sexta-feira, 23 de abril de 2010

Porque amamos os livros desde sempre

Quando eu era criança tínhamos em casa uma coleção de livros de contos de fadas. Mesmo antes de aprender a ler, eu os folheava e achava o máximo aquelas ilustrações. A criança que eu era tinha muita imaginação e, então, eu ficava criando as histórias inspirado nas ilustrações: as histórias que eu ainda não podia ler. Uma prima querida, que era um pouco mais velha, lia para mim tais histórias, quando vinha nos visitar, uma vez que os adultos de plantão já estavam um pouco aborrecidos daquelas mesmas histórias que a criança queria ouvir sempre, só mais uma vez.

Aliás, como é difícil para os adultos considerar que a noção de tempo e mesmo a de repetição, para as crianças, não são as mesmas que se tornam para quem alcançou a idade da razão... Desconfio, no entanto, que talvez eu já soubesse o que mais tarde se confirmou: que um livro encerra em uma única história narrada, mil outras que reconstruímos pela imaginação, nos diferentes momentos de leitura, de releitura.
Assim, não adianta dizer para uma criança: essa história nós já lemos. Aliás, nunca é a mesma história, aquela que lemos. Sim, que também o adulto saiba disso, afinal é sempre uma nova história, mesmo que seja sempre a mesma e infinita história, todas as histórias contadas em todos os livros.
Desde Homero, sabemos disso.
Afinal, o que nos contam os livros? As aventuras, os enganos e desenganos humanos, as lutas, as dores, as lágrimas, o suor, o dispêndio de sangue nas batalhas de sempre, o amor inconteste, as ambições, o desespero e os desvarios da paixão, os êxtases místicos. É tudo sempre o mesmo, contudo, nas variações de todos os narradores dessa grande e infinita história que se conta pela literatura.
Trata-se, vivamente, da palavra selada e guardada no livro, a palavra das almas que viveram e narraram cada qual a seu modo e sempre único. Esse é o segredo de ser sempre inaugural essa eterna repetição de histórias.
A verdade é que nossos escritores narraram e narram, o tempo todo, a alegria e a dor de ser gente.
É simples assim, o que encontramos em um livro: nós mesmos, somos os livros vivos de Fahrenheit 451.
E porquanto não o queimem ele será esse sempre companheiro para quem descobriu sua magia.
Pois bem, hoje é o seu dia. O dia do livro.

2 comentários:

  1. Quando Waly Salomão integrava a equipe do Ministério da Cultura, em 2003, com vistas a assumir a Secretaria Nacional do Livro e Leitura, concedeu a Heloísa Buarque de Hollanda uma entrevista que ecoaria em diversos sites e outras publicações, com a súbita morte do poeta dois meses depois. No fim dessa entrevista, intitulada “A poesia no poder”, W. Salomão diz:

    "Penso agir com muita dedicação, sonho e catimba, que é uma palavra que vem da África. Sonho com um povo mais bem alimentado, letrado, gostando de livro, mas sem estar oprimido pela leitura. Sonho com o Brasil, nesta gestão Lula, assumindo sua face original e diversificada perante o mundo. O livro pode ajudar nisso. Minha meta é transformar o livro numa carta de alforria."

    Importante isso, né?

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  2. Lu,
    Muito linda essa ideia do poeta, do livro como carta de alforria. O Waly Salomão era mesmo supimpa. Lúcido até não poder mais...
    bj

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