terça-feira, 10 de maio de 2011

Katherine Mansfield e o bullying

Eu estou fazendo a revisão de um TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) na área de Pedagogia cujo tema é o bullying. Estou aprendendo muitas coisas interessantes, dentre elas a compreensão do que caracteriza o bullying, ou seja: atitudes agressivas de todas as formas, praticadas intencional e repetidamente, que ocorrem sem motivação evidente, que são adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e angústia, e são executadas dentro de uma relação desigual de poder. Assim sendo, os atos repetidos entre iguais (estudantes) e o desequilíbrio de poder são as características essenciais do bullying e que tornam possível a intimidação da vítima.

Penso que é muito bom que no início do século XXI tal preocupação venha mesmo cada vez mais à tona, e que as pessoas em geral se importem com isso, nomeando, debatendo, conversando, fazendo trabalhos, pesquisas, numa palavra, combatendo o que, sem dúvida, não deveria acontecer. Que não aconteça mais, então, e de preferência a partir de agora e sobretudo para o futuro, o qual será melhor e já nos aguarda, com certeza.

Há pessoas que acham que isso é bobagem, que se trata de mera “moda” ficar falando do “tal” bullying... Aliás, é desse modo que elas falam e pensam, e isso simplesmente porque, dizem, sempre foi assim, ou seja, quando eram crianças também sofreram bullying e nem por isso deixaram de ser adultos “normais”.

A essas pessoas (quando volta e meia as encontro) eu sempre digo: você já leu o conto The Doll’s House de Katherine Mansfield?

O conto é um primor e entre outras nuances apresenta-nos um caso de bullying sofrido por duas garotas, que são irmãs e filhas de uma serviçal de famílias abastadas, de uma determinada região (provavelmente na Nova Zelândia, onde a autora nasceu e passou sua infância), em que, na única escola local, estudam as crianças dessas mesmas famílias para as quais a mãe das garotinhas trabalha e também crianças de condição social inferior, como essas garotinhas protagonistas, as filhas da empregada.

Além de serem objeto de chacota das demais crianças ricas, que chegam a lhes perguntar se elas também serão “empregadas domésticas” quando crescerem – em uma manifestação evidente do preconceito de classe – ocorre ainda uma outra intimidação. Quando as crianças de uma daquelas famílias ganham uma Casa de Bonecas e comentam na escola, convidando seus iguais a irem visitá-las para brincarem com a novidade, deixam, é claro, as duas irmãs de fora.

Mais para perto do desfecho o pior acontece: quando, por um acaso, as duas garotinhas estão passando em frente à casa da dona da Doll’s House são chamadas pela garotinha rica para verem, finalmente, o brinquedo. O recreio dura pouquíssimo, a mãe das crianças ao chegar expulsa, com uma grosseria inominável, as pobres garotas.

Via Little Fish Toys
Nesse ponto, a arte da descrição do ocorrido, e que Mansfield nos apresenta, torna a coisa toda tão punjente que você, leitor, sente verdadeiramente qual é o verdadeiro horror do bullying e como é triste, tristíssimo, que crianças sejam suas vítimas, que qualquer um venha a ser vítima dessa agressão e que, principalmente, tal atitude agressiva possa começar em casa, sendo assim ensinada por adultos, pelos familiares, aqueles que deveriam educar para o bem comum!

Fico imaginando (e torcendo) para que abolindo o bullying da escola, isso mude também o interior das casas, e que elas possam ser como as “casas de bonecas”, no melhor sentido da palavra, ou seja, o da alegria que um brinquedo como esse representa ou ao menos representou a essas crianças todas do conto de Mansfield, que tanta alegria sentiram ao entrar em contato com essa casa.

Não vou contar o final da história, mas posso dizer que se trata de uma história de esperança, apesar de tudo! ;-D

4 comentários:

  1. Nossa, né?
    "(e torcendo) para que abolindo o bullying da escola, isso mude também o interior das casas" ou vice-versa.
    Adorei.
    bj,
    Kika

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  2. Permita-me reproduzir um convite que acabo de receber... pra gente pensar a sério nas práticas que dão origem ao bullying tão sistematizado... o jeito, realmente acho isso, é a gente se manifestar mesmo, mostrar o absurdo que é raiz do problema. Segue, citado ipsis litteris:
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    Nesta terça-feira (10), a associação do bairro de Higienópolis conseguiu que o governo impedisse as obras da estação Higienópolis, na avenida Angélica, acreditando que tal construção acarretaria a chegada de um "público diferenciado" ao bairro, promovendo a degradação de suas ruas sagradas e aumentando assim o número de ocorrências policiais. "Prevaleceu o bom senso", declarou o presidente da entidade Defenda Higienópolis, o empresário Pedro Ivanow.

    Como bom senso não é o nosso forte, promoveremos agora um churrascão em frente ao shopping Higienópolis para mostrar que os ricos não chegam aos pobres, mas os pobres sim, facilmente chegam aos ricos.

    Leve farofa, carne de gato, cachorro, papagaio, som portátil, carro tunado e tudo o que sua consciência social permitir. Afinal, a rua é pública, e o Higienópolis não está separado por muros.

    Para quem quiser promover, o flyer está aqui: http://twitpic.com/4wbwca

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  3. Com certeza Kika! Vamos torcer por isso mesmo!
    Adorei seu comentário! ;-)

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  4. Lu,
    Seu comentário reapareceu! Sim, eu achei o episódio da questão do metrô em Higienópolis cheio de nuances bem interessantes para pensarmos sobre isso mesmo: que tipo de relação queremos promover entre as diferentes pessoas que vivem nesse mundo?

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