Hoje eu estive na Rua 25 de março, que é bem pertinho de onde eu trabalho. Essa rua é muito conhecida porque é um centro de comércio popular. As pessoas sempre falam muito bem dela. rsrsrs Fazia muito tempo que eu não passava por lá. Eu tinha que comprar uma cortina que prometi dar de presente para um casal recém-casado e disseram-me que havia uma loja ali com muita variedade e bom preço. No entanto, a única loja de cortinas que encontrei estava fechada. Então, fiquei andando pela rua muito lentamente (são milhares de pessoas transitando) e... cheguei à conclusão de que não gosto desse expediente. Achei as pessoas todas estressadas no seu afã de consumir. E, assim sendo, até quem era bonito parecia feio. Também achei tudo de péssima qualidade. Uns artigos absolutamente convencionais. Não há muita criatividade ali. É uma rua toda feita de pastiches.
Voltei de lá energeticamente carregado, senti-me mal, um horror! Querem saber o que me salvou? Uma visita ao blog Chainsaws&Jelly. Trouxe todas essas imagens desse sítio que é muito mais interessante do que a 25 de março! Eles reúnem tudo o que há de mais alternativo, criativo. Eu gosto mesmo é disso, do que sai do convencional e banal e do que não é somente comercial.
As imagens pertencem a diferentes criadores, e estavam cada qual em diferentes posts, of course. Alguns desse ano e outros do ano passado. Eu fiquei um longo tempo curtindo todo o blog. Sugiro que quem quiser conhecer essas fontes visite esse blog que definitivamente não é careta!
Sabe quando você entra em um elevador e ouve uma conversa já iniciada entre os interlocutores e, portanto, só ouve uma frase solta? Pois bem, foi o que aconteceu comigo ontem, quando ouvi um rapaz dizer: "É, tolerância zero..." Imediatamente pensei: nunca gostei desse slogan. Então, sai do elevador pensando na questão da tolerância. Creio que o substantivo ou mesmo o verbo tolerar já são suspeitos, pois se temos de tolerar... Mas são palavras que existem e como todas as palavras servem de roupagem para o espírito de uma atitude, e, portanto, um modo de ser e estar no mundo.
Era a hora do meu cafezinho e saí à rua. E, naquele momento, tínhamos um sol claro e generoso banhando os paulistanos que transitavam pelo centro. No centro de São Paulo, algumas ruas são chamadas calçadões porque nela não transitam carros, apenas pedestres. Sentindo o sol e vendo toda aquela gente descansada pelo bem-vindo intervalo da chuva, pensei que viver é uma aventura possível, apesar de tudo.
Penso que é possível porque o exercício delicado de tolerância a que somos submetidos, diariamente, já é por si só instigante. Quanta gente encontramos todos os dias, e que são verdadeiros poços de mistério, o qual se revela, aos poucos, por meio das contradições de cada um.
Em um único dia, podemos ouvir de tal pessoa um elogio e de outra um xingamento. Quiça um flerte da pessoa certa, ou mesmo da pessoa errada. Além dos aborrecimentos que virão, irremediavelmente, fruto das atitudes dessas mesmas pessoas, a cada dia. Sim, a disposição em tolerar isso tudo e o que mais vier é deveras instigante, realmente.
Sobretudo, quando sabemos que só se tolera a alguém, buscando as forças mais generosas que possam ser encontradas dentro dessa pessoa tolerante (o adjetivo é mais bonito do que o verbo, vejam só). Para muitos, essa força pode ser encontrada na própria educação, no ser civilizado, e no compartilhar as regras de urbanidade. No entanto, acho que essa polidez não é suficiente. Afinal, lembro-me de ter lido, em algum lugar, que ser polido por polidez não é educado, isso seria uma contradição que anularia a própria força e o sentido da polidez. Talvez tenha sido Merleau-Ponty quem tenha dito isso, a ver. Assim sendo, entendo que a polidez só funciona quando é predisposição verdadeira do espírito.
Resta saber como conhecermos tão bem nosso próprio espírito a ponto de ele estar afinado naquele instante mesmo no qual o que se pede é o que seria uma espécie de tarde de estio da alma. É deveras um desafio ter o espírito como essa tarde solar mesmo que a tempestade mais tormentosa se instaure em um encontro, dentro de um elevador, por exemplo. Vejam só, já não seria mais do que instigante o exercício da tolerância necessária nesse tipo de circunstância e que a própria vida, sem avisar, trata de engendrar?
Luis Melo nasceu em Portugal em 1981. Ele gosta de pintar, tocar congas e de cozinhar comida picante. Atualmente, vive em Lisboa fazendo videogames e tocando em uma banda de música latina. Adora música cubana, jazz, funk, soulful music em geral e de dançar. Diz que quer continuar fazendo o que faz e aprender mais sobre música e ilustração, além de querer aprender a dançar salsa. Ultimamente, ele gostaria de ser grande no Japão mas ainda deve dar alguns passos na sua lista de prioridades. Ele tem também um blog o Sketchitos que eu achei muito bonito mas ali ele não postou mais nada desde outubro do ano passado.
Eu trouxe os trabalhos de que mais gostei para cá, para deleite dos nossos olhos, mas lá, no site do rapaz, você poderá ver que o seu trabalho é ainda mais rico e diverso.
Quando eu estava lendo a Introdução de João Meirelles Filho para seu livro Grandes Expedições à Amazônia Brasileira, deparei-me com essa frase do autor: Ao escrever essa obra, muitas perguntas vêm à tona, de bubuia. Eu nunca tinha ouvido essa última palavra que ele empregou. Inicialmente fiquei chocado, então, eu, no alto dos meus 42 anos, desconheço uma palavra da língua portuguesa! rsrsrs
Sei que parece absurdo nutrir esse tipo de sentimento, mas pode acontecer de ficarmos aborrecidos por desconhecermos uma palavra da própria língua, ainda mais quando frequentamos o dicionário com tanta frequência, quanto eu o frequento. Evidentemente, também fiquei ao mesmo tempo feliz, como sempre acontece quando aprendo algo novo: posso agora incluir bubuia no meu vocabulário individual, que maravilha!
Descobri, então, que bubuiar é o mesmo que boiar, flutuar e que é uma palavra de origem Tupi, a língua dos nossos ancestrais indigenas, os brasileiros anteriores a todos nós.
Comentei com uma amiga que eu tinha aprendido uma palavra nova! Mania de professor que adora divulgar novos conhecimentos. rsrsrs Mas minha amiga, que não é nenhum um pouco boba, disse-me que já conhecia a palavra: "Ah, é da música da Céu!". Pronto. Fiquei siderado. Então, existe alguém que se chama Ceú e que "canta" Bubuia!
Nesse fim de semana, minha amiga enviou-me o arquivo com a música.
Compreendi tudo: há uma moça linda, cantora encantadora, que inclusive chama-se Céu. Sim, ela pode bubuiar e antes de todos nós! ;-D
Bubuia
já que não estamos aqui só a passeio
já que a vida, enfim, não é recreio
eu vou na bubuia, eu vou
flutuo, navegando, sem tirar os pés do chão
365 dias na missão
eu vou na bubuia, eu vou
subo o rio no contrafluxo à margem da loucura
na fé que a vida após a morte continua
eu vou na bubuia, eu vou
entoa uma toada em dia de noite escura,
na sequência, na cadência, na fissura,
eu vou na bubuia, eu vou suave bebendo água na cuia
olho aberto, papo reto o peito como o samba
nenhum receio do lado negro da lua, que me guia,
na bubuia eu vou, na bubuia, eu vou..
o destino é um mar onde vou me desfazer
com o pente a deslizar na correnteza do viver
na bubuia eu vou... eu vou na bubuia eu vou...
São Paulo é querida e ponto. Acho até que quase não há mais o que cantar em relação a essa cidade e os milhões de habitantes que ela possui e que a cada instante colaboram na sua metamorfose. Nesse aniversário da cidade, não senti desejo de ir aos eventos de comemoração e tampouco a chuva deixaria que eu saisse de casa. ;-(
Uma coisa tão somente foi suficiente para me alegrar nesse aniversário em que se comemora os 456 anos da cidade: ganhamos a segunda edição da Cow Parade. Na primeira ocasião em que as vacas se exibiram por São Paulo, em 2005, eu e todo mundo amamos. \o/\o/\o/
Agora, elas estão de volta. É um rebanho de cerca de 70 vaquinhas.
Há um mapa para encontrá-las pela cidade.
Abençoados esses artistas suíços, Walter Knapp e Pascal (pai e filho), que criaram o conceito e os moldes das esculturas em formato de vacas e que iniciaram essa Parade das vaquinhas pelo mundo. Isso foi em 1998. Soube que, depois de uma década, o evento já é reconhecido como um dos mais importantes do mundo, tendo sido criadas mais de 4 mil vacas em todos os continentes.
Essa é a Cowfeína, de Alê Brazil, a artista que também tem um blog muito simpático o 3 Bonecas Ilustrações.
Há muita gente que quando vê uma vaca, pensa logo em churrasco. Um horror! Eu, toda vez que vejo uma vaca no campo, fico admirado com a sua paciência e resignação diante da vida. Há qualquer coisa no olhar da vaca que diz que viver deveria ser, para cada um, um eterno ruminar acerca da existência, ou ao menos o seu tanto. Só por isso os indianos já teriam razão de considerá-la um animal sagrado.
E creio mesmo que essas vacas encantam sobremaneira, espalhadas por uma cidade como São Paulo - na qual ninguém parece ter tempo e paciência - pois são também elas manifestos desses artistas e que, por sua vez, conclamam a essa nossa ruminação.
Eu já lhes falei que eu tenho uma amiga que faz verdadeiros achados na web. Agora, ela contou-me desse projeto de Alex Holder e Ross Neil. Eu fiquei em dúvida se eu devia divulgar, porque eu tenho buscado ser mais tolerante com as pessoas, inclusive procurando aceitar seus defeitos. Mas depois, pensei bem, e achei que era bobagem censurar-me, nesse caso. Afinal, é claro que podemos amar uma pessoa mas isso não impedirá de acharmos alguma coisinha que nos aborreça nessa pessoa, ao longo da convivência.
O princípio desse trabalho é esse mesmo: podemos amar alguém mas se há nela essa coisinha que nos aborrece é melhor dizer: Eu te amo, mas...
Selecionei aqui as imagens com as mensagens que correspondem àqueles defeitinhos que eu, particularmente, também não curto nas pessoas. ;-p
No site I love you but há inúmeras outras circunstâncias. Eles estão fazendo um verdadeiro inventário de tipos aborrecidos e, claro, também de aborrecimentos que revelam que o aborrecido, na verdade, pode ser aquele que não tolera esse defeitinho que vem do outro que, no entanto, é seu objeto de amor!
O mais engraçado é que não está na cara que cada uma dessas pessoas tem exatamente esse defeitinho que lhe corresponde? rsrsrs Isso se deve ao talento de caricaturista de Ross Neil.
Ontem, uma amiga foi até o MAC USP para ver a mostra Um mundo sem medidas, e ficou encantada. Quando ela contou-me e eu vi essas imagens, também fiquei com vontade de visitar essa exposição.
Segundo o release que recebemos, tal exposição tem seu eixo em questões relativas à fábula, ao imaginário e à imaginação. A curadora, a francesa Valérie Marchi, inspirou-se nas divagações de Alice no país das maravilhas [um tema inesgotável desde que Lewis Carroll escreveu a obra, não é mesmo?] ao selecionar obras de 11 artistas contemporâneos franceses.
A exposição já acontece desde novembro do ano passado e fica em cartaz até 31 de janeiro.
Foram selecionados fotografias, pinturas, desenhos, esculturas e projeção dos artistas:
Agnès Accorsi, Simone Decker, Jeremy Dickinson, Jean-François Fourtou, Bertrand Gadenne, Gilbert Garcin, Mireille Loup, Françoise Pétrovich, Philippe Ramette, Samuel Rousseau e Gabriela Vanga.
O interessante é que a mostra traz obras em escalas discrepantes, que confundem o público, seja por meio de registros dos gigantescos e coloridos chicletes mascados de Simone Decker que "invadem" Veneza, ou nas imagens em P&B de autorretratos de dimensões liliputianas de Gilbert Garcin.
Quando vi essas imagens pensei: acho que a proposta é fazer com que nos sintamos como Alice quando caiu na toca do coelho e, pelo material de divulgação que recebi, isso ficou confirmado. Para a curadora: o expectador perde as certezas do cotidiano, como Alice ao cair na toca do coelho. Para ela, a mostra convida o visitante a perder-se no espaço expositivo, onde as coisas seriam o que não são, devido às dimensões e jogos de escalas das obras. As obras expostas são sustentadas tanto por contos de fadas como de sonhos, medos e fantasmas da infância, afirma Marchi, acrescentando ainda que o caráter onírico e lúdico desses trabalhos oferecem diversas leituras tanto para adultos como para as crianças.
É um excelente programa para as férias, sem dúvida.
Mostra: Um mundo sem medidas
Até 31 de janeiro de 2010.
Horário de funcionamento: terça a sexta das 10 às 18 horas
sábados, domingos e feriados das 10 às 16 horas. Entrada gratuita. \o/
Classificação etária indicativa: livre. MAC USP - Cidade Universitária
Rua da Reitoria, 160
11. 3091-3039
Agendamento para visitas - 11 3091-3328
Quando volto do trabalho para casa, utilizo o transporte público. Acho isso muito bom, porque em uma cidade como São Paulo, se eu utilizasse um automóvel eu viveria em constante estresse: são milhares de carros nas ruas. O metrô e o trem, que são meus principais meios de transporte, têm cumprido o seu papel na minha vida, mesmo com todas as dificuldades: é um serviço público, mas caro e ainda ineficiente. No entanto, ao descer na estação mais próxima da minha casa, há tão somente duas opções: posso caminhar, quando estou com disposição, e é exatamente o que faço amiúde, ou posso pegar um veículo, um microônibus a que chamamos de lotação, para gastar menos tempo no pequeno trajeto que devo percorrer. Esse meio de transporte é assim chamado porque está sempre cheio de passageiros, sendo um veículo pequeno. Hoje, foi o que fiz. Sentei-me no fundo, de frente para o pequeno corredor entre as poltronas.
Então, entrou um passageiro, alto e forte, um senhor que aparentava ter entre 40 e 50 anos. Ele segurava uma gaiola de passarinho, que estava coberta por uma capa de tecido. Imediatamente senti desprezo por aquela criatura. Há séculos eu não via uma gaiola de passarinhos, cheguei a pensar exatamente isso, que achava que a última gaiola com passarinho que vi fora na minha infância, então, ainda existem pessoas que prendem pássaros em gaiolas?
Como a lotação começou a lotar, o homem e sua gaiola estavam em má situação. Uma moça sentada ofereceu-se para segurar a gaiola. Também pensei: Está aí uma gentileza que eu não poderia fazer, segurar uma gaiola. O homem achou melhor não. Ela perguntou se havia um pássaro dentro da gaiola o que ele confirmou e, então, ela também achou melhor não segurar. Eu senti-me cúmplice da moça, talvez ela tivesse se oferecido para segurar para ter oportunidade de confirmar aquele horror!
Acho que já deu para notar que eu estava com raiva daquele homem. Não era pouca, era muita raiva, ainda mais sendo um homem imenso e que segurava a gaiola com um dedo só. E o pássaro preso dentro da gaiola, na escuridão. Mas não é proibido transportar animais em veículos de passageiros? - também pensei. No entanto, como não consigo sentir raiva, demasiadamente, quando percebi esse meu sentimento, imediatamente, o homem também pareceu-me ridículo, segurando a gaiola como estava, e eu comecei a achar que o problema ali era que aquilo podia ser configurado tão somente como uma burrice do homem. E foi quando lembrei desse texto que lera enquanto viajava no trem, minutos atrás. Trata-se do mesmo livro de que falei no post anterior, aqui será Borges tratando da relação entre A Ética e a Cultura:
Penso que uma pessoa culta tem que ser ética. Por exemplo, costuma-se pensar que os bons são bobos, e que os malvados são inteligentes, e eu acho que não, eu acho que, de fato, é ao contrário. Geralmente, as pessoas más são ingênuas também: uma pessoa atua mal porque não imagina o que a sua conduta pode produzir na consciência dos outros. De modo que eu penso que, na verdade, existe inocência na maldade e inteligência na bondade. Além disso, a bondade, para ser perfeita – creio que ninguém chega a uma bondade perfeita – tem que ser inteligente. Por exemplo, uma pessoa boa, e não muito inteligente, pode dizer coisas desagradáveis para os outros, porque não se dá conta de que são desagradáveis. Por outro lado, para ser boa, uma pessoa tem que ser inteligente, porque, caso contrário, sua bondade será... imperfeita, por dizer coisas incômodas para os outros sem se dar conta.
Fiquei impressionado como um exemplo para o que eu acabara de ler viera a galope, em uma espécie de demonstração até mesmo anacrônica. Lembrando-me dessas palavras do sábio argentino, acalmei-me, em relação a toda aquela raiva que sentira, afinal não podemos corrigir a toda maldade que existe no mundo se sua causa é tão extremada, não é verdade?
Em um dos diálogos do livro Sobre a Filosofia e outros diálogos, de Borges e Osvaldo Ferrari, do qual já falei aqui, Ferrari, em um capítulo a que se chamou Sobre os diálogos, comenta com Borges que quando esses diálogos, que ambos vinham tendo no rádio, propagaram-se em um jornal e depois tomaram a forma de um livro, isso foi particularmente interessante porque ajudou a que tais diálogos fossem compreendidos, e, então, ele continua:
[Ferrari] (...) essa compreensão aconteceu entre aqueles que frequentam habitualmente a literatura, e entre aqueles que não estão familiarizados com ela. [Borges] Entre aqueles que se abstêm asceticamente da literatura, masoquistas que se castigam não se sabe porque motivo (ambos riem), se abstendo dessa felicidade que está tão perto de todos. No entanto, as pessoas renunciam a ela; é como se... não sei, como se negassem à água, à respiração, ao sabor das frutas... ao amor, à amizade. Bem, renunciar à leitura equivale a isso, um ascetismo que é praticado de maneira inconsciente, já que ninguém o justifica; ninguém diz, vamos ser dignos de mérito, vamos deixar de ler, assim seremos premiados em outro mundo. Não, se pratica dessa forma, com espontaneidade, com espontânea inocência. Sim, mais ainda. Se continuarmos assim, acontecerá algo que eu vi na casa de um senhor alemão faz muitos anos. Ele tinha não me lembro que obra - era um atlas em muitos volumes, ou um dicionário - e eu quis consultar um dos volumes, e aconteceu que só eram lombadas de livros, não tinha nada atrás dessas lombadas (ri). [Ferrari] Um simulacro de biblioteca. [Borges] Sim, um simulacro de biblioteca, algo típico de certos ambientes.
Fico imaginando a decepção de Borges quando descobriu esse simulacro. Afinal, quem ama ler quer ler e quanto mais lê mais ama os livros e a leitura e tem horror a essa tolice de livros que só parecem livros! ;-p
Por falar em lombadas de livros. Fui procurar os tais simulacros de biblioteca de que fala Borges para ilustrar esse post e encontrei essas imagens sensacionais do mesmo simulacro, mas de outra natureza ou finalidade.
No blog cabo-verdiano Con(ou sem)tigo, MM nos conta que uma biblioteca na cidade do Kansas, para promover a leitura e a biblioteca, cobriu o exterior do seu estacionamento com essas lombadas gigantes, o mais interessante é que a escolha dos livros foi indicada pelos próprios moradores, provavelmente frequentadores da biblioteca. Não é uma ótima ideia?
Eu concordo com Alexandra do Signature Illustration Blog, que diz que essas pinturas da finlandeza Anna Emilia Laitinen são verdadeiramente delicadas e de que há uma complexidade intrínseca em composições simples.
Além disso, eu acho tão importante essa reflexão que ela promove em torno da casa, do abrigo e do nosso planeta terra, enquanto casa e abrigo, e do qual penso que é preciso cuidar mais, mesmo que sejamos frágeis para isso! ;-D
Elisa aos 20 anos (arquivo da família de Barbara Dimock)
Como já disse aqui, comecei a leitura de Grandes Expedições à Amazônia Brasileira. No entanto, o fiz enquanto ainda lia esse livro:Calúnia - Elisa Lynch e a Guerra do Paraguai. Agora, terminei a leitura do mesmo e ficou-me um sentimento de bom dever de leitura cumprido. Porque, não sei se minha formação em história não foi suficiente, mas a verdade é que durante a leitura dei-me conta de que eu não conhecia quase nada acerca da história da Guerra do Paraguai. :-(
Uma guerra sangrenta como sói ser as guerras e que ocorreu no quintal de nossa casa. Eu não sabia nada acerca do ditador do Paraguai na ocasião, Francisco Solano López, bem como nada acerca de sua loucura persecutória, que aliás, contribui para que ele perdesse a guerra, e ainda, nada acerca da Aliança tríplice entre Brasil, Argentina e Uruguai, os que venceram a guerra. Tampouco, que Dom Pedro II poderia ter aceitado a informação do Duque de Caxias de que a guerra estava ganha dois anos antes do tempo em que acabou sendo, por fim, o do término da guerra: o carniceiro Conde d’Eu, marido da princesa Isabel, só sossegou depois que mataram López (que, aliás, tinha pretendido casar-se com a princesa brasileira). Solano López, então, foi enterrado juntamente com seu filho de apenas 13 anos, numa cova cavada pelas próprias mãos de sua mulher, Elisa Lynch.
Essa heroina é a personagem central do livro. Tal mulher, segundo os autores, Michael Lillis e Ronan Fanning, sofreu toda espécie de calúnia durante a guerra e depois dela. Ela era uma Irlandesa e conheceu Solano López em Paris, uniu-se a ele e viveu no Paraguai onde foi considerada por muitos uma rainha, por tantos outros uma espécie de prostituta e usurpadora. Na verdade, tinha porte de rainha e causou muita inveja, ao menos, isso é o que pude concluir da leitura do livro.
O mais delicioso é que o livro é escrito de uma maneira que muitas vezes lembra um roteiro de cinema. É possível visualizar os momentos dramáticos da vida dessa mulher na sua relação com o ditador paraguaio, com seus inimigos, mas também com o povo simples do Paraguai, sobretudo as mulheres do povo e que a amavam.
Ao final de sua curta e intensa vida, ela morreu aos 52 anos, Elysa, sobrevivente da guerra, viveu sozinha num pequeno apartamento em Paris, durante treze anos de silêncio. Os autores então, são bastante elegantes. Eles nos dizem, na tentativa de responder ao porquê desse silêncio final, vindo de uma mulher tão aguerrida no passado:
Seria a calúnia, a torrente de difamação quase inimaginável e sensacionalista, ou a compreensão, no fim, de que não havia nada que ela jamais pudesse fazer para recuperar sua fortuna ou resgatar sua reputação como mãe compassiva e decente, além de companheira fiel até a morte de Francisco Solano López? O que esmagou seu entusiasmo? Algumas linhas de Shelley são sugestivas: [Ela] superou a sombra de nossa noite Inveja e calúnia e ódio e dor E aquela inquietação que os homens erroneamente chamam de prazer , Já não podem nem tocá-la nem torturá-la novamente Do contágio do lento estigma do mundo [Ela] está a salvo, e já não pode condoer-se Um coração tornou-se frio, uma cabeça ficou grisalha em vão.
Penso que a mulher é sempre um ser especialíssimo, e quando ela é a personagem central de um livro e de uma história verdadeira, a história e o livro tornam-se muito mais interessantes. ;-D
Na esperança de convencer futuros leitores dessa história, da importância e necessidade dessa leitura, irei reproduzir um texto que sintetiza melhor do que eu próprio estou conseguindo fazê-lo o sentido desse livro. Trata-se de um texto que se pode ler na orelha do livro, e que é assinado por Olgária Matos:
Calúnia oferece três planos simultâneos de interesse cultural: a pesquisa histórica que o inscreve nas competências da análise documental e o estabelecimento dos critérios de validade; a reconstituição do imaginário de uma época em meio às Guerras de Independência e a constituição das políticas de centralização autoritárias; o gênero literário e seu destaque entre as biografias históricas. Além de reabrir o passado, amplia os horizontes do presente, não para contar a "história do vencido", mas refletir sobre as injunções que tornaram possível, de ambos os lados, a barbárie. O livro não prescinde da consideração do papel das paixões nas decisões políticas, afastando-se da noção de uma objetividade assegurada pelo sentido único dos eventos políticos. Diferenciando-se de Maria Antonieta, de Stephan Zweig, o presente trabalho constrói as contingências da vida de Elisa Lynch, aproximando-se dos procedimentos literários de Proust, que invertem as relações entre arte e vida, transfigurando a personagem história em heroína literária, elaborando suas reflexões no limiar da história e da ficção, para melhor ingressar no sentido dos acontecimentos.
Eu tenho uma amiga que gosta de acompanhar esse blog, mas também muitos outros. Então, muito frequentemente ela me fala de coisas que só ela poderia encontrar navegando pelo mar da Web. Ontem, enviou-me um e-mail dizendo que achava que o trabalho de Yeondoo Jung tinha tudo a ver com o meu blog. Eu fico sempre muito agradecido, quando ela me faz tais sugestões. Pois bem, Jung é coreano e teve essa ideia que eu achei descoladíssima. Ele resolveu transformar aquelas garatujas de crianças em realidade...fotográfica! O seu ensaio chama-se Wonderlands.
Os títulos são ótimos. Trouxe aqui apenas alguns dos trabalhos, lá no seu site tem mais. Não é uma graça?
A minha amiga pescou essa informação em um blog que eu achei bem bacana, o Ya!Cult.