Só então Liêvin compreendeu pela primeira vez o que não compreendera quando a levara da igreja depois da boda. Compreendeu que não só lhe queria muito, como ignorava, mesmo, onde terminava ela e onde principiava ele, tão dolorosa a sensação de desdobramento que sentira naquele momento. Ao princípio, pareceu magoado, mas não tardou a compreender que Kitty o não podia magoar, visto ser parte dele próprio. Era como quando sucede sentirmos de repente nas costas uma dor aguda e ao voltarmo-nos, com a impressão de que alguém nos feriu, verificarmos tratar-se apenas de uma pancada acidental e não termos outro remédio senão sofrer calados o mal do que no fim de contas só nós próprios somos responsáveis.
Nunca, depois, tornaria a sentir tão intensamente essa impressão.
Custou-lhe encontrar o equilíbrio. Queria demonstrar a Kitty a sua injustiça, mas ao provar-lhe que era ela quem estava em erro, irritá-la-ia ainda mais. Um sentimento natural o compelia a arredar de si próprio a culpa, atribuindo-a a ela, e outro, mais forte ainda, a reparar o sucedido o mais breve possível para não se agravar o desacordo. Ser vítima de uma injustiça era cruel, irritá-la com o pretexto de uma justificação, pior ainda. Muitas vezes acontece lutar um homem que dorme com um sofrimento de que desejaria libertar-se, verificando, ao acordar, que é no fundo dele próprio que o sofrimento reside. Eis como Liêvin teve de reconhecer que o melhor remédio era a paciência.

Não é genial em Tolstói essa capacidade para dizer tão lindamente o que vai dentro da alma de seu personagem e isso que aí vai não é o que há de mais belo no ser humano?

4 comentários:

  1. é genial sim. divina a passagem.
    só senti um pequeno mal estar em achar q ele (Tolstói), que expressa o amor de forma tão mágica, perfeita, não compreende tanto assim a alma feminina, como mtos outros "conseguem", e julga a amada a errada por sentir ciúme. Entende como cobrança, como algo tão errado, e não como uma saudade, uma dor de meia hora de uma vida que, como ele diz, é a mesma a dos dois. Então ela sem ele ficou sem um pedaço, por meia hora. Ele devia se condoer, e não julgá-la assim. E sei que essa opnião é do Tolstói, e não do Liêvnin. Mas enfim, estou lendo e escrevendo bem rápido, posso ter compreendido mal alguma coisa, e ter sido mto exigente, e só o fui pq estava adorando as passagens! (Nunca li Tolstói e o amo mesmo assim!) Obrigada por partilhar,
    bj da kika!

    ResponderExcluir
  2. Ai Kika desculpa-me, a culpa não é do pobrezinho do Tolstói, acho até que foi minha porque, afinal, trouxe apenas um excerto. No contexto, a coisa toda é revelada de um modo mais complexo. Penso que, mesmo que possa ter sido assim, talvez,como você diz (para ela), na verdade, Kitty pegou pesado...rsrsrs ("foi um nunca acabar de censuras por causa de uns absurdos ciúmes") O mais importante, me parece, e o que o autor provavelmente quis passar, foi o contexto das agruras do casal, que começou a se relacionar, pela primeira vez, debaixo do mesmo teto. (Nossa! Por mais que se ame, como isso pode ser difícil, não é mesmo?) Acho o trecho imediatamente seguinte mais equilibrado (em relação ao que você refletiu), pois mostra que nenhum dos dois pode ser, de fato, considerado culpado ou inocente, coitados! Veja lá: "A reconciliação foi imediata. Kitty, embora não o dissesse, reconhecia-se culpada. E, mostrando-se ainda mais terna, a felicidade dos dois maior se tornou. No entanto estas coisas repetiram-se com frequência por motivos fúteis, imprevistos, que a ambos faziam sofrer e muitas vezes de mau humor, pois ignoravam ainda o que para um e outro realmente tinha importância. Aqueles primeiros meses foram penosos para os dois. (...) Depois ambos procuraram safar da memória esses milhares de incidentes ridículos e vergonhosos de um período durante o qual muito raramente estiveram em seu espírito normal. Só no decurso do terceiro mês, depois de alguns dias em Moscou, a vida se lhes tornou mais regular."

    De qualquer modo, o que fica evidente, é que amar é sempre um aprendizado. ;-D

    ResponderExcluir
  3. a pessoa pega o trem andando e quer se intrometer, afff, ansiedade! fica quieta e lê o livro, né?! (quero lê-lo mesmo)
    obrigada, JC,
    bj,
    Kika

    ResponderExcluir
  4. Você é mesmo uma fofa!
    Não seja por isso, querida.
    Eu achei ótima a sua postura!
    Fazia parte do ciúmes da Kitty aquele conjunto de sensações e emoções que você enumerou, com certeza, eu quero acreditar nisso sim!
    Mas que você vai curtir ler o livro, ah, isso vai, com certeza!
    Prepare-se porque é leitura mesmo para quem tinha aquele tempo todo do mundo e que as pessoas deviam ter no século XIX. Eu que leio rápido, estou lendo há uns dois meses já. São dois tomos!rsrsrs
    Ma-ra-vi-lho-so! ;-D

    beijos7

    ResponderExcluir