quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Viva o bla, bla, bla!

Ontem, eu estava no metrô de São Paulo e o condutor do trem informava: “Próxima estação Brás, acesso à linha... Ratificando... acesso às linhas de trens da CPTM.”
Eu pensei: “Ratificando?” E uma moça, que estava na companhia de uma outra, repetiu, oralmente, meu pensamento: “Ratificando?” – Foi engraçado porque ela também fez uma cara de interrogação! Sabe como é? Aquela em que você franze a testa e entorta a boca para fazer uma pergunta, indicando uma dúvida grave? rsrsrs
A colega imediatamente respondeu: “Retífica é de motor...” Ela queria, com isso, dizer que ele não poderia ter dito retificando, porque retificar só seria empregado quando quiséssemos dizer que alguém procede à retificação de motores e peças, especialmente de automóveis.
A outra se contentou com a afirmação da amiga e as portas se abriram e ambas desembarcaram na tal estação. Eu fiquei pensando: como é bonito isso de nós seres humanos utilizarmos a linguagem verbal! A língua é tão rica e acontece uma variação tão imensa nos seus usos, que sempre teremos oportunidades, nessa seara, para aprendermos mais e mais.
Talvez o fato de a circunstância ter sido corriqueira é que me deixou um tanto emocionado: a fala de um operador de trem, a interrogação da moça, a pronta resposta da outra. Tudo se deu como uma operação linguageira das mais banais, mesmo que a metalinguagem não seja uma operação linguageira assim tão banal. A verdade é que ela ocorre amiúde na vida de qualquer falante. E, desconfio, assim tem sido para que se comprove o fato de o ser humano ter vindo a esse mundo tão somente para aprender.
Aliás, os usos da linguagem é um dos aprendizados mais ricos. Por isso também é que eu acho uma bobagem imensa quando as pessoas não curtem a tal imposição da linguagem padrão (formal e que aprendemos (ou deveríamos), sobretudo nos anos de escolarização). Do mesmo modo que é uma bobagem, também imensa, a preocupação excessiva com essa aprendizagem, como quando temos as pessoas dizendo que o brasileiro não tem cuidado com a língua portuguesa, ou que o brasileiro fala errado... portanto, quando isso vira pretexto para que ocorram os tais preconceitos linguísticos. Nada disso tem importância, uma vez que tudo isso pode ser sintoma de uma obsessão, ou seja, a obsessão pelo purismo daqueles que não compreendem ou não aceitam o uso coloquial da linguagem, bem como a obsessão pelo combate à escola, ou ao status quo.
O importante é que, para cada um, chega o momento em que se quer comunicar melhor, ou seja, aquilo que contribui para que nos entendamos também melhor, quando, por exemplo, iremos querer saber se o operador do trem estava mesmo ratificando ou retificando o erro que quase cometia no seu dever de passar uma informação precisa, ou seja, de onde se encontravam os passageiros e, portanto, do que mais poderiam encontrar ali. ;-)
Por fim, devo dizer, a verdade é que o operador do trem teria sido mais preciso se ele tivesse utilizado o verbo retificar, ou seja, tornar certo, exato; corrigir, emendar – um dos sentidos para o verbo, além de ele também poder expressar o proceder à retificação de motores e peças... Mas ele utilizou o outro verbo, ratificar, que significa confirmar a autenticidade ou a validade de; autenticar, validar. Embora, é claro (!), ele também acabou por validar a segunda informação e que disse por inteiro, ao contrário da primeira, que não seria a informação precisa e que ele abandonou para... “ratificar” essa outra. rsrsrs
De minha parte, eu sou grato a ele e às moças, que fizeram eu pensar em tudo isso. E, sobretudo, ao mistério divino que nos permitiu, a nós humanos, alçarmos à linguagem articulada, à condição de falantes e, com isso, à possibilidade de aprendermos tanto, o tempo todo! Oxalá possamos utilizar as palavras para fazermos esse exercício mesmo de aprendizagem da comunicação humana e que nos mostra que é preciso aceitar as limitações, é preciso sempre retificar... Isso é mais fácil quando cada um se permite olhar o outro com o mesmo olhar com que se olha a si mesmo, o que também é um aprendizado da virtude da humildade.

4 comentários:

  1. ratifico tudo o que voce disse...

    a. facioli

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  2. Gostei do comentário, claro! Ainda bem! Mas pode retificar também... rsrsrs

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  3. Mais gostoso ainda do que capturar uma conversa fugidia sobre este tema é ter a honra e o privilégio de acompanhar, todos os dias, as muitas conversas que têm aqueles que estão ainda no esforça de entrar nessas e em todas as outras possibilidades linguísticas. Instantâneo deste tipo de outro dia, aqui na escola:
    "Você também vai votar naquele Serrador?"
    Dúvida legítima do adulto sobre o que responder primeiro ou, melhor dito, replicar:
    Também?
    Serrador?
    De jeito Nenhum!
    Beijo com saudades

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  4. Lilian querida,

    Concordo com vôcê, a escola é um espaço privilegiado para acompanharmos esse crescimento das pessoas nas possibilidades todas do fenômeno linguístico e que, sem dúvida, requer muito esforço e que assim seja!
    Adorei o instantâneo! Hilário! ;-D

    Também estou com muitas saudades!
    beijos, linda.

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