quarta-feira, 31 de março de 2010

Sob o mesmo teto

O ambiente de trabalho é como se fosse um depositário da condição humana. Há o convívio diário, sob o mesmo teto, de pessoas que não necessariamente escolheram estar juntas sob esse mesmo teto.

Essa condição é muito parecida com a do casamento. Eu lembro-me quando morei com um amigo em um apartamento. Mesmo que não estivéssemos casados, era como se fôssemos, uma vez que vivíamos  sob o mesmo teto. E o horror do que esse teto pode proporcionar a essas vidas é assustador. Só quem viveu a experiência pode entender as agruras dessa convivência cotidiana de duas almas distintas no mesmo ambiente, dia após dia...
(É claro que não estou considerando os casamentos felizes, a raridade na face da terra)
Pois bem, o mesmo acontece no ambiente de trabalho, quando, então, não são apenas duas pessoas. Dependendo do local, em tal ambiente o número de pessoas pode ser bem maior.
No entanto, a condição da necessidade de ganhar o pão diário assim estabelece, ou seja, que elas estejam ali, juntas, diariamente.
Creio que o princípio da solidariedade humana, bem como o da boa vontade é fundamental nessa circunstância.
Não é possível que o interesse meramente pessoal se sobreponha ao interesse da finalidade a que se submetem todos aqueles que trabalham em qualquer lugar que seja.
No entanto, as pessoas, mutáveis como são, podem variar o temperamento a cada dia.
Uma amiga contou-me que, lá onde ela trabalha, um colega de trabalho foi promovido e se esqueceu das agruras da sua condição anterior, ao ponto de tratar seus subalternos do mesmo modo que ele não gostava de ser tratado quando era subalterno. Importante: Ela estava preocupada porque se destemperou com essa pessoa, agora seu chefe.
Na minha opinião, ela devia, primeiramente, fazer uma prece por ele e procurar ver esse convívio, em sua nova configuração, de um modo completamente diferente.
Eu lhe diria o seguinte, quando ele, por exemplo, me cobrasse com urgência uma resolução impossível :
- Claro, não se preocupe. Estou providenciando. Farei rapidinho.
(Essa fala só funciona se você estiver dizendo isso de verdade e sorrindo. Importante: o sorriso também tem de ser verdadeiro)
Talvez a pessoa em questão não esteja preocupada com aquela finalidade e etc. mas tão somente com o exercício do seu poder conquistado. Damos a ela essa coisa pequena e ficamos em paz. Sem destemperos, sem aflição. Amém.
Caso contrário tudo ficara igual, sem maiores mudanças, sob o mesmo teto. Ou pior, talvez se tenha que mudar de emprego o que, hoje em dia, vamos combinar, nem sempre é fácil.

Esse Liniers não é demais?!

segunda-feira, 29 de março de 2010

Do bom e do belo em Thomas Mann

Quem já leu o Doutor Fausto, de Thomas Mann, sabe que o livro é uma obra-prima e que também é um livro dolorido naquilo que exprime da natureza máxima e verdadeira de uma amizade, bem como na comoção que é assistir, como amigo, à perda gradual dessa amizade para o abismo absoluto da loucura, no conjunto muito complexo de uma vida, que no livro, atrevo-me a dizer, será expresso muito simplesmente como o desperdício de talento por excesso de ambição. Claro que se trata de um paradigma de ambos, tanto do talento quanto da ambição...
Estou falando dessa obra porque hoje não fui trabalhar (precisei acertar minha situação com o Cartório Eleitoral). Assim sendo, agora à noite, fiquei em casa de boa, curtindo a vida. E, agora há pouco, fui passando os olhos pelos meus livros na estante e vi o exemplar do Doutor Fausto, na tradução de Herbert Caro, da edição da Nova Fronteira. Abri o livro ao acaso e vi que grifara, na época em que o li, diversos trechos. Gosto disso porque é como se eu deixasse daquela leitura a marca do que mais me impressionara numa ou noutra passagem do livro, para que assim, relendo-o no futuro, pudesse fazer uma arqueologia daquela minha passagem pela história ali narrada.

Lembro-me que o narrador é, dentre outras coisas, uma personagem boníssima e em certo capítulo ele conta que duas irmãs, talvez em uma recepção e estando interessadas num pretendente... Enfim, eu teria que reler todo o capítulo para relembrar o contexto, mas fiquemos com isso: a personagem e narrador inspira a confiança de duas moças numa espécie de conluio amoroso. Seja como confidente, seja como alguém que possa expressar uma opinião confiável.

É quando ele, então, nos diz:

Ambas as irmãs confiavam em mim, quer dizer, pareciam atribuir a mim o valor que me capacitasse e me conferisse o direito de julgar outras pessoas. É bem verdade que, para completar a confiança, será necessário que o confidente se encontre, em certo sentido, fora do jogo e assuma uma posição de plácida neutralidade. Tal papel é sempre ao mesmo tempo reconfortante e penoso, já que somente o desempenhamos sob a condição de não estarmos envolvidos nos acontecimentos. Mas, como eu dizia muitas vezes de mim para mim, é preferível inspirar confiança ao mundo e não instigar as paixões dele. Bem melhor é que nos reputem "bom" e não "belo"!

sexta-feira, 26 de março de 2010

Shaun Tan

Anteontem, eu falava aqui da questão da condição da solidão humana e hoje falo de um livro a respeito desse mesmo assunto só que pensado para crianças. Trata-se de "A árvore vermelha", de Shaun Tan, traduzido por Isa Mesquita, com ilustrações do autor, lançado pela Edições SM.

A menina ruiva, personagem do livro, é conduzida em meio a imagens que são puro sonho, a partir do despertar em mais um dia sem promessas. Assim, passa a errar por uma cidade surreal e catastrófica, e vê sua esperança esvanecer-se sem explicação. Quando, no fim do dia, volta a seu quarto sombrio, ela testemunha o milagre da vida: um minúsculo broto que, graças à luz, num virar de página, se transforma em uma grande árvore vermelha!

Visitando o site do autor, descobri que ele é um artista completo.
Vejam a "versão brasileira" que elaborei a partir das informações que encontrei por lá, em inglês:

Shaun Tan nasceu em 1974 e cresceu nos subúrbios de Perth, Austrália.
Na escola, ele era conhecido com um "bom desenhista" o que compensava parcialmente o fato de ser sempre o mais baixinho da turma. Ele graduou-se com distinção na universidade de WA, em 1995, simultaneamente, em Artes e Literatura Inglesa e, atualmente, trabalha o tempo todo como um artista freelance e autor, em Melbourne.
Shaun começou desenhando e pintando imagens para histórias de terror e ficção científica em revistas de pequena tiragem, quando ainda adolescente, e, desde então, tem sido mais conhecido pelos livros ilustrados que tratam de temas sociais, políticos e históricos, através de um imaginário surreal e fantástico.

Livros como The Rabbits, The Red Tree (A Árvore Vermelha, único título lançado no Brasil), The Lost Thing e o aclamado romance sem palavras The Arrival, têm sido bastante traduzidos na Europa, Ásia e América do Sul e apreciados por leitores de todas as idades. Ele também trabalha como cenógrafo e  trabalhou no cinema para as produções Horton Hears a Who e Wall-E da Pixar. Atualmente, está dirigindo um curta com a Passion Pictures Australia. Seu livro mais recentemente publicado é o Tales from Outer Suburbia.

Ele diz que todo o seu trabalho como ilustrador é baseado, tanto direta quanto indiretamente, na observação pessoal da vida. Ele utiliza a maior parte do tempo possível produzindo uma única pintura, às vezes semiabstrata, mas quase sempre ele desenha coisas bem conhecidas: ruas, parques, praias, pessoas familiares, ou lugares que visitou muitas vezes. Ele é da opinião de que os limites entre "ilustração" e "pintura" são frequentemente tênues. Considera que talvez a principal diferença é que a pintura é mais autossuficiente como ideia pessoal, ou seja, ela é exterior a qualquer outra narrativa.


Agora é com você checar essas informações todas: o site de Shaun Tan é uma delícia de visitar.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Quando a televisão acerta na programação

Esse filme é de 2007 e, no Brasil, todo mundo deve ter assistido quando estreou por aqui, no começo de 2008. Menos eu e minha mãe que o vimos, ontem, quando chegou à TV aberta. Adoro esse tipo de coisa que acontece tão raramente na televisão brasileira: programação de qualidade. Quando terminou a Soap Opera preferida de minha mãe, eu estava chegando e, imediatamente, o filme começou. Logo vi que poderia ser um filme para mãe e filho assistirem juntos.
Eu lembro-me, perfeitamente, de ter lido críticas elogiosas a esse filme, quando ele esteve em cartaz nos cinemas.




Aliás, eu assisti quando a roteirista ganhou o Oscar por esse trabalho, naquele ano. Como diz uma amiga minha, às vezes o Oscar acerta. rsrsrs A cena do Oscar foi essa mesma e sabem por que, na minha opinião, Diablo Cody mereceu o prêmio? Porque ela fez minha mãe e eu rirmos juntos ao ouvir as falas inusitadas da adolescente gravidíssima do filme. E que coisa boa a ausência de clichês! Nós, mal acostumados, ficamos de prontidão esperando os clichês possíveis. Por exemplo, a garota apaixonar-se pelo marido do casal que adotaria a criança que ela resolveu entregar para a adoção. Ou que a madrasta não fosse gente boa, fosse do tipo megera ou, ou... Nada disso aconteceu, o roteiro e as falas extraordinárias das personagens conduziram tudo para a felicidade possível diante de uma situação inesperada e que pode acontecer com qualquer um: engravidar na primeira transa, aos 16 anos.
Achei sensacional a garota descobrir que é amada de verdade, quando vê a relação do casal de futuros pais adotivos ruir. Ela diz uma coisa linda para o garoto: eu sei que você gosta de mim porque quando você fala comigo você não fica olhando para a minha barriga, mas para os meus olhos. Simples assim.
Hoje, uma amiga contou-me que uma das críticas negativas que fizeram ao filme, na época de seu lançamento, trazia a opinião de que não existe, na vida real, adolescentes inteligentes como a protagonista. Essa minha amiga (e eu faço coro com ela) não pensa assim: nós é que nos acostumamos a ver o cinema americano construindo adolescentes estúpidos, ao ponto de não reconhecermos uma garota bacana como a do filme.
Eu, como confio na inteligência humana, achei comovente tudo e, sim, o filme mereceu a repercussão que teve na época e que ainda tem, como se comprovou ontem na sua exibição pela televisão. Nem preciso dizer a quem ainda não assistiu ao filme para que corra para uma locadora, não é mesmo?

quarta-feira, 24 de março de 2010

Felicidade: Como é bom!

Lembrei-me, hoje, de que, certa feita, li o verbete Solidão no Dicionário Filosófico, de André Comte-Sponville. Foi muito interessante, porque ali ele dizia que solidão é condição humana, não há como, sendo gente, não conhecê-la. No entanto, o autor ressaltava que a solidão é diferente do isolamento. Esse último é uma escolha, enquanto que a primeira é condição.

Vim no metrô pensando nisso, ou seja, em quantas vezes nos sentimos solitários porque tão somente nos isolamos e, quantas outras, sem nos isolarmos, mas participando da vida em sociedade, em comunidade - ou seja, nos permitindo o intercâmbio - embora vivamos a solidão essencial, não nos sentimos tão sozinhos, mas tão somente como aqueles que participam da experiência humana do jeito mesmo que ela é possível: na convivência difícil de cada dia e que fica mais fácil quando estamos menos afeitos à tristeza ou decepção, pois é isso o que pode nos levar ao isolamento.
Por conta disso, dessas abstrações filosóficas, procurei por Comte-Sponville, no São Google. Achei uma entrevista publicada, hoje mesmo, no site Planeta Sustentável. Sei que ele é um filósofo materialista, e tudo bem, mas sei também que ele é tão humanista que não há como não ter simpatia pela sua fala e considerar sua contribuição.
Sabemos, por exemplo, que a Felicidade é uma tema recorrente na obra do filósofo. Ele nos diz que ela é o contrário da tristeza e que é preciso partir daí.
O que é a felicidade? Certamente não é uma alegria contínua e estável. Isso não existe, é somente um sonho que nos afasta da felicidade. A felicidade é o contrário da tristeza: sou feliz quando tenho a sensação de que a alegria é imediatamente possível, que pode aparecer de um momento a outro, que ela talvez já esteja aqui, claro que não de maneira permanente, mas com essa facilidade, essa espontaneidade, essa leveza que torna a vida agradável. A felicidade não é algo absoluto, mas como é bom!

Leia a íntegra da entrevista no Planeta Sustentável.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Mafalda y el mundo. Mafalda y yo.

Às vezes me sinto como a Mafalda. A do Quino. Preocupado com o mundo!

Aliás, é muito comum, nas tiras da Mafalda, ela estar ao lado do globo, a representação pura e simples do planeta terra.
Hoje, ganhei uma edição de Mafalda 4tiras de Quino - Ediciones de la Flor. Que delícia!

Em uma das tirinhas, no primeiro quadrinho, Mafalda está ajoelhada em um pufe, olhando para um ponto do globo:

- Noruega. Nadie habla de Noruega.

No segundo quadrinho, vemos um close da figurinha de Mafalda, de braços abertos:

- La gente habla de países en los que hay bombas, huelgas, asaltos, añonazos, crímenes, racismo, revoluciones.

No terceiro quadrinho, a vemos ainda ajoelhada no pufe, com o globo ao lado, olhando para o vazio:

- Pero de Noruega, ni A.

No último quadrinho, na mesma posição, novamente olhando para um ponto do globo conclui:

- Está visto que la violencia tiene mas "rating" que el bacalao.

Também adoro os amiguinhos de Mafalda. Em outra tirinha, dessa edição, Mafalda aparece com um livro aberto na mão e pergunta ao Felipe, que está ao seu lado com o dedinho no queixo:

- ¿Qué te parece esta frase, Felipe? "Conócete a ti mismo".

Felipe, apontando o dedinho para a colega, responde:

- ¡Me parece excelente! ¡Es más: De hoy en adelante comenzaré a ponerla en práctica! ¡Si Señor!

No terceiro quadrinho, Mafalda está com uma expressão feliz e ele já aparece empolgado, dando socos no ar:

¡No voy a parar hasta llegar a conocerme a mi mismo y saber como soy yo realmente!!

No último quadrinho, Felipe está caído em cima de Mafalda e ela em estado de choque, enquanto ele exclama e pergunta:

¡Dios mío!... ¿Y si no me gusto?

O que posso concluir dessa seleção de tiras da Mafalda que quis compartilhar por aqui? Que, atualmente, não gosto em mim do defeito de ainda adoraaaaar comer bacalhau!

quinta-feira, 18 de março de 2010

Shame & Pride

O que fazer quando se está com vergonha? A vergonha é resultante de um sentimento de culpa. A culpa quando expressa um sentimento, nem precisa, no entanto, ser uma culpa objetiva. Quantos sem terem culpa alguma, se sentem culpados!

Penso que o sentimento de culpa e a vergonha daí resultante, quando ocorrem em função de um erro desculpável, em verdade, são expressões de um outro sentimento: o de orgulho ferido.

E orgulho, ferido ou não, convenhamos, não é um sentimento que se deva alimentar. A própria palavra orgulho tem um som desagradável, ao menos em português. Em inglês soa mais agradável: Pride. (mas, é claro, talvez o falante da língua inglesa não pense assim... rsrsrs)

O único orgulho simpático é o tal do orgulho gay, afinal uma afirmação da diferença em relação à norma, quando muitos queriam que a pessoa gay sentisse vergonha de ser o que a própria pessoa afirma ser.

Também gostei de ouvir a palavra orgulho, em uma outra ocasião: eu assistia com um amigo a um filme de Carlos Saura, Bodas de Sangue provavelmente, e, quando saímos do cinema ainda encantados com a performance dos bailarinos do Flamenco, meu amigo afirmou que era bonito ver aqueles homens e mulheres de Espanha dançando: eles são altivos, parecem ter um "orgulho de ser gente." Nesse contexto fazia todo o sentido. Ou seja, em ambos os casos a palavra orgulho apenas nomeia uma outra coisa, ou seja,  um ânimo em relação à equidade: é possível ser gay sem culpa, ou sem vergonha, e, no caso dos bailarinos, é possível e até mesmo preferível ser gente com expressão, ser artista!

A autenticidade, a arte e, por que não?, o verdadeiro amor ainda são os verdadeiros antídotos para toda a culpa e para que possamos viver sem vergonha.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Irina Ionesco - Espelhos de Luz e Sombra

Algo muito importante está acontecendo na Caixa Cultural São Paulo. Estou falando da exposição Espelhos de Luz e Sombra, da fotógrafa francesa Irina Ionesco. A trajetória da artista foi bastante singular. Bailarina, sofreu um acidente e interrompeu a carreira. Então, ganhou uma Nikon, nos idos de 1968, e isso, segundo ela, foi como um "acaso objetivo" o que resultou em um caminho que se abriu como sói acontecer com os caminhos "incubados pelo desejo".

Vejam ainda o que ela nos diz no último parágrafo do texto publicado no portfólio Irina Ionesco Elle-même. Ed. PTYX, Tóquio, 1996, traduzido por Betch Cleinman para o catálogo da exposição na Caixa Cultural São Paulo:

Recebi esta câmera como um mistério. E é, graças a essa mulher, jovem linda e louca, que vivia trancada em um quarto faustuoso, sentada a maior parte do tempo na frente de uma penteadeira psyché composta de três espelhos ovais, onde ela se refletia penteando incansavelmente sua cabeleira luxuriante, que comecei a usar a Nikon F. Calada, assim ela ficava... às vezes ela falava, contando-me do seu desejo de ser bela e de poder congelar sua imagem, impedindo-a de se desfazer. Foi assim que nasceu em mim o imperioso desejo de utilizar a Nikon. Eu lhe propus um dia de primavera de sair de sua tebaida, de vir até a minha casa. Então, eu a enfeitei, a maquiei, eu a criei. E através desse terceiro olho, ela pareceu maravilhosa e imortal... Foi a minha primeira fotografia de mulher. As da minha filha Eva também serviram no início para reter o tempo e o momento presente. A alquimia da lembrança constitui a trama do meu trabalho.


Odalisque, 1980
Le Destin, 1975
Icône Byzantine, 1978
Roumanie, 1977
Jocelyne, 1974
Eva à la Plume, 1978

Depois de ver os quadros, pude assistir a um documentário em que Irina aparece falando. Algo que retive, de tudo o que ouvi, foi quando ela nos conta que as imagens que ela cria, inclusive toda essa produção para as modelos, são um modo de se relacionar com as pessoas que amou, seu pai, sua mãe, e que ela não tem controle sobre o resultado dessas imagens: ela diz que se sente como uma médium, enquanto está trabalhando. Então, eu compreendi tudo, todo o trabalho. Só por ouvir esse fragmento de sua fala. Havia mesmo ali qualquer coisa que me parecia algo imaterial, etéreo e fantasmagórico, incluído aí o barroquismo de certas encenações fotográficas.

Se eu fosse vocês, eu iria correndo ver a esse espetáculo, o de uma mulher que está falando de um outro lugar, que não o meramente banal e cotidiano. Por isso só, a experiência de conhecer tais imagens já é fascinante.

Um detalhe que eu também achei revelador e meigo: A primeira foto é de um gatinho (um felino) e temos ao lado da foto essa inscrição - Esta exposição é dedicada à memória de Brousse, mon amour.

Irina Ionesco - Espelhos de Luz e Sombra
Caixa Cultural São Paulo
Praça da Sé, 111
Informações: (11) 3321-4400
6 de março a 11 de abril de 2010
Entrada Franca \o/

terça-feira, 16 de março de 2010

Um blog nada pessoal and an unbelievable artist

A vantagem de escrevermos em um blog é que o post não é tão definitivo quanto, por exemplo, um artigo de revista ou jornal. Ainda mais sendo esse um blog pessoal, portanto, eu posso rever o que foi dito, repensar, e, por que não?, reescrever, reconsiderar, justificar-me perante o meu leitor, desculpar-me.
Isso, aliás, tem muito a ver com o que certa feita li em um livro de Hanna Arendt, A vida do espírito, ela, judia, dizia em determinada passagem que a principal contribuição de Jesus Cristo para a História, independente do contexto religioso de suas contribuições, foi a de ensinar à humanidade o perdão. Antes dele, os homens estavam condenados a uma única ação para sempre irreparável, eles não podiam recomeçar...

Para quem já leu a versão anterior desse post, nela eu chamava a a atenção para um blog que eu conhecera naquela ocasião. O blog Nada Pessoal, de Denis Pedroso. E eu dizia que "ele tem um blog absolutamente delicioso de acompanhar. Eu considerei o seu blog para além de um espaço descolado. É mais do que isso, trata-se de um espaço de pura positividade, aliás, já o é desde o nome: Nada Pessoal." Imaginem só: eu também chamei o blog de descolado no título desse post. Pois bem, todos sabemos da fragilidade dos adjetivos: "descolado" e "positividade", na verdade não dizem nada. É que talvez eu tenha sido muito pessoal, passando para as pessoas uma impressão que tive naquele momento e ainda sob o efeito de sideração que o trabalho de Yumi Yamashita provocou-me e que lá eu encontrara. E assim, achei que seria suficiente o que tinha dito sobre o blog em questão. A verdade é que o blog do Denis é muito sério e, portanto, são as palavras dele que nos dizem muito mais sobre o que ele pretende com esse blog e que eu recomendo que todos conheçam. Devo dizer ainda que achei muito espirituosa a informação que ele nos dá abaixo de cada postagem, ou seja, que milhões de pessoas já leram cada uma delas e que só falta você. ;-D

Sobre o NP ele diz:
Onde reúno textos sobre literatura, filosofia, cinema e algumas artes plásticas. Para o bem ou para o mal, textos tanto meus, quanto de outros. E quem sou eu? Mais um estudande de Letras e Filosofia, que também estudou Artes Visuais e tem alguma coisa séria com o Cinema.

Pois bem, foi lá que eu fiquei sabendo dessa artista que faz um trabalho que é pura magia. Trouxe o vídeo que estava no blog do Denis e que também está no Youtube, porque eu não resisti. Além de compartilhá-lo eu quero tê-lo bem pertinho de mim.
Não deixem de ver o vídeo: também os jovens que estão no programa são muito engraçados. Mesmo que você não entenda japonês ou não possa ler as legendas em inglês, só de ver o trabalho da artista já ficamos siderados. É um trabalho para além das palavras about it.
E que os anjos protejam Takeshi Kitano, Kumi Yamashita e Denis Pedroso. Amém.





segunda-feira, 15 de março de 2010

Maurice Blanchot e a questão do Direito Autoral

Todos sabemos que está em discussão a questão do direito autoral no Brasil, por conta de que há um novo texto da Lei dos Direitos Autorais em estudo. O Alessandro, do Blog Livros e Afins, divulgou uma cópia em PDF da lei, que ele recebera da Denise Bottman.
Sem dúvida, é bom que todos conheçam o texto e participem do debate.
Penso que a questão dos direitos autorais, hoje, é bastante complexa, em tempos de Internet e, portanto, de acesso praticamente ilimitado a tudo o que se produz em termos de texto, música, filmes etc.

Só para que entendamos, no entanto, que tal celeuma não é de hoje, vou divulgar um post que eu descobri em um blog de um pessoal da Galícia (Espanha). Trata-se do blog Cineclube de Compostela. Os tais galegos, por exemplo, defendem que "Compartir non e delito". O post estava escrito em Galego e o meu amigo catalão do blog Bosphorus é quem fez a tradução do galego para o português, eu apenas revisei o texto. Thank you Enric! \o/

Trata-se de um posicionamento a respeito, de ninguém menos do que Maurice Blanchot, o grande escritor e teórico da literatura, francês, que faleceu no início dessa década.

Eu achei muito sofisticado o nível do argumento, como só poderia ser, vindo de Blanchot.

Vejam o original aqui e abaixo a tradução by Enric:



CARTA A UM CINEASTA MOÇO


Em 1986, um jovem cineasta de Orleans, Dominique Emard, realizou J, um filme de vinte minutos de duração, adaptação de um trecho de L’Arrêt de mort (A interrupção da morte), de Maurice Blanchot. Escreveu ao autor através da Gallimard (a Editora), e pediu-lhe licença para difundi-lo em circuitos não comerciais. Esta é a réplica que recebeu pelo correio. O envelope levava um selo datado de 16 de agosto. O título é obra da redação (de Trafic).


"Estimado senhor,
O recente livro de Deleuze sobre Foucault lembrou-me um antigo texto (que, sem dúvida, está na obra L'entretien infini - O entretenimento infinito) intitulado Parler, ce n'est pas voir (Falar, isso não é ver).
Daí minha ansiedade ao ver o texto passar ao visível (a ser uma realidade?). Inclusive a sua leitura em voz alta me dá medo. No mesmo momento em que esse texto veio à luz, faz uns quarenta anos, France Culture me propôs dá-lo a um ator para que o lesse. Eu recusei, a despeito de ser um amigo quem o pedia.
Com meus livros, houve exceções, mas não autorizadas. E a ORTF (Oficina de radiodifusão da televisão de França) fez um pequeno filme a partir de Thomas l’Obscur (La Mort d’Anne), com fotografia colorida e voz de Lonsdale. Eu fiz minha queixa em vão. Daí em diante, soube que eu não era o dono daqueles textos, e que, como autor, não tinha nenhum direito sobre eles, só a condição, justamente, de que não me peçam permissão.
Acerca dessa obra, não me pergunte. Faça como se houvesse transcorrido muito tempo de minha morte e eu fosse incapaz de dar uma opinião de além túmulo.
Caso contrário, você deve falar com a editora Gallimard, possuidora do copyright, e, além disso, da metade dos direitos autorais. Não se preocupe, faça como se eu tivesse, se não os dotes, pelo menos a idade de Homero.
Maurice Blanchot"
(Publicado em Trafic, nº 49, primavera 2004)

Também encontrei aqui, quando procurava uma imagem de Blanchot, a seguinte citação do autor, que me parece tocar na questão primeira com o que devemos nos preocupar, de verdade: Lê-se muito pouco. Eis o fato que nos dissimula a enorme difusão de livros e autores.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Eliane Lage é a homenageada da II Flipiri

Quando eu morei em Brasília, eu cheguei a ir algumas vezes, para Pirinópolis, cidade goiana situada a cerca de 140 km da capital federal. O lugar é magnífico com aquele cerrado nativo, suas cachoeiras de beleza exuberante, igrejas antigas, museus, artesanato popular, comidas típicas, um lugar que exala a cultura local e que tem aquele aconchego muito característico das cidades históricas brasileiras.


Somente hoje, descobri que está acontecendo, desde ontem, neste lugar encantador, a II Festa Literária de Pirenópolis – Literatura e Cinema - a II FliPiri. A abertura da festa foi ontem, 11 de março, no Teatro de Pirenópolis, quando aconteceram palestras dos escritores brasileiros Moacir Scliar, Ignácio de Loyola Brandão e André Neves.

No Estadão, Ignácio de Loyola falou-nos, hoje, da homenagem à escritora Eliane Lage da qual ele participará amanhã, dia 13 de março, às 20h, no Cine-Teatro Pirineus. A crônica do Ignácio é emocionante porque ele fala da importância da atriz de Sinhá Moça e ainda lamenta a não presença, no evento, do grande Anselmo Duarte, já falecido. Recomendo a leitura.

A atriz e escritora franco-brasileira Eliane Lage, autora da autobiografia Ilhas, Veredas e Buritis (ed. Brasiliense/2005), após uma longa experiência de vida e suas inúmeras viagens pelo mundo, escolheu Pirenópolis como sua cidade. Quem conhece o lugar sabe que ela tem toda razão de querer viver essa, que provavelmente pode estar sendo uma ainda melhor idade, na melhor cidade para se viver no centro do Brasil.





II FLIPIRI, Festa Literária de Pirenópolis - Literatura e Cinema
Cidade de Pirenópolis – Centro Histórico - GO.
De 11 a 14 de março de 2010.
Das 8 às 22h.
Entrada gratuita.
Classificação Indicativa: Livre para todos os públicos.
Informações: http://www.pirenopolis.go.gov.br/

quinta-feira, 11 de março de 2010

Alice Brilha

Eu já tinha ouvido falar de Alice Brill e seu Batik, mas muito por um acaso. Acabei de saber que a artista de 90 anos está sendo homenageada pelo Sesc Pompeia na mostra O Batik de Alice Brill, que abre hoje. Ali vamos poder conferir seus trabalhos em telas e roupas, há até um vestido de seda que ela própria usava. Além das telas em papel de arroz e que somente a artista associou à técnica do Batik.
Fico pensando na importância dessa artista cuja longa vida é admirável. Primeiro porque fugiu do nazismo na Alemanha quando tinha apenas 13 anos e veio com a família para o Brasil. Fotógrafa, registrou a vida brasileira e paulistana nas décadas de 50 e 60. Eu não fui ver a sua mostra de fotografias, recentemente organizada pelo Instituto Moreira Sales e que guarda seus milhares de negativos, mas vendo essas imagens sei que perdi uma exposição e tanto.



Devemos a ela e a seu marido a fundação do MAM/SP. Penso que essa dívida não é pouca para uma cidade como São Paulo, sobretudo devido a importância do Museu de Arte Moderna para nossa vida cultural. Outro traço admirável da sua biografia é que, além de artista, Brill estudou Filosofia na PUC e ainda concluiu um Mestrado em Estética na FFLCH USP e, aos 72 anos ;-o, doutorou-se na ECA-USP. Sua tese fala do Batik.
A busca de cada um é sempre única, mas são também por esses exemplos de vida que todos podemos ir compreendendo o que é possível fazer de melhor com a nossa própria vida.
.

Salve Alice! \0/

O Batik de Alice Brill

Sesc Pompeia - r. Clélia, 93, Pompeia, São Paulo (SP) - (11) 3871-7700
terça a sexta, das 9h às 22h; sábados, domingos e feriados, das 9h às 18h.
Até 2 de maio
Grátis. Oba! \0/

quarta-feira, 10 de março de 2010

Uma Galeria Gentil com o povo do Saara, no Rio de Janeiro

É uma surpresa boa visitar o site de A Gentil Carioca. Foi o que fiz ontem. Ali, descobri um projeto que considerei muito apropriado para uma galeria de arte e ainda mais quando ela se localiza em um dos bairros mais populares do Rio de Janeiro, ou seja, a região denominada Saara, na Praça Tiradentes, Centro do Rio. O projeto, propriamente, é o Parede Gentil. De tempos em tempos, eles convidam os artistas que expõem na galeria para criar uma obra que tome a parede do lado de fora, na rua. No site, eles não dizem qual projeto está sendo pensado para agora, mas esse foi o mais recente e ficou até o final do último janeiro:


Em "Se essa rua fosse minha", Carla Zaccagnini compilou os nomes de ruas dos arredores e eles foram reunidos em toda a extensão da parede, algumas sílabas desses nomes são ressaltadas, sugerindo novos nomes e que nascem a partir do nome próprio da rua. Assim, a Rua Luiz de Camões pode sugerir a palavra Razões, por exemplo.  

Os responsáveis pela galeria, os artistas Laura Lima, Márcio Botner e Ernesto Neto dizem, no site, que a GENTIL já nasceu misturada para captar e difundir a diversidade da arte no Brasil e no mundo. Crê que cada obra de arte é um cadinho cultural com potência de irradiar cultura e educação. Assim como pensar, fazer, documentar e transformar a história, a GENTIL é um lugar para revitalizar contextos, sejam artísticos ou políticos. Seu endereço fixo toma lugar de concentração e irradiação da voz de diferentes artistas e idéias. A GENTIL também preconiza a ampliação do campo de ação potencial da arte ao estimular a rede de colecionadores e amantes da arte em geral. A GENTIL CARIOCA quer potencializar novas formas de convivência com a arte e intensificar o debate crítico-artístico, atento às inúmeras delicadezas de seu pensar, sua sagacidade, seu sentido criador e transformador.

Outras paredes:







17 de Setembro de 2005
Artista: Julia Csekö
Título: Parque de diversão para a cabeça
Patrocinador: Paulo Vieira















4 de Fevereiro de 2006
Artista: Dane Mitchell
Título: Abrigo
Patrocinador: Gilberto Chateaubriand
















19 de Agosto de 2006
Artista: Marinho
Título: Sem título
Patrocinador: Ted Decker












25 de Novembro de 2006
Artista: Botner e Pedro
Título: Parede Cega
Patrocinadores: Andréa e José Olympio Pereira

















28 de Abril de 2007
Artista: Guga Ferraz
Título: Cidade Dormitório
Patrocinador: Felipe Wright













28 de agosto de 2007
Artista: Carlos Contente
Título: Hit Parede
Patrocinador: Mariano Marcondes Ferraz












26 de janeiro de 2008
Artista: Fernando de La Rocque
Título: Colônias
Patrocinador: Guilherme Magalhães Pinto Gonçalves


Detalhe






28 de junho de 2008
Artista: Carlos Garaicoa
Título: Abstrações(aconteceu em outro lugar)
Patrocinador: Luiz Augusto Teixeira de Freitas











Depois de tudo isso, eu estou decidido a visitar A Gentil Galeria, na próxima vez que eu for ao Rio de Janeiro.

terça-feira, 9 de março de 2010

Tem gente que é assim: pura luz na noite

Essa descoberta devemos ao Leonardo Pastor do blog Visceras Literárias. Ele falou-nos de uma intervenção artística e urbana que aconteceu em New York, organizada pelo coletivo de arte anônimo Luzinterruptus que leva a cabo instalações em espaços públicos e usam a luz como matéria-prima e a noite como tela.

Leonardo ressaltou esse trabalho com livros e luz em uma das ruas da big apple, a que chamaram Literatura versus Tráfego. Mas eles já passaram, iluminando, em outros lugares:




Visitando o site dos caras (estou falando no masculino, mas nem sei se há alguma mulher no grupo: eles são anônimos...), descobri que o Luzinterruptus é um coletivo cujo time é composto de três membros e eles vêm de diferentes formações como arte, iluminação e fotografia. Dizem que querem empregar a criatividade que possuem em uma ação comum, deixando luzes como um protesto, para que, então, as outras pessoas apaguem-nas.

Eles também dizem que o nome deles tem muito a ver com o método do trabalho que empregam, uma vez que "Luzinterruptus" significa Luz interrompida: que é o que acontece com as lâmpadas instaladas, logo após elas terem sido deixadas nas ruas.


Essa intervenção aconteceu nos arredores de Madri. A idéia era levar os barquinhos de luz ao mar, via linha férrea.
Chiquíssimos! \o/