Em 1986, eu ouvi falar pela primeira vez em Gustav Mahler. E, pela primeira vez, eu ouvi a música do compositor austríaco. Isso porque eu assisti ao filme Mahler, de Ken Russel , estrelado por Robert Powell, que, aliás, é parecidíssimo com o retratado. O filme já era cult desde o seu lançamento em 1974. Porque o diretor já o era etc. Embora eu não tenha entendido por completo a proposta do filme na ocasião (eu só tinha 18 anos), percebi que tal proposta era fazer uma biografia nada convencional da vida do compositor: ressaltando sobretudo suas dificuldades no casamento com Alma Mahler e também a sua "conversão" para o catolicismo, bem como o sofrimento com a perda do irmão, que se suicidou, além do sofrimento com a perda de sua filha, ainda criança. De tudo ficou, de verdade, a impressão incrível que me causou a música de Mahler e que, como já disse, ouvi, pela primeira vez, nesse filme. Diga-se de passagem, somente um cineclube como o Oscarito poderia proporcionar tal oportunidade aos cinéfilos paulistanos de então.
Pois bem, domingo passado, reencontrei-me com Mahler em um outro filme magnífico. Trata-se do documentário Gustav Mahler - Conducting Mahler - I have lost touch with the world, dirigido por Frank Scheffer.
O filme acompanha os ensaios de quatro grandes regentes, especialistas em Mahler, com as orquestras de Viena, Berlin e Amsterdan, durante um Festival que homenageou Mahler, tocando todas as suas sinfonias, em 1995, em Amsterdan. São eles: Claudio Abbado, Bernard Haitink, Riccardo Chailly e Simon Rattle.
Aprendemos muito com esses senhores. Vejam que belíssimas algumas passagens de suas falas e que anotei:
Bernard Haitink: Nós intérpretes somos secundários. Vivemos graças aos artistas. O processo de criação é incrível e nós devemos recriá-lo. Devemos nos aproximar da genialidade dele.
Claudio Abbado: Embora não importe tanto o "texto", é importante saber porque ele estava triste: o quanto foi terrível para ele escrever essa música. Ele dizia: espero que ninguém sofra tanto quanto eu sofri, ao compor essa música. Klemperer disse: não é Shubert. É um homem que recorda com nostalgia Schubert. O que é bem diferente. É bonito, sensual e... triste.
Riccardo Chailly: É um trabalho muito teatral. Ele queria constrastes extremos e excessivos. Descrever em sons ânimos constrastantes, simultaneamente, em lugares contrastantes. Daí sua modernidade.
Claudio Abbado: Quando se ama a música de Mahler, ela é sempre uma nova experiência. Sempre há algo novo, porque a fantasia de Malher não tem limites. Sempre se pode encontrar uma nova experiência nas linhas de uma partitura de Mahler. É sempre algo novo.
Bernard Haitink: Mahler foi um homem que sofreu e que tinha talento para sofrer. Toda a sua vida foi uma luta com tudo. Queria chegar à perfeição na Ópera de Viena e lá enfrentou problemas. Precisava de tempo para compor, durante o verão, suas sinfonias. Nem todas tiveram êxito. Deixou Viena e foi para Nova York, e lá sofreu muitas dificuldades. Sofreu e morreu, tragicamente, muito jovem. Voltou à sua terra para morrer. Foi um homem que sofreu e que tinha talento para sofrer.
Riccardo Clailly: Levitação. Em Mahler a sensação de que os pés deixam a terra.
Perto do final, vemos as frases que Mahler escreveu na partitura da 8ª Sinfonia, dedicada à Alma Mahler:
O beleza! Amor!
Adeus! Adeus!
Vivi por ti!
Morro por ti!
Aviso: Talvez seja necessário assistir duas vezes. A primeira, para chorar copiosamente (foi o que aconteceu comigo) e na segunda vez, mais calmo, para compreender a riqueza de uma experiência humana sem igual.
Sim, sim, Mahler é tudo de bom. Forte, de presença intensa, nem sempre palatável, mas bom até - como pimentões vermelhos, acho.
ResponderExcluirAgora, o que bateu fundo mesmo foi uma saudade imensa do Oscarito, o cineclube que mostrou tanta coisa a tantos de nós. Gente, como é que fomos ficar sem isto?!
Luciana,
ResponderExcluirEu estou tão feliz! Porque descobri que as pessoas de que mais gosto também gostam de Mahler. Não se trata de coincidência, of course...
Sim, sinto muitas saudades do Oscarito, como de tantas coisas boas que acabamos por ficar sem aqui em Sampa. Deus proteja o Belas Artes, por falar nisso! ;-D
beijos