Eu viajava de volta para casa, sentado, no trem. Na minha frente, o assento reservado e de uso preferencial para deficientes, gestantes, pessoas com criança de colo, idosos, e que permanecia vago.
Então, vi um senhor de cabelos brancos sentar-se naquele assento. Ele comia biscoitos de polvilho, que retirava de um saquinho repleto deles. Parecia sentir uma tal satisfação em comer os biscoitos que sua imagem de idoso foi aos poucos, para esse observador, tomando a feição da de um garoto e esse inesperado aconteceu: tive um momento que traduzi como o de epifania.
Pareceu-me que compreendia toda uma parte do mistério. Naquele momento, era bastante nítida para mim essa existência, que começa na fragilidade do berço, do estar em um colo, quando é necessário que alguém cuide do menino homem: para que ele cresça e envelheça; quando, então, um assento será reservado ao homem menino.
É preciso completar todo o ciclo, da fragilidade primeira à fragilidade última.
A mim também me pareceu, que a razão nítida de assim o ser é porque temos todos que cuidar uns dos outros. Por isso somos filhos, somos pais, somos irmãos. Somos cada qual responsável pela construção que fazemos desses papeis, no interior das famílias (qualquer modelo que essa família tenha, desde o tradicional às novas modalidades que vamos dela conhecendo).
Já a família que a humanidade inteira também é, ela sofre tão somente por ignorar essa condição extremamente frágil de cada um dos seus membros.
É como se todos tivéssemos esquecido da criança que fomos e não quiséssemos enxergar a criança que tornamos a ser, quando o invólucro de que somos constituídos precisa de um banco reservado para que, tranquilamente, possamos continuar a viagem, comendo e ainda derrubando no chão os biscoitos de polvilho.
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