Ainda essa semana escrevi na lateral desse blog a seguinte frase: Quero muito atenuar a impressão moral dos reveses e das decepções que experimento! Uma amiga, a quem me reportei a esse respeito, mandou-me um e-mail lacônico: É facil falar. Entendi, ela queria dizer que o agir segundo esse ideal não é nada fácil. Ainda ontem, pude refletir melhor a respeito, uma vez que, no final do meu expediente, tive um pequeno aborrecimento. Como tudo que é pequeno, ele tendeu a crescer, uma vez que foi alimentado. Assim, chegando ao metrô, somente com o alimento do pensar e repensar o aborrecimento ele era já um aborrecimento adolescente.
Ao tomar o trem em direção ao subúrbio, onde moro, na estação seguinte, ele parou e não prosseguiu a viagem devido a "problemas operacionais", como são treinados a dizer, nesses casos, os operadores de trens. Então, o seguinte seguiu lotado e o aborrecido continuou a viagem sem poder se sentar. A viagem foi morosa, deu tempo de rezar todo um rosário, ler inteiramente o Caderno 2 do Estadão, incluindo os quadrinhos e o horóscopo do Quiroga.
Algo importante de ser assinalado também ocorreu: foi possível esquecer o primeiro aborrecimento e se concentrar nesse outro, ou seja, estar na rua tão tarde da noite fria, com fome etc.
Então, aconteceu, de fato, o que precisava acontecer. Ao tomar uma lotação - o último coletivo no trajeto de volta para casa - sentei-me em um banco, no fundo do micro-ônibus. Na medida em que os passageiros começaram a descer - lá pela metade do curto trajeto que eu faria - comecei a ouvir uma voz que dizia a cada passageiro, não importava quantos fossem os que descessem:
- Boa-noite. Bom descanso.
E, a cada nova parada, a mesma frase ia se repetindo, dirigida a todo aquele que descia:
- Boa-noite. Bom descanso.
Quando, por fim, chegou a minha vez, reconheci aquele jovem negro, sorridente, o cobrador da lotação. Era o mesmo que eu já ouvira dizer às pessoas, quando chegavam ao ponto final da estação de trem:
- Bom-dia. Bom trabalho.
Essa é a frase com a qual ele termina todas as viagens transportando os passageiros pela manhã, e aquela, que agora eu ouvia, era a que dizia, portanto, toda noite, ao fim da viagem de cada passageiro, no retorno de todos para os seus lares.
Esse jovem negro, cobrador de lotação, na periferia de São Paulo, sabe muito mais do que eu e minha amiga que é preciso muito atenuar a impressão moral dos reveses e das decepções que experimentamos!
Sim, falar isso é fácil. Já o que ele faz é ter a atitude que demonstra o alcance natural do ideal de uma vida melhor, quando se pode dizer a todos, sem distinção e sorrindo: Bom-dia. Bom trabalho. Boa-noite. Bom descanso.
Essa fórmula singela, que resume toda uma vida bendita. Bendito sejas, rapaz!
Ao tomar o trem em direção ao subúrbio, onde moro, na estação seguinte, ele parou e não prosseguiu a viagem devido a "problemas operacionais", como são treinados a dizer, nesses casos, os operadores de trens. Então, o seguinte seguiu lotado e o aborrecido continuou a viagem sem poder se sentar. A viagem foi morosa, deu tempo de rezar todo um rosário, ler inteiramente o Caderno 2 do Estadão, incluindo os quadrinhos e o horóscopo do Quiroga.
Algo importante de ser assinalado também ocorreu: foi possível esquecer o primeiro aborrecimento e se concentrar nesse outro, ou seja, estar na rua tão tarde da noite fria, com fome etc.
Então, aconteceu, de fato, o que precisava acontecer. Ao tomar uma lotação - o último coletivo no trajeto de volta para casa - sentei-me em um banco, no fundo do micro-ônibus. Na medida em que os passageiros começaram a descer - lá pela metade do curto trajeto que eu faria - comecei a ouvir uma voz que dizia a cada passageiro, não importava quantos fossem os que descessem:
- Boa-noite. Bom descanso.
E, a cada nova parada, a mesma frase ia se repetindo, dirigida a todo aquele que descia:
- Boa-noite. Bom descanso.
Quando, por fim, chegou a minha vez, reconheci aquele jovem negro, sorridente, o cobrador da lotação. Era o mesmo que eu já ouvira dizer às pessoas, quando chegavam ao ponto final da estação de trem:
- Bom-dia. Bom trabalho.
Essa é a frase com a qual ele termina todas as viagens transportando os passageiros pela manhã, e aquela, que agora eu ouvia, era a que dizia, portanto, toda noite, ao fim da viagem de cada passageiro, no retorno de todos para os seus lares.
Esse jovem negro, cobrador de lotação, na periferia de São Paulo, sabe muito mais do que eu e minha amiga que é preciso muito atenuar a impressão moral dos reveses e das decepções que experimentamos!
Sim, falar isso é fácil. Já o que ele faz é ter a atitude que demonstra o alcance natural do ideal de uma vida melhor, quando se pode dizer a todos, sem distinção e sorrindo: Bom-dia. Bom trabalho. Boa-noite. Bom descanso.
Essa fórmula singela, que resume toda uma vida bendita. Bendito sejas, rapaz!
Ai, Josafá, você tem razão ao apontar as delicadezas de todo dia.... Adoro gente que diz estas coisas a desconhecidos e recebo com alegria até os "vai com Deus" ou "fica com Deus, minha filha". Afinal, quem sou eu para censurar a forma como os bons desejos de estranhos vêm embalados, não é?
ResponderExcluirLilian, querida,
ResponderExcluirNão foi demais essa experiência!?
Depois de ouvir esse rapaz, eu realmente achei que não tinha aborrecimento que pudesse encobrir esse bom desejo embalado e que havia ali na fala do cobrador para todos e, graças, tive sim um boa-noite. Descansei! ;-D
Lindo texto que trata com muita delicadeza o dia a dia sofrido do nosso povo. Parabéns amigo e um ótimo final de semana!!!!!
ResponderExcluirPois é, simples assim, como diz Lenine: "gentileza é fundamental". Os votos que fazemos aos outros todo dia são como mantras: ressoam no ar chegando ao coração de quem pode recebê-lo, organizando seus batimentos e, com isso, a respiração, e, então, alimentando cada uma das células... Gentileza, como se vê, faz bem à saúde do corpo e da alma.
ResponderExcluirBendito seja o tal rapaz e bendita a sabedoria que tem e partilha.
Terezinha querida,
ResponderExcluirQue alegria vc entrar no meu blog e ter gostado dessa mensagem. Sei que seu amor pelos filhos é tão grande que se derrama pelo mundo todo, não é mesmo?
beijos ;-D
Lu,
Além de tudo, ou antes de tudo, é isso também, a gentileza alimenta a alma e alma bem alimentada se traduz em saúde do corpo físico.
beijos ;-D
Esse cobrador é possivelmente um sobrevivente da impessoalidade e indiferença urbanas... Isso mesmo, não nos esqueçamos dele...
ResponderExcluirAdriano,
ResponderExcluirQuando você falou que tinha feito comentários no meu blog eu passei a procurá-los quando vi que essa postagem agora tinha 6 e não mais 5 comentários eu pensei: só pode ser o Adriano!
Que beleza depois de tanto tempo continuarmos amigos não é mesmo? Afinal, amigo é estar nessa sintonia e o que o cobrador consegue ser para cada um: alguém inesquecível. Merci por ter comentado e por vc existir.
emocionante, somente isso.
ResponderExcluirAna Paula Garcia
Ah!! quem dera tivessemos um pouco mais dessas sutilezas não é?
ResponderExcluirComo seria maravilhoso, se todos tivessem o espírito deste lindo cobrador! E que bom, seria ouvirmos estes cumprimentos quando já estamos cansados e aborrecidos pelos infortúnios do dia-a dia que as vezes somos obrigados e enfrentar devido as circunstancia que por um motivo ou outro, apresenta. Ah!como seria bem melhor, se furtássemos a tranquilidade e a beleza desta pessoa, que nos dá, verdadeira lição de educação, alegria e tolerância
ResponderExcluirQue bacana e sensível a sua postagem, Jo! Adorei!
ResponderExcluirO mundo está precisando mesmo de mais sensibilidade e gentileza, como a desse rapaz...
Beijos,
Graciela
Texto perfeito. Sempre. :-)
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