sexta-feira, 8 de maio de 2009

Povo de Santo



Quem mora na periferia de São Paulo, como eu, sempre teve um contato maior com os diferentes grupos que ali convivem, inclusive com os grupos que seguem as diferentes religiões que congregam, cada qual, seu povo dentro de suas igrejas. Isso acontece sempre e desde muito cedo na vida do morador de São Paulo. As crianças, levadas por seus familiares, frequentam o interior das igrejas católicas, ou protestantes, ou os chamados centros espíritas ou ainda os terreiros destinados aos cultos afro-brasileiros.
Na minha experiência, só frequentei, com maior assiduidade até o fim da adolescência, o interior da Igreja Católica, daí minha fé estar ligada e ter sua representação, no que posso chamar hoje, de um cristianismo todo particular, mas de base católica. Isso não significa que fecho com o que dentro dessa instituição não concordo. Ainda bem que a fé é regida por outros ditames que não o das doutrinas fechadas de cada religião. Amém.
Uma questão, que cada vez mais orienta o meu modo de pensar sobre esse Mistério - o das religiões -, é a do necessário caminho do Ecumenismo, ou seja, poder conviver com as diferenças religiosas, respeitando-as e, se possível, em diálogo.
No entanto, ninguém está nesse mundo vasto e diverso sem sofrer do mal do hábito que, de verdade, é o que gera preconceito. Proust já dizia: Não fora o hábito, a vida deveria parecer deliciosa aos seres que estivessem ameaçados de morrer a todo instante, isto é, todos os seres humanos.
Convivi, nos ensaios de um bloco de carnaval do meu bairro, com os adeptos do Candomblé e algumas vezes percebia o quanto eu era ignorante a respeito da cultura desse povo chamado povo de santo e o tempo todo, por conta disso, eu podia cometer gafes, e ser indelicado, diante das manifestações típicas do comportamento do povo de santo. A melhor maneira de melhorar nos nossos modos de ser é ainda se informando e, de preferência, com o coração aberto. Assim sendo, procurei ler um livro sobre o assunto e de pessoa gabaritada.
Trata-se do livro Xirê! - o modo de crer e de viver no Candomblé, de Rita Amaral, doutora em Antropologia Social e pós-doutorada em Etnologia Afro-Brasileira pelo Museu de Arqueologia e Etnologia, ambos pela Universidade de São Paulo, onde organizou as coleções de peças religiosas afro-brasileiras. Ela estuda as religiões de influência africana desde 1986 e fez parte da equipe de pesquisa de Reginaldo Prandi, que estudou pela primeira vez o candomblé de São Paulo. Tem diversos artigos sobre o tema e atualmente desenvolve estudos sobre antropologia e hipermídia.
Segundo Vagner Gonçalves da Silva, professor do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, Rita Amaral demonstra que um dos principais aspectos do candomblé – e das demais religiões de influência africana no Brasil – é o caráter festivo que impregna suas cerimônias públicas, nos quais a festa traduz em vários planos a percepção de que o contato entre o mundo dos deuses e dos homens é um momento singular e a experiência do sagrado deve ser vivida como um deleite de todos os sentidos humanos.
Nesse livro, a autora demonstra ainda que a festa revela a importância da dimensão lúdica na constituição do candomblé como religião que valoriza a alegria, o prazer, o dispêndio, a sensualidade, o corpo, a vida, gerando um estilo de vida singular e plausível de ser reconhecido pela sociedade em geral. Um dos aspectos muito importantes do livro, na minha opinião, é que sua autora apresenta o mundo do candomblé com uma riqueza enorme de detalhes cotidianos, assim, quem convive ou conviveu com o povo de santo, no cotidiano da cidade, tem esclarecido diversos aspectos da peculiaridade de seu modo de ser. Serviu-me imensamente a leitura, posso agora compreender alguns aspectos dessa manifestação religiosa que antes eu não compreendia e, portanto, tinha muito mais dificuldade para assimilá-los tão somente como traços possíveis de um modo de vida.
É preciso que admitamos, com a personagem Riobaldo, do Grande Sertão Veredas, de Guimaraes Rosa, que a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça para o total.

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