terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Sabiá lá na gaiola fez um buraquinho. Voou, voou, voou, voou.



Quando volto do trabalho para casa, utilizo o transporte público. Acho isso muito bom, porque em uma cidade como São Paulo, se eu utilizasse um automóvel eu viveria em constante estresse: são milhares de carros nas ruas. O metrô e o trem, que são meus principais meios de transporte, têm cumprido o seu papel na minha vida, mesmo com todas as dificuldades: é um serviço público, mas caro e ainda ineficiente. No entanto, ao descer na estação mais próxima da minha casa, há tão somente duas opções: posso caminhar, quando estou com disposição, e é exatamente o que faço amiúde, ou posso pegar um veículo, um microônibus a que chamamos de lotação, para gastar menos tempo no pequeno trajeto que devo percorrer. Esse meio de transporte é assim chamado porque está sempre cheio de passageiros, sendo um veículo pequeno. Hoje, foi o que fiz. Sentei-me no fundo, de frente para o pequeno corredor entre as poltronas.
Então, entrou um passageiro, alto e forte, um senhor que aparentava ter entre 40 e 50 anos. Ele segurava uma gaiola de passarinho, que estava coberta por uma capa de tecido. Imediatamente senti desprezo por aquela criatura. Há séculos eu não via uma gaiola de passarinhos, cheguei a pensar exatamente isso, que achava que a última gaiola com passarinho que vi fora na minha infância, então, ainda existem pessoas que prendem pássaros em gaiolas?
Como a lotação começou a lotar, o homem e sua gaiola estavam em má situação. Uma moça sentada ofereceu-se para segurar a gaiola. Também pensei: Está aí uma gentileza que eu não poderia fazer, segurar uma gaiola. O homem achou melhor não. Ela perguntou se havia um pássaro dentro da gaiola o que ele confirmou e, então, ela também achou melhor não segurar. Eu senti-me cúmplice da moça, talvez ela tivesse se oferecido para segurar para ter oportunidade de confirmar aquele horror!
Acho que já deu para notar que eu estava com raiva daquele homem. Não era pouca, era muita raiva, ainda mais sendo um homem imenso e que segurava a gaiola com um dedo só. E o pássaro preso dentro da gaiola, na escuridão. Mas não é proibido transportar animais em veículos de passageiros? - também pensei. No entanto, como não consigo sentir raiva, demasiadamente, quando percebi esse meu sentimento, imediatamente, o homem também pareceu-me ridículo, segurando a gaiola como estava, e eu comecei a achar que o problema ali era que aquilo podia ser configurado tão somente como uma burrice do homem. E foi quando lembrei desse texto que lera enquanto viajava no trem, minutos atrás. Trata-se do mesmo livro de que falei no post anterior, aqui será Borges tratando da relação entre A Ética e a Cultura:

Penso que uma pessoa culta tem que ser ética. Por exemplo, costuma-se pensar que os bons são bobos, e que os malvados são inteligentes, e eu acho que não, eu acho que, de fato, é ao contrário. Geralmente, as pessoas más são ingênuas também: uma pessoa atua mal porque não imagina o que a sua conduta pode produzir na consciência dos outros. De modo que eu penso que, na verdade, existe inocência na maldade e inteligência na bondade. Além disso, a bondade, para ser perfeita – creio que ninguém chega a uma bondade perfeita – tem que ser inteligente. Por exemplo, uma pessoa boa, e não muito inteligente, pode dizer coisas desagradáveis para os outros, porque não se dá conta de que são desagradáveis. Por outro lado, para ser boa, uma pessoa tem que ser inteligente, porque, caso contrário, sua bondade será... imperfeita, por dizer coisas incômodas para os outros sem se dar conta.

Fiquei impressionado como um exemplo para o que eu acabara de ler viera a galope, em uma espécie de demonstração até mesmo anacrônica. Lembrando-me dessas palavras do sábio argentino, acalmei-me, em relação a toda aquela raiva que sentira, afinal não podemos corrigir a toda maldade que existe no mundo se sua causa é tão extremada, não é verdade?

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