quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Desejos vãos

Quando eu era adolescente eu ouvi pela primeira vez um poema de Florbela Espanca e pensei: eu compreendo, perfeitamente, o que essa poetisa está a dizer. É que, então, eu comungava, com aquela alma, dos mesmos anseios e, quiçá, também dos desesperos que ela de um modo tão pungente traduz em seus escritos.
Ontem ou anteontem, no Facebook, uma amiga postou um vídeo de uma cantora de fado chamada Mariza e que (vergonha!) eu não conhecia. A mulher que nasceu em Moçambique é famosíssima e de um talento como só podem ter os artistas mais dedicados e verdadeiros.
Tratava-se desse vídeo que fiz questão de também trazer para esse sítio, uma vez que estamos quase terminando o ano de 2010 e merecemos refletir sobre a vida.

Sim, a vida carece de reflexão full time.

E, afinal, quem já não sentiu como Florbela que desejaria ser mais e mais e mais, ou maior, mais forte, mais vasto, altivo, indiferente, possuir até o bem como fonte de orgulho e quem, como ela, já não percebeu, ao menos aqui e ali, que tudo isso é pouco e nada se não entendermos que devemos primeiro servir e amar desinteressadamente sempre, porque tudo nesse mundo é passageiro (uma amiga minha, palhaça toda vida, completaria: menos o cobrador e o motorista. kkkkk)
Curta, então, o soneto belíssimo da querida Florbela e a voz magnífica de Mariza cantando o fado.
Apenas uma última observação: também penso que os modelos que Mariza veste, uns vestidos sempre longos e que deixam-na imensa no palco, altiva, do modo como ela merece aparecer no mundo, afinal, porque o bem também precisa “crescer” nesse mesmo mundo. Enjoy it!

Desejos Vãos
Composição: Florbela Espanca/ Thiago Machado

Eu queria ser o mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras...essas...pisa-as toda gente!...

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Um fotógrafo from Munique

Christian Beirle González [que na foto ao lado aparece na companhia de sua irmã] vive em Munique, na Alemanha, e tem postado no flickr desde julho de 2007.
Ele diz que sempre fez tomadas instantâneas nas suas férias, mas que nunca levou muito a sério a fotografia. Somente depois que ele comprou uma câmara nova: a compacta Canon Powershot G7 é que ele começou, em 2007, por curiosidade, a postar algumas imagens no flickr. Assim sendo, ele dizia lá em 2007, estava começando a desenvolver uma espécie de paixão pela fotografia.
O seu interesse por fotografia inclui captar imagens arquitetônicas e um certo colorido vivo, e ele gosta também de descobrir ângulos inusitados e explorar a geometria e abstração na temática de suas fotos. Ele acredita fortemente em suas composições. Mas ele ainda sentia [ao menos na ocasião em que escreveu seu depoimento lá no flickr] que estava muito iniciante nessa pesquisa e que, portanto, [ele ali também dizia] aceitava qualquer crítica construtiva, pois isso lhe seria realmente útil. Não é uma pessoa simpática e boníssima, esse artista?
Ele acredita nessa colaboração porque para ele basta olhar para todas as fotos incríveis que as outras pessoas fazem, que isso realmente lhe ajuda a pensar sobre o seu próprio gosto.
No fim ele diz: “Obrigado a todos e principalmente aos amigos do flickr por acessarem o photostream e muito obrigado pelas visitas, respostas, convites, e pontuações.
As Câmaras que ele utilizou nessas imagens foram: Canon Powershot G7 e, talvez, também a Canon EOS 450D.
Eu achei o trabalho belíssimo. Se eu fosse você eu visitaria o espaço dele lá no Flickr. Penso que você possa vir a ter, então, tanto deleite quanto eu tive! ;-)











sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Uma certa paz by Amós Oz

A semana passada eu postei no Facebook que eu tinha ganho tantos presentes por ocasião do meu aniversário que estava até constrangido! rsrsrs
Bem, um deles eu já falei aqui, foi o livro Clarice, de Benjamin Moser. O mais engraçado é que eu li o livro, que tem mais de 500 páginas, em 5 dias e os amigos queridos que me deram a biografia de presente ficaram chocados! As pessoas pensam que eu leio muito rápido! A verdade, porém, é que eu leio desde a mais tenra idade e isso estabelece um ritmo próprio de leitura, penso eu. Ainda mais um livro que emociona e que é bem escrito: não queremos mais largá-lo, não é mesmo?
Ontem, comecei a leitura de um outro livro que também ganhei de presente, agora de duas amigas, lá mesmo na data do meu aniversário.
Já aconteceu um episódio também de observação dessa minha presente leitura. Eu tenho por hábito ler em qualquer lugar. Por exemplo, ontem, enquanto aguardava um amigo, em um barzinho, abri o livro e continuava lendo-o. O rapaz do balcão, que me conhece de frequentar o lugar, é um jovem nordestino e que me perguntou:

- Você gosta de ler? Como é que você lê? Você lê com a mente ou em voz alta?

Eu tive que pensar rápido (com a mente rsrsrs) para responder:

- Com a mente.

Na verdade, ele estava se referindo àquilo que na infância a professora do primário pedia-nos para fazermos em sala de aula, ou seja, a velha e boa "leitura silenciosa"... Isso é o contrário de ler em voz alta, é ler em silêncio, apenas com os olhos e... com a mente rsrsrs
Eu, no entanto, adoro ler em voz alta. Quando estou em casa, dependendo do trecho do livro em prosa, preciso lê-lo em voz alta para ouvir melhor a cadência, a poesia que pode também haver por ali.
No novo livro que ora leio, de Amós Oz, há um trecho em que isso ocorreu, ou seja, precisei lê-lo em voz alta. Sugiro que você também o faça. Só para contextualizar, o protagonista da história é um jovem que mora em um kibutz e está bastante contrariado com a vida que leva ali. O New York Times Book Review considerou essa "a obra mais poderosa de Amós Oz". Esse livro é anterior a um outro do autor e que eu também já li e que é o mais conhecido ou cultuado, ou seja, A Caixa Preta. Nesse que estou lendo, intitulado Uma certa paz, o conflito dessa personagem, em sua desilusão, contrasta fortemente com a esperança que motiva a geração de judeus imediatamente anterior, como a de seu pai, por exemplo. Assim, reproduz-se na vida familiar todas aquelas tensões que antecederam o conflito bélico, por ali iminente, do Estado de Israel.
O trecho que me comoveu e que eu acho que caracteriza bem o primor do estilo de Amós Oz é esse:

Tinha pena de se despedir dos aromas, dos sons e das cores que o tinham acompanhado desde pequeno. Amava o cheiro que baixava lentamente sobre os gramados aparados, nos últimos dias de verão: junto aos oleandros, três cães vira-latas lutam furiosamente pelos restos de um sapato despedaçado. Um velho pioneiro com um boné na cabeça lê um jornal, de pé no meio do caminho em pleno crepúsculo, e seus lábios se movem como se rezasse. Por ele passa uma chaverá idosa - que não o cumprimenta nem com um aceno de cabeça por causa de uma briga antiga - levando um balde azul carregado de verduras, ovos e pão fresco. Ionatan [esse é o nome do protagonista da história], ela diz suavemente olha as margaridas ali no canteiro na beira do gramado, tão brancas e imaculadas, como a neve que caía em nossa Lupatin no inverno. E da direção das casas das crianças ouve-se o som de flautas doces entre muitos gritos de pássaros, e mais longe, no oeste, além do pomar de cítricos e junto ao pôr do sol, passa um trem de carga e a locomotiva apita duas vezes. Ionatan lamentava por seus pais. E pelas vésperas de shabat e de festas judaicas, quando a maioria dos homens, mulheres e crianças se reuniam na casa de cultura, quase todos vestindo camisas de shabat, brancas e passadas, e cantavam canções antigas. Também lamentava pelo barracão de lata no meio do pomar, onde às vezes se escondia por vinte minutos roubados do trabalho para ler o jornal de esportes. E por Rimona. E pelo espetáculo do nascer do sol, como um banho de sangue num dia de verão às cinco da manhã entre as pedregosas colinas a leste e entre as ruínas de Sheikh-Dahar, a aldeia árabe abandonada. Por todos os passeios de sábado àquelas mesmas colinas e ruínas, ele com Rimona, ou ele com Rimona e Udi com Anat, e às vezes sozinho.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Julie Morstad

Tive uma alegria suplementar ao abrir, hoje, meu blog e deparar-me com os comentários da postagem anterior, em que eu divulgava o trabalho da inglesa Chrissy Lau. Um deles parece-me que pode ter sido escrito por uma ilustradora canadense, a Julie Morstad. Ali ela divulgou-nos seu site e, então, quando lá estive, fiquei embasbacado. Que maravilhoso o traço de seus desenhos! Há, em alguns, um certo efeito de textura e, em todos, o universo temático que ela desenvolve: ela prioriza a infância e qualquer coisa na infância que é inexplicável e que nos deixa absolutamente identificados.
Penso que nesse trabalho temos a revelação daquilo que aqui tenho chamado por meio da palavra-chave “Modos de ser”. Os modos de ser de Julie Morstad são exatamente os que eu mais valorizo. Uma mistura boa de inocência e ousadia próprias da infância, quando, então, nos permitimos ser como somos nos sonhos: um pouco mais livres e dotados de uma beleza que reside em uma verdade interior e que cada um carrega dentro de si.
Eu gostaria de ter um original desses na minha pinacoteca particular. Você pode adquirir tais originais, na loja do site da moça ou ainda em uma galeria on-line onde, por exemplo, eu li essas informações:

Julie Morstad graduou-se pela Alberta College of Art & Design, em 2004. Julie divide seu tempo entre o desenho, ilustração, animação, design e ensino. Ela diz que as memórias nebulosas da infância têm permeado seu trabalho recente, bem como as narrativas dos contos de fadas e do folclore, as quais ela recorre frequentemente. [E, se eu compreendi bem, o que lá está escrito] Ela foi uma criança de um tempo em que os contos de fadas eram bastante divulgados e valorizados e, assim sendo, seus desenhos refletem tanto o ousado prazer em apreciar essa preciosa narrativa, bem como uma subversão consciente dessa mesma narrativa.

Também descobri que há um trabalho em cards chamado abc, feito por ela, à venda no Amazon.

Eu gostei tanto desses modos de ser da Julie, que é como se eu e ela nos conhecêssemos e fôssemos grandes amigos. Como disse o Ricardo about Chrissy Lau: Sucesso para ela [também]!
Visite o site de Julie Morstad e descubra muito mais! Enjoy it!




terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Chrissy Lau

Chrissy Lau é uma jovem nascida na Inglaterra e que agora vive em Sydney na Austrália.
Ela é uma artista autodidata e que ama desenhar todos os dias. Seu trabalho tem enfeitado as páginas da Yen Magazine e também do CURVY artbook, uma iniciativa da mesma revista e que reuniu, em Abril, mulheres artistas de vários lugares do mundo, em uma lista das Top 100.
Ela também tem desenhado para publicações como Orange Mobile, Blanket Magazine, Defunker Shirts, Bespoke Press e, mais recentemente, tem colaborado com Gary Pepper Vintage.
Ela gosta de desenhar com tinta e caneta porque ela pode fazer suas ilustrações em qualquer lugar e sem muito esforço para finalizá-las, ela diz que “por pura preguiça” e também por ele ser eficiente, por isso, é que ela escolheu esse meio. ;-)
Chrissy tem um blog bem gostoso de visitar, além de um site oficial.
Enjoy it !






segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Com amigas, no museu.

Ir a uma exposição no Masp é sempre um prazer. Nesse fim de semana, uma amiga querida de Brasília estava em São Paulo e ela me chamou para vermos, tanto a exposição fotográfica assinada por Wim Wenders quanto a outra, que está no subsolo do museu: Pintura Alemã Contemporânea. Ambas foram inauguradas já há algum tempo e ficam em cartaz somente até janeiro.
Eu brinquei com a minha amiga, contando-lhe que nós, que moramos em São Paulo, não aproveitamos tanto a cidade quanto quem vem de fora. A cidade é tão palpitante que, por vezes, decidimos não sair de casa. rsrsrs Nossa sorte se dá, justamente, por conta de que, quando saímos, podemos sempre encontrar as boas surpresas que viver em São Paulo permite-nos experimentar.
A exposição das fotografias de Wim Wenders é um deleite. Não achei nada convencional, como maldosos já andaram dizendo por aí... Na verdade, os Lugares, estranhos e quietos, que ele descobriu são absolutamente fora do comum mesmo! Como essa imagem do alto de um edifício em São Paulo e que ele contou ter registrado quando esperava por um helicóptero. Ela é muito bela: o musgo verde nascendo e parelhando com a pintura daqueles objetos, também eles verdes e que encimam o edifício.
Achei também magnífico o conjunto formado por um quadro em que há um banco vermelho ao lado de um porto no Japão e a sequência, que pode ser vista paralelamente e à distância, de um outro quadro retratando o mesmo porto, agora com uma mulher vestida também de vermelho no centro do conjunto.
E o que dizer dessa imagem que parece ter sido pintada por Edward Hopper? Não é estranho esse quieto que já existia no mundo, que continua existindo, of course, mas que parece só poder existir em referência a Hopper, e que, ainda, somente possa existir pelo olhar de um cineasta/fotógrafo? Não é estranho que tudo isso seja também um oferecimento a nós outros, meros mortais? Eu acho tudo muito incomum e jubiloso!
Há muito mais. Como a roda gigante sendo destruída pelo tempo, no meio do vazio, por um lado, e distante de um povoado, por outro ângulo. Bem, a lição dessa exposição é que o incomum está no olhar de quem flagra a cena e também no do observador que visita a exposição.
Achei essa uma experiência imperdível e agradeço às garotas lindas que estavam comigo porque formamos um trio muito adequado para apreciar a exposição: tínhamos boa vontade no coração, bom humor, sensibilidade à flor da pele e que se traduzia em frases entrecortadas, nas quais um dizia o que o outro via e a descrição de cada obra assim feita, era efeito de pura sintonia. A visita não teria sido a mesma sem a companhia das amigas! Assim sendo, sugiro: leve um amigo para ver Lugares, estranhos e quietos. A exposição de fotos de Wim Wenders fica no Masp até o dia 16 de janeiro.

A respeito da minha impressão da exposição de pintura alemã contemporânea eu vou falar em outra postagem, em um outro dia. ;-)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Lágrimas de São Pedro


...é como se tivéssemos o poder de pausar a chuva, uma chuva de gotas grandes,
limpas, transparentes, leves, para com isso podermos contemplar sua beleza,
seu poder, seu símbolo, sua necessidade.

No catálogo da exposição dessa instalação, lemos o depoimento acima e somos informados que Vinicius S.A. é um artista jovem, nascido em 1983, e que é soteropolitano: ele nasceu em Salvador, capital do estado da Bahia.
O artista tem uma carreira de prestígio na sua terra natal, desde que ingressou na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, pois, apenas um ano depois do seu ingresso na universidade, sua primeira exposição foi essa instalação Lágrimas de São Pedro – acalento ao sertão nordestino, que lhe valeu uma menção especial do Salão Regional de Artes Visuais da Bahia, em Feira de Santana. Desde então, essa instalação já ocorreu em Salvador, Brasília, Curitiba e, agora, chega a São Paulo.


No mesmo catálogo, também somos informados que tal projeto é uma reminiscência do sertão nordestino, origem de sua mãe, que nasceu na Chapada Diamantina. O artista entende que o morador da zona rural nordestina tem uma relação sagrada com a chuva, o que, evidentemente, todos nós podemos compreender.
Desde criança, Vinicius estava acostumado a construir objetos para recreação, utilizando-se de descartes de empreendimentos de construções mobiliárias num bairro em expansão de Salvador, onde fora viver na companhia do pai. E, então, temos nessa instalação essa síntese belíssima, em que lâmpadas descartadas, “queimadas”, são reaproveitadas e transformam-se nas gotas da chuva que se estende do alto do vão octogonal do Mezanino da Galeria da Caixa Cultural São Paulo, até próxima ao chão.
Sempre admirei esses artistas que conseguem na simplicidade de um árduo trabalho nos proporcionar uma síntese poética do seu modo de entender os milagres do mundo!

Não perca. A exposição fica em cartaz até o dia 20 de fevereiro do próximo ano.
A Caixa Cultural São Paulo fica na Praça da Sé, 111.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A maior autobiografia espiritual do século XX

Eu ganhei um livro magnífico de presente de aniversário. Insisto terminantemente, aqui, para o fato de que quem ainda não o leu deve fazê-lo: por tudo o que há de mais sagrado nesse mundo!
E posso falar isso porque seu autor, Benjamin Moser, considera a personagem da biografia que escreveu, simplesmente a autora de uma obra que é a maior autobiografia espiritual do século XX. Sim, eu ganhei o livro Clarice, [em português o título é esse mesmo, o primeiro nome da escritora seguido de uma vírgula; em inglês, o título original é Why this world].
Um tempo atrás, li matérias que falavam da descoberta do nosso bruxo Machado de Assis por uma estudiosa norte-americana, o que ajudou a fazer com que o nosso grande escritor brasileiro pudesse ter uma maior repercussão de sua obra pelo mundo. Com raras exceções, como um Guimarães Rosa que foi muito traduzido, ou Jorge Amado, ou ainda, o controverso Paulo Coelho, a literatura brasileira não ganha tanto status internacional porque ela acontece na língua portuguesa que não é tão falada pelo mundo afora quanto o inglês, o francês e o espanhol.
Então, de vez em quando, aparecem essas almas generosas que decidem anunciar aos quatro ventos um tesouro cultural brasileiro, sempre sem igual. É o caso de Clarice Lispector e, lendo o livro, eu sinto que nós admiradores brasileiros da grande escritora fomos, enfim, também resgatados junto com ela. Benjamin Moser fez o que todos nós gostaríamos de ter feito, ou seja, poder dizer ao mundo que, sim, Clarice é incompreensível apenas para quem não compreende que ser gente é isso mesmo: é poder ser o que ela foi para tantos, portanto, quase tudo. Como diz Moser:

A alma exposta em sua obra é a alma de uma mulher só, mas dentro dela encontramos toda a gama da experiência humana. Eis por que Clarice Lispector já foi descrita como quase tudo: nativa e estrangeira, judia e cristã, bruxa e santa, homem e lésbica, criança e adulta, animal e pessoa, mulher e dona de casa. Por ter descrito tanto de sua experiência íntima, ela poderia ser convincentemente tudo para todo mundo, venerada por aqueles que encontravam em seu gênio expressivo um espelho da própria alma. Como ela disse, “eu sou vós mesmos”.

O jovem escritor, aliás, é uma pessoa adorável. Há inúmeras entrevistas que ele concedeu na época do lançamento do livro. A que eu mais gosto é essa aqui, concedida para o programa Metrópolis da TV Cultura. Percebemos alguém que fala português muito bem, e isso faz compreendermos por que sua intimidade com a obra da escritora é tão intensa e também por que os resultados da pesquisa são tão ricos quando, por exemplo, ele situa o contexto histórico brasileiro a cada evento da vida da escritora. Aliás, eu gosto muito do olhar de fora para a nossa história, sobretudo quando é feito com tanto respeito.

Um aspecto tocante do livro é todo o seu início, contanto as origens de Clarice, e o sofrimento de sua família em fuga dos horrores da guerra e da pobreza. As revelações são absolutamente intensas e tão emocionantes que eu, sensível que sou, tenho de parar a leitura porque as lágrimas embaçam-me a visão.
Como os grandes livros, esse é um para não se ler em público, ele desnuda Clarice e, por conseguinte, também o leitor, que se vê tocado no fundo da alma por uma emoção que não é possível ficar muito exposta: os outros jamais entendem porque choramos em público!
Há também passagens engraçadas, porque a Clarice é o tipo trágico que também pode ser cômico. Ele conta, por exemplo, que certa feita ela dava uma entrevista e aconteceu o seguinte diálogo entre a escritora e a repórter:

- Você tem paz, Clarice?
- Nem pai, nem mãe.
- Eu disse “paz”.
- Que estranho, pensei que tivesse dito “pais”. Estava pensando em minha mãe alguns segundos antes. Pensei – mamãe – e então não ouvi mais nada. Paz? Quem é que tem?

Outra passagem, entre tantas magníficas do livro:

Com uma amiga [na infância], ela [Clarice] roubava rosas dos jardins dos recifenses mais endinheirados: “Era uma rua onde não passavam bondes e raro era o carro que aparecia. No meio do meu silêncio e do silêncio da rosa, havia o meu desejo de possuí-la como coisa só minha.” Ela e uma amiga entravam correndo no jardim, colhiam uma rosa e fugiam. “Foi tão bom que simplesmente passei a roubar rosas. O processo era sempre o mesmo: a menina vigiando, eu entrando, eu quebrando o talo e fugindo com a rosa na mão. Sempre com o coração batendo e sempre com aquela glória que ninguém me tirava.”

Eu trouxe para cá essa passagem, porque eu já vivi isso na minha infância, eu também roubava rosas e penso que essa é apenas uma das inúmeras passagens dessa biografia que é antes de tudo acerca dessa autobiografia espiritual e que sempre possibilitou que sentíssemos Clarice como alguém que é cada um de nós ou pode estar em cada um de nós também, seja como pessoa que ela foi, e como espírito que é.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Vejo flores em você(s)

Hoje aconteceu-me uma coisa ótima! Todas absolutamente todas as pessoas estão me cumprimentando pelo meu aniversário.
E eu lembrei-me de que, quando eu era criança, eu adorava fazer aniversário e quando eu era adolescente também. Na juventude, na universidade, minhas festas de aniversário, então, foram históricas: eram dias de festas... rsrsrs

Depois, eu cai naquela tolice da crise dos trinta anos! Ohhhh!
E... abandonei as festividades do meu birthday.
Mas, então, quando eu cheguei perto dos quarenta anos, eu tive a felicidade de conhecer um senhor de 94 anos que me disse, em uma ocasião:
-Você deveria continuar estudando, você é tão jovem!
Eu eu pensei:
-Meu Deus, esse senhor tem toda razão. Ele é cinquenta anos mais velho do que eu! ;-)

Então, desde esse tempo, eu tenho compreendido que ainda sou jovem sim e, assim sendo, dentre outras coisas, voltei a comemorar meu aniversário. Não são mais festas de arromba, é mais uma comemoração interna...
Mas, a verdade é que as pessoas todas que me curtem ficam muito felizes em saber que eu faço aniversário.

Hoje, como eu dizia, aconteceu-me uma coisa ótima: um amigo que, aliás, não sabe que é meu aniversário, mandou-me um daqueles e-mails que viram uma corrente infinita pela web afora, e que todo mundo já viu e que todo mundo passa para todo mundo: só porque é bonito de se ver.
Ele mandou-me imagens dos campos de tulipas do norte da Holanda.
E eu vou compartilhar: porque penso que a beleza das flores não é nada desprezível, muito pelo contrário, é algo que devíamos divulgar mais, e, sobretudo, cultivar mais! ;-)

Eu sempre quis ganhar flores, mas nunca ninguém me enviou um buquê. ;-(

Assim, agradeço a esse amigo o e-mail florido!
Esse tema lembrou-me uma canção do Ira, uma banda de roque brasileira da década de 80, e que fala um tantinho disso mesmo:

De todo o meu passado,
Boas e más recordações,
Quero viver meu presente
E lembrar tudo depois...
Nessa vida passageira:
Eu sou eu, você é você.
Isso é o que mais me agrada,
Isso é o que me faz dizer:
Que vejo flores em você!













segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Não ignore o que você pode vir a saber e saiba o que você ainda ignora

Essa dica de trabalho fotográfico absolutamente digno de registro, eu devo a uma garota descoladíssima e que tem um blog que é uma delícia de frequentar. Trata-se do blog da Carly, uma pesquisadora e escritora que vive em Amsterdam, a que ela chamou Small Sight. Eu fiquei bastante tempo lendo suas postagens e vendo as ricas imagens que ela reúne por lá.
Como essa moça viaja muito, ela tem condições de nos mostrar sua visão toda particular dos lugares por onde passa: Paris, Lisboa, Amsterdam, Berlin etc.
É muito prazerosa essa viagem, e que acabamos por fazer junto com Carly.
A verdade é que se trata de uma experiência confortável viajar pelo seu blog, uma vez que ela é uma pessoa bastante despretensiosa e constrói o seu blog, é notável, com muito prazer. Recomendo vivamente!

Já essas imagens, eu as trouxe do site do fotográfo húngaro (que se diz amador!). Akos Major vive em Budapeste e fotografa com alma. Ele conseguiu, por exemplo, nesse projeto que estou prestigiando aqui e a que ele chamou water2capes, uma síntese riquíssima desse elemento que atravessa as águas e que nos deixa em lugar nenhum, ou melhor, que nos remete ao lugar original de todos nós: o líquido vital. Por outro lado, tal elemento que cobre as águas como uma capa, ele se sobrepõe às águas e, então, é como se o elemento água, por sua vez, fosse tão somente um pretexto para se falar dessas coberturas variadas (seria esse o sentido do título do projeto?), uma vez que elas é que se sobressaem na composição.
É como se acontecesse na fotografia, aquilo que uma amiga querida me disse hoje by e-mail e que ela dizia ser um comentário a um post que eu ainda não escrevera, trata-se de uma afirmação do filósofo francês Gilles Delleuze:

Só escrevemos na extremidade de nosso
próprio saber, nesta ponta extrema que
separa nosso saber e nossa ignorância e que
transforma um no outro.

Enjoy it!