sábado, 9 de maio de 2009

Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra


Ler esse romance de um dos mais importantes escritores africanos de hoje, o moçambicano Mia Couto, é como rezar preces de um rosário infinito. É ler com a alma de joelhos, o coração elevado. É também um reencontro com uma língua portuguesa que desconhecíamos. Língua preciosa porque sem preciosismos, pura na sua riqueza poética de uma textualidade que pode lapidar jóias como essa: A vontade é de chorar. Mas não tenho idade nem ombro onde escoar tristezas. Entro na cabina do barco e sozinho-me num canto.

É uma leitura pausada: a cada palmo de texto é preciso parar, acolher as lágrimas, então, secar os olhos e, entre suspiros, retomar a leitura em que se aprende, sobretudo, o que é da ordem da magia, como nessa passagem:


- Tio, a mulher caiu no rio!

Abstinêncio fica perturbado. Ele que nunca se alterava ergue os braços, alvoroçado. Espreita as ondas, mãos crispadas na borda da embarcação. Urge que seja dado o alarme. Vou empurrando para me chegar à sala de comando. Mas, logo, alguém me sossega:

- Não caiu ninguém, foi o vento que levantou um lenço.

Sinto, então, um puxão no ombro. É Miserinha. A própria, cabeça descoberta, cabelo branqueado às mostras. Se junta a mim, rosto no rosto, num segredo:

- Não se aflija, o lenço não tombou. Eu é que lancei nas águas.

- Atirou o lenço fora? E porquê?

- Por sua causa filho. Para lhe dar sortes.

- Por minha causa? Mas esse lenço era tão lindo!
E agora, assim desperdiçado no rio...

- E depois? Há lugar melhor para deitar belezas?

O rio estava tristonho que ela nunca vira. Lhe atirara aquela alegria. Para que as águas recordassem e fluissem divinas graças.

_ E você, meu filho, vai precisar muito de boa protecção.

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