terça-feira, 24 de março de 2009

Revisitando o bondoso Machado


Iniciei-me nos estudos literários quando eu era adolescente e o fiz, em parte, auxiliado pela escola (ainda que muito pouco auxiliado por ela) e, evidentemente, a partir da literatura brasileira. Foi quando conheci Machado de Assis. Nessa oportunidade, pude ler quase toda a obra do nosso bruxo.

Depois, quando iniciei o curso de letras na USP, reli suas obras principais, para a disciplina ministrada pelos Professores José Miguel Wisnik e Nádia Batella Gotlib. Mais adiante no tempo, ainda tive oportunidade de trabalhar alguns textos de Machado com os meus próprios alunos, quando lecionei para o Ensino Médio.

Já faz algum tempo que não retomo Machado e, por essa razão, hoje senti muitas saudades de seus escritos. Fui procurá-los na sua casa. Ao entrar no site da ABL, deparei-me com um link que remetia aos discursos que Machado proferira em vida. Selecionei esse trecho de um discurso que ele proferiu no Passeio Público da capital da República, ao ser inaugurado um busto do Poeta Gonçalves Dias, aos 2 de junho de 1901:

Dizem que os cariocas somos pouco dados aos jardins públicos. Talvez este busto emende o costume; mas, supondo que não, nem por isso perderão os que só vierem contemplar aquela fronte que meditou paginas tão magníficas. A solidão e o silêncio são asas robustas para os surtos do espirito. Quem vier a este canto do jardim, entre o mar e a rua, achará o que se encontra nas capelas solitárias, uma voz interior, e dirá pelo rosário da memória as preces em verso que ele compôs e ensinou aos seus compatrícios.

Quando os discursos do próprio Machado terminam naquela página, então, encontramos um de Rui Barbosa a que chamaram "Oração fúnebre proferida a 30 de setembro de 1908, na câmara ardente do escritor [Machado de Assis], na sede da Academia Brasileira de Letras, ao partir o enterro", aqui chamarei a atenção para esse trecho:

Não é o clássico da língua; não é o mestre da frase; não é o árbitro das letras, não é o filósofo do romance; não é o mágico do conto; não é o joalheiro do verso, o exemplar, sem rival entre os contemporâneos, da elegância e da graça, do aticismo e da singeleza no conceber e no dizer; é o que soube viver intensamente da arte, sem deixar de ser bom. Nascido com uma destas predestinações sem remédio ao sofrimento, a amargura do seu quinhão nas expiações da nossa herança o não mergulhou no pessimismo dos sombrios, dos mordazes, dos invejosos, dos revoltados. A dor lhe aflorava ligeiramente aos lábios, lhe roçava ao de leve a pena, lhe reçumava sem azedume das obras, num ceticismo entremeio de timidez e desconfiança, de indulgência e receio, com os seus toques de malícia a sorrirem, de quando em quando, sem maldade, por entre as dúvidas e as tristezas do artista.

O ressaltar da bondade de Machado irá também aparecer nessa Crônica de Euclides da Cunha, e que aparece na sequência, intitulada "A Última Visita". A ABL informa que ela foi publicada no Jornal do Commercio, em 30 de setembro de 1908, e que foi reproduzida no dia 1 de outubro, por ter saído com incorreções. A referência à sua bondade surge nesse trecho:

Realmente, na fase aguda de sua moléstia, Machado de Assis, se por acaso traía com um gemido e uma contração mais viva o sofrimento, apressava-se em pedir desculpas aos que o assistiam, na ânsia e no apuro gentilíssimo de quem corrige um descuido ou involuntário deslize.
Timbravam em sua primeira e última dissimulação: a dissimulação da própria agonia, para não nos magoar com o reflexo de sua dor. A sua infinita delicadeza de pensar, de sentir, e de agir, que no trato vulgar dos homens se exteriorizava em timidez embaraçadora e recatado retraimento, transfigurava-se em fortaleza tranqüila e soberana.

E gentilissimamente bom durante a vida, ele se tornava gentilmente heróico na morte...

Que coisa muito boa eu ter matado minhas saudades e ter encontrado no seu exemplo, lembrado por tais testemunhos, forças para alimentar, também em mim, o desejo de ser bom.

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