segunda-feira, 29 de março de 2010

Do bom e do belo em Thomas Mann

Quem já leu o Doutor Fausto, de Thomas Mann, sabe que o livro é uma obra-prima e que também é um livro dolorido naquilo que exprime da natureza máxima e verdadeira de uma amizade, bem como na comoção que é assistir, como amigo, à perda gradual dessa amizade para o abismo absoluto da loucura, no conjunto muito complexo de uma vida, que no livro, atrevo-me a dizer, será expresso muito simplesmente como o desperdício de talento por excesso de ambição. Claro que se trata de um paradigma de ambos, tanto do talento quanto da ambição...
Estou falando dessa obra porque hoje não fui trabalhar (precisei acertar minha situação com o Cartório Eleitoral). Assim sendo, agora à noite, fiquei em casa de boa, curtindo a vida. E, agora há pouco, fui passando os olhos pelos meus livros na estante e vi o exemplar do Doutor Fausto, na tradução de Herbert Caro, da edição da Nova Fronteira. Abri o livro ao acaso e vi que grifara, na época em que o li, diversos trechos. Gosto disso porque é como se eu deixasse daquela leitura a marca do que mais me impressionara numa ou noutra passagem do livro, para que assim, relendo-o no futuro, pudesse fazer uma arqueologia daquela minha passagem pela história ali narrada.

Lembro-me que o narrador é, dentre outras coisas, uma personagem boníssima e em certo capítulo ele conta que duas irmãs, talvez em uma recepção e estando interessadas num pretendente... Enfim, eu teria que reler todo o capítulo para relembrar o contexto, mas fiquemos com isso: a personagem e narrador inspira a confiança de duas moças numa espécie de conluio amoroso. Seja como confidente, seja como alguém que possa expressar uma opinião confiável.

É quando ele, então, nos diz:

Ambas as irmãs confiavam em mim, quer dizer, pareciam atribuir a mim o valor que me capacitasse e me conferisse o direito de julgar outras pessoas. É bem verdade que, para completar a confiança, será necessário que o confidente se encontre, em certo sentido, fora do jogo e assuma uma posição de plácida neutralidade. Tal papel é sempre ao mesmo tempo reconfortante e penoso, já que somente o desempenhamos sob a condição de não estarmos envolvidos nos acontecimentos. Mas, como eu dizia muitas vezes de mim para mim, é preferível inspirar confiança ao mundo e não instigar as paixões dele. Bem melhor é que nos reputem "bom" e não "belo"!

2 comentários:

  1. Você é um leitor como poucos: agudeza e simplicidade ímpares. Acho que isso é coisa altíssima, coisa de quem já está, digamos, liberado da reencarnação...

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  2. Luciana,
    Quer saber minha reação a esse seu comentário?
    Primeiro, dei uma gargalhada boa e, depois, senti meu rosto ficar todo ruborizado!
    bj

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