segunda-feira, 15 de março de 2010

Maurice Blanchot e a questão do Direito Autoral

Todos sabemos que está em discussão a questão do direito autoral no Brasil, por conta de que há um novo texto da Lei dos Direitos Autorais em estudo. O Alessandro, do Blog Livros e Afins, divulgou uma cópia em PDF da lei, que ele recebera da Denise Bottman.
Sem dúvida, é bom que todos conheçam o texto e participem do debate.
Penso que a questão dos direitos autorais, hoje, é bastante complexa, em tempos de Internet e, portanto, de acesso praticamente ilimitado a tudo o que se produz em termos de texto, música, filmes etc.

Só para que entendamos, no entanto, que tal celeuma não é de hoje, vou divulgar um post que eu descobri em um blog de um pessoal da Galícia (Espanha). Trata-se do blog Cineclube de Compostela. Os tais galegos, por exemplo, defendem que "Compartir non e delito". O post estava escrito em Galego e o meu amigo catalão do blog Bosphorus é quem fez a tradução do galego para o português, eu apenas revisei o texto. Thank you Enric! \o/

Trata-se de um posicionamento a respeito, de ninguém menos do que Maurice Blanchot, o grande escritor e teórico da literatura, francês, que faleceu no início dessa década.

Eu achei muito sofisticado o nível do argumento, como só poderia ser, vindo de Blanchot.

Vejam o original aqui e abaixo a tradução by Enric:



CARTA A UM CINEASTA MOÇO


Em 1986, um jovem cineasta de Orleans, Dominique Emard, realizou J, um filme de vinte minutos de duração, adaptação de um trecho de L’Arrêt de mort (A interrupção da morte), de Maurice Blanchot. Escreveu ao autor através da Gallimard (a Editora), e pediu-lhe licença para difundi-lo em circuitos não comerciais. Esta é a réplica que recebeu pelo correio. O envelope levava um selo datado de 16 de agosto. O título é obra da redação (de Trafic).


"Estimado senhor,
O recente livro de Deleuze sobre Foucault lembrou-me um antigo texto (que, sem dúvida, está na obra L'entretien infini - O entretenimento infinito) intitulado Parler, ce n'est pas voir (Falar, isso não é ver).
Daí minha ansiedade ao ver o texto passar ao visível (a ser uma realidade?). Inclusive a sua leitura em voz alta me dá medo. No mesmo momento em que esse texto veio à luz, faz uns quarenta anos, France Culture me propôs dá-lo a um ator para que o lesse. Eu recusei, a despeito de ser um amigo quem o pedia.
Com meus livros, houve exceções, mas não autorizadas. E a ORTF (Oficina de radiodifusão da televisão de França) fez um pequeno filme a partir de Thomas l’Obscur (La Mort d’Anne), com fotografia colorida e voz de Lonsdale. Eu fiz minha queixa em vão. Daí em diante, soube que eu não era o dono daqueles textos, e que, como autor, não tinha nenhum direito sobre eles, só a condição, justamente, de que não me peçam permissão.
Acerca dessa obra, não me pergunte. Faça como se houvesse transcorrido muito tempo de minha morte e eu fosse incapaz de dar uma opinião de além túmulo.
Caso contrário, você deve falar com a editora Gallimard, possuidora do copyright, e, além disso, da metade dos direitos autorais. Não se preocupe, faça como se eu tivesse, se não os dotes, pelo menos a idade de Homero.
Maurice Blanchot"
(Publicado em Trafic, nº 49, primavera 2004)

Também encontrei aqui, quando procurava uma imagem de Blanchot, a seguinte citação do autor, que me parece tocar na questão primeira com o que devemos nos preocupar, de verdade: Lê-se muito pouco. Eis o fato que nos dissimula a enorme difusão de livros e autores.

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