sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A escolha divina e maldita do poeta


Li, ontem, um ensaio que foi publicado originalmente em uma revista de Florianópolis chamada Morcego Cego, em 1997. Agora, ele está reunido numa coletânea de ensaios de Ivan Junqueira, poeta, crítico literário e tradutor, no livro a que ele chamou O Fio de Dédalo, publicado pela Record, em 1998. O ensaio a que me refiro trata de A modernidade de Cruz e Souza. Sempre admirei esse nosso poeta simbolista, autor de poemas de uma intensidade e profundidade como nunca vi, como, por exemplo, as que notamos no soneto Triunfo Supremo e que, aliás, Junqueira Freire reproduz no corpo do ensaio, integralmente, para que tudo o que ele dizia acerca do poeta e sua obra ficasse “mesmo e afinal por dito”.
Eu irei fazer o mesmo aqui, para que aqueles que têm sensibilidade para a poesia entendam a grandeza desse nosso poeta, por conta própria:


Quem anda pelas lágrimas perdido,
Sonâmbulo dos trágicos fragelos,
É quem para sempre deixou esquecido
O mundo e os fúteis européis mais belos!

É quem ficou do mundo redimido,
Expurgado dos vícios mais singelos
E disse a tudo o adeus indefinido
e desprendeu-se dos carnais anelos!

É quem entrou por todas as batalhas,
As mãos e os pés e o flanco ensanguentado,
Amortalhado em todas as mortalhas.

Quem florestas e mares foi rasgando
E entre raios, pedradas e metralhas,
Ficou gemendo mas ficou sonhando.

Há uma passagem bastante importante no ensaio de Junqueira, na qual ele questiona a comum interpretação acerca da obsessão que Cruz e Souza tinha pelo branco, revelada em muitos dos seus poemas. Eu também sempre ouvi que isso talvez se devesse ao fato de ele ser negro. Junqueira sugere uma outra leitura desse traço de sua poesia, em particular. Ele acredita que essa obsessão está associada à “metáfora sobre a geração da luz” de um Ezra Pound ou ainda mais, está relacionada àquele "branco dantesco que inunda cada um dos cantos do Paradiso”, afinal, como já nos dissera Haroldo de Campos, “Dante prolonga, sustenta e totaliza essa especulação radiosa sobre um Amor que é Luz”.
Ao final do ensaio, Junqueira cita ainda um pesquisador, Alexei Bueno, que descobriu cartas escritas por Cruz e Souza e dentre elas uma escrita a um amigo do poeta, Luis Delfino. Diz Bueno: “Dolorosa carta esta (...) na qual o poeta pede insistentemente ao seu êmulo e conterrâneo qualquer auxílio monetário, mais um reflexo da pavorosa miséria em que se debateu o poeta até a morte.” Ivan Junqueira, então, termina seu ensaio nos provocando com uma questão que a mim emocionou devido a uma densidade vertical que carrega em si mesma:
“E quantos entre nós, acrescentamos de nossa parte, não padeceram – ou padecem ainda hoje – as agruras que resultam da escolha a um tempo divina e maldita que fazem todos os autênticos poetas?”
Essa leitura eu tinha que compartilhar. Trata-se da mensagem de um erudito e que também é poeta, e mais do que sua erudição, sempre bem vida, sinto que todas essas questões presentes na poesia de Cruz e Souza, e que foram resgatadas pelo crítico, são as questões que importam ser ditas e ouvidas, mas não é o que ocorre comumente em nosso cotidiano, não é mesmo?

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Olhares Cruzados no Parque


Realizar um retrato é observar um visível que nos olha, que respira, que indaga. Alternar-se na posição de sujeito e objeto dessa observação é trabalhar a linguagem da pintura à luz da identidade, invertendo logo a seguir essa posição, num movimento pendular, escreve Hélio Schonmann, artista plástico, participante do Coletivo Água Branca e responsável pela organização da intervenção que o coletivo preparou ao convidar doze artistas que farão, no dia dezenove de dezembro, intervenção sobre as paredes de vidro de uma construção, situada em meio ao Parque da Água Branca.

Eu gosto muito de coletivos de artistas e por isso faço questão de divulgar mais essa ação desse Coletivo Água Branca que é muito simpático porque estão sempre pintando o sete nesse parque do qual o coletivo toma o nome emprestado e que é uma delícia de frequentar. Eu também divulguei aqui a última intervenção que eles fizeram por lá Translúcidos na Água Branca

Schonmann ainda nos conta, no material de divulgação que recebi, que a inversão de papéis, a que ele se referiu no texto acima, acontecerá no dia da intervenção, quando os participantes estarão se alternando, como artistas e como modelos. Já o público, o observador da ação, terá uma inédita aproximação com o processo de elaboração das imagens – a tal ponto que ele poderá como que tocá-las, pelo lado externo, enquanto o trabalho é realizado. Esse suporte é sem dúvida atraente por si só e, como também nos conta o artista, ele será a chave formal dessa intervenção-exposição, tornando as imagens visualmente penetráveis – umas pelas outras – viabilizando a interação, não somente entre as que são vizinhas num mesmo plano, mas entre aquelas realizadas sobre paredes distintas, transformando a espacialidade da obra em importante protagonista do evento.
Tomara que o dia 19 de dezembro seja um sábado de muito sol em São Paulo e possamos curtir uma manhã ou uma tarde, ou um dia inteiro (porquoi pas?) naquele parque. Eu estou muito interessado em ver os artistas em ação e o resultado desse trabalho coletivo.
Intervenção

Local: quiosque nº 8, Parque da Água Branca, São Paulo

Data: 19/12/2009

Horário: 8h às 12h e das 13h às 17h

Exposição

20/12/2009 a 31/1/2010

Horário: diariamente, das 6h às 17h50min.

Artistas

Altina Felício, Ângela Barbour, Constança Lucas, Elias Júnior, Fernando Cherubim, Francisco Maringelli, Hélio Schonmann, Lúcia Neto, Paulo Barreto, Pedro Maluf, Rubi, Sérgio Kon.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Recordis Photograph








Essa dica eu li no delicioso blog http://www.followthecolors.blogspot.com/ Trata-se do site Recordis Photograph. Seu idealizador nos explica o porquê do nome: From the Latin words "re" (repeat) and "cordis" (heart), translating into "Again by heart".
Achei bastante apropriada essa referência de que recordamos o que volta novamente à memória pelo coração.
O site é dedicado à fotografia e trata-se de um projeto idealizado por Sabino Aguad, de Santiago, Chile. Eu achei a intenção de reunir fotógrafos e suas fotografias totalmente original e despretensiosa. E, muito provavelmente, o resultado foi feliz porque a inspiração é verdadeira. Essas imagens eu trouxe de lá e são assinadas pelos fotógrafos: Laurence - Montreal, Anna Ristuccia - Atlanta, Baie - Polônia, Julia Galdo - Los Angeles, Steven Beckly - Toronto e Ryan MacGinley - New York.
A Laurence, por exemplo, tem apenas 16 anos e concedeu uma entrevista ao site. Por esse pequeno trecho é possível conhecer seu modo de ser:
Do you think flickr/internet had anything to do with your decision of becoming a photographer?
Yes and no. Taking photo is a very personal thing for me, and I would be doing it anyway if flickr/internet didn’t exist. However, the flickr community really did encourage me and helped me realize that this is what I want to do. The people I «met» on the internet definitely changed the way I see things in general, and I will always be grateful that they were a part of my life
.
Ele perguntou se o flickr/a internet a influenciou na decisão de tornar-se uma fotógrafa. Ela diz que sim e não. Tirar fotografias é algo muito pessoal para ela e, portanto, poderia fazer isso de qualquer modo, mesmo que o flickr ou a internet não existissem. Mas ela admite que a comunidade do flickr realmente a encorajou e a fez perceber que era isso o que ela queria. Assim, as pessoas que ela "encontra" na internet, definitivamente, mudaram o seu modo de ver as coisas em geral e ela será sempre grata a todas essas pessoas que fazem parte da sua vida.
Ela é muito simpática e acho que ela tem toda razão ao dar essa declaração. Esse movimento na web muda mesmo o nosso modo de ver as coisas e por isso somos gratos a todos aqueles que vamos encontrando nesse meio.
Leia a entrevista na íntegra e conheça também o site: http://www.recordisphotography.com/

domingo, 22 de novembro de 2009

Make love not war



A Coleção Folha Grandes Museus do Mundo traz, em seu segundo volume dedicado à National Gallery, de Londres, reproduções das obras-primas mais célebres das coleções daquele museu. Eu ganhei os volumes 1 e 2 da Coleção, por isso tive oportunidade de ler a ambos. O primeiro volume é dedicado ao Museu do Prado, em Madri, que possui em seu acervo o magnífico Jardim das Delícias, de Hieronymus Bosch.
Eu estou achando o texto de Daniela Tarabra, a especialista que comenta cada quadro, de altíssimo nível. Dá gosto ler suas descrições dessas obras. É como se fosse uma pequena aula durante um determinado trajeto dentro de cada museu.

Eu apreciei particularmente o texto em que ela fala desse quadro, Vênus e Marte (cerca de 1485), pintado por Sandro Botticelli, e que pertence ao acervo da National Gallery.

Abaixo do detalhe do deus Marte, Tarabra salienta: Marte, adormecido, repete a postura clássica de muitos sarcófagos da idade imperial romana, que Botticelli evoca com um desenho delicado e de refinada afetação. Os pequenos sátiros, certamente a um sinal de Vênus, despertam o deus nu do sono profundo, e o amor vencerá mais uma vez a guerra.

Não é lindo? Eu acho que esse quadro é uma das primeiras manifestações do ideal hippie na história: Make love not war. Totalmente Flower Power! rsrsrs

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Dia da Consciência Negra

Hoje, no Brasil, é o Dia da Consciência Negra. Eu nasci na periferia de São Paulo e, portanto, sempre convivi com as pessoas das comunidades dos bairros mais pobres dessa cidade e, no nosso país, a maioria dos negros é pobre. Ainda assim, assisti durante toda a minha infância, e vejo até hoje, as manifestações do preconceito com os negros por parte daqueles que se consideram brancos, mesmo que todos, negros ou brancos, tivessem e tenham as mesmas condições sociais de quem mora na periferia.
Se alguém considerado branco era um pouco "melhor de vida”, como as pessoas costumavam dizer, o que podia significar ter um bom emprego ou um negócio, então, isso já era motivo para ele acirrar ainda mais o preconceito com a chamada diferença de cor. Na minha própria família, conheci pessoas racistas e sempre achei estranhíssima e extremamente lamentável e odiosa essa atitude.
A verdade é que as pessoas estão sempre procurando um motivo para se sentirem superiores umas às outras. E a verdade maior é que no Brasil o motivo, quando centrado na chamada diferença de cor da pele, é pífio, porque somos todos uma mistura sem igual no mundo. Eu sou neguinha e você é neguinha, meu bem! É da nossa miscigenação que nasce nossas maiores alegrias e, inclusive, o nosso padrão de beleza tão sui generis, em comparação com outras culturas.
Mas o racismo permanece tendo, infelizmente, sua forte presença nesse mundo e mesmo no Brasil que o escamoteia todos os dias. É uma tristesa e uma vergonha e isso fica evidente quando ele se deixa mostrar nos interstícios das relações humanas nesse país.
Ontem, li um artigo belíssimo, escrito por um amigo, no jornal Brasil de Fato, e que recomendo a leitura nessa data. Felipe Carrilho, historiador, faz uma reflexão profunda da relação do futebol, a paixão nacional, com sua dívida para com os jogadores negros todos, os verdadeiros responsáveis pelo prestígio que esse esporte à moda brasileira tem no mundo. Ele nos conta que a história da participação dos negros no futebol brasileiro não foi fácil. Uma passagem comovente é a que se relaciona ao personagem de Moacir Barbosa, o goleiro que entrou para a história como o responsável pela perda da Copa do Mundo de 1950, disputada no Brasil. Carrilho cita um autor que conta que os racistas de plantão, na época, justificaram a derrota pela presença de negros na seleção. :-o
Assim, nesse dia, acho justo que se faça um tributo ao Barbosa que faleceu em 2000, aos 79 anos. Barbosa dizia que fora condenado a uma prisão perpétua devido ao chute que não conseguiu segurar, diante de 200 mil torcedores no Maracanã. Ele foi enterrado no cemitério Morada da Planície, em Praia Grande, litoral de São Paulo.
Salve Barbosa! \o/
O texto do Felipe Carrilho é também esse tributo necessário. Não deixe de ler: é uma aula com muita verdade e que emociona:
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/cultura/ataques-e-contra-ataques-do-racismo-na-terra-de-pele

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Sophie Blackall and the missed connections










Essa descoberta aconteceu-me graças a uma dica de uma amiga querida e que é super sensível e bem humorada sempre. Tudo o que ela sugere que eu veja, eu corro atrás, porque já sei que será sempre muito, muito bom!
Ela enviou-me por e-mail a dica de um blog que é uma delícia de acompanhar: trata-se do blog da ilustradora Sophie Blackall.
A proposta da artista é falar, através de suas ilustrações e pequenos textos, daqueles encontros entre estranhos, que não ocorrem, mas que se ocorressem poderiam ter sido excelentes encontros. ;-D
O nome do blog é bastante sugestivo: Missed Connections. Na apresentação, ela sugere que as mensagens em garrafas, os sinais de fumaça, as cartas escritas na areia têm um equivalente moderno: os divertidos, tristes, belos, esperançosos, inúteis e poéticos posts nas relações perdidas em websites.
Inspirada nesse tema, ela ilustra e escreve posts que falam dessas personagens que desejam um encontro com o outro, mas que nunca ocorre...
É um trabalho de gente delicada, muito sensível, inteligente: exatamente o tipo de gente que eu gosto de conhecer.
Aqui eu trouxe também algumas ilustrações que encontrei no seu site profissional.
Conheça a moça e seu trabalho, vale a pena!

http://missedconnectionsny.blogspot.com/
http://www.sophieblackall.blogspot.com/

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Jacques Prévert


Hoje, ganhei um livro precioso, trata-se de uma Antologia da Poesia Francesa, edição bilíngue, organizada por Cláudio Veiga, um Doutor em Letras e professor emérito da Universidade Federal da Bahia. Esse seu trabalho é muito apreciado e foi premiado pela Academia Francesa. Imaginem que ele reuniu poetas da cultura francesa e seus poemas desde o século IX até o século XX!
Jacques Salah, amigo do professor, diz que Veiga consagrou quase vinte anos nesse trabalho e muito simplesmente o descreve como um labor beneditino ao qual o Prof. Cláudio Veiga consagrou os seus mais legítimos instantes de lazer.
Estou apreciando tudo: a edição, seu responsável e seu trabalho de tradução e, sobretudo, o inusitado da experiência de poder conhecer poetas e poemas tão antigos, dessa cultura francesa que tanto admiro.
Ao abrir o volume, para experimentar a surpresa do que primeiro surgiria diante dos meus olhos, fiquei conhecendo um poema de alguém que eu já admirava: Jacques Prévert (1900-1977). Eu sei que ele foi roteirista e fez diálogos de grandes filmes franceses como os realizados por Jean Renoir e Marcel Carné e também que ele é o compositor da linda canção Les Feuilles Mortes, que foi muito famosa na voz de Ives Montand e que, além disso, pode ser ouvida na voz da magnífica Piaf. Soube ainda, por um amigo, que Serge Gainsbourg compôs uma música chamada La chanson de Prevért que faz referência àquela canção, mas essa eu ainda não conheci. ;-(

Vejam que poema delicadíssimo de Prévert, o primeiro que li nessa coletânea:

LE CHAT ET L'OISEAU
Un village écoute désolé
Le chant d'un oiseau blessé
C'est le seul oiseau du village
Et c'est le seul chat du village
Qui l'a à moitié dévoré
Et l'oiseau cesse de chanter
Le chat cesse de ronronner
Et de se lécher le museau
Et le village fait à l'ouseau
De merveilleuses funérailles
Et le chat qui est invité
Marche derrière le petit cercueil de paille
Où l'oiseau mort est allongé
Porté par une petite fille
Qui n'arrête pas de pleurer
Si j'avais su que cela te fasse tant de peine
Lui fit le chat
Je l'aurais mangé tout entier
Et puis je t'aurais raconté
Que je l'avais vu s'envoler
S'envoler jusqu'au au bout du monde
Là-bas où c'est tellement loin
Que jamis on n'en revient
Tu aurais eu moins de chagrin
Simplement de la tristesse
Et des regrets
Il ne faut jamais faire
Le choses à moitié

O GATO E O PASSARINHO
Um povoado entristecido
Escuta um pássaro ferido
Só havia aquele passarinho
E no povoado aquele gato
Que o devorou pela metade
E o passarinho não canta mais
O gato deixa de rosnar
E de lamber o seu focinho
E tem da aldeia o passarinho
Maravilhoso funeral
E o gato que foi convidado
Segue atrás do caixãozinho de palha
Em que se estende o morto passarinho
Que uma garota carrega
Chorando sem parar
Se eu soubesse que isto te causaria tanta dor
Lhe diz o gato
Tê-lo-ia comido todo
E em seguida te contaria
Que o vi fugir voando
Voando para o fim do mundo
Lá longe e tão distante
Que de lá ninguem voltou
Terias bem menor desgosto
Alguma tristeza somente
E um pouco de saudade
Não se deve fazer
Nada pela metade.

Não é uma delicada fábula avec un peau de perversité? ;-D

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Les Garçons



Achei muito bonito o resultado do trabalho dessa artista. Carolina Paz fotografou um amigo, na Lagoa da Conceição, em Florianópolis, em 2004, e, depois, essas imagens resultaram em quadros pintados pela artista. Cada quadro ganhou o nome de um garçon diferente. Assim, o mesmo modelou multiplicou-se em diferentes personagens. São sete, no total. E podemos conhecê-los na exposição individual da artista e que acontece na ABRA, da Vila Mariana.
Paz nutri forte identificação com a antropologia humana, uma vez que é graduada em ciências sociais e foi essa formação que a levou à produção de imagens; primeiro, a fotografia, depois, a pintura, com a qual atinge o máximo da manipulação/apropriação da imagem. Para mim não tem Photoshop que bata a liberdade que tenho na pintura, diz Carolina, segundo o material de divulgação que recebi.
Também fui informado que suas referências ou influências são Cindy Sherman, Gerhard Richter, Edward Hooper [adoro esse último \o/ e acho que o trabalho da artista tem mesmo alguma coisa de Hooper!]
Carolina ainda nos diz: Jamais usei a tinta direto dos tubos: pra mim, um dos baratos da pintura é brincar com as cores. Em minhas obras não há ‘cor pura’. O branco, por exemplo, não é o ‘branco puro’ em momento algum: é sempre um tom acinzentado e, por enquanto, não uso preto. Eu o invento nas minhas misturas coloridas.
Achei essa garota muito sensível e talentosa.

Tomara que a exposição seja um sucesso!
Espero que esse quadro que se chama Louis tenha lhes inspirado a conhecer les autres garçons.
Vamos lá?
Les Garçons
Exposição de pinturas de Carolina Paz
ABRA – Vila Mariana – Rua Domingos de Morais, 2.267.
16 de novembro a 18 de dezembro
seg a qui, das 9h às 21h; sex, das 9h às 19h; sábados, das 9h às 14h
Entrada franca
www.abra.com.br/vilamariana
(11) 3564 2696 3564 2695
Para ver as obras: http://www.flickr.com/photos/carolpaz/sets/72157621872457368/

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O livro como um presente dedicado


Eu ainda conheci, na minha infância e adolescência, livros com suas dedicatórias. Eram, por sua vez, mais antigos esses livros. Algum livro que pertencera aos avós ou tios e que, empoeirados nas estantes da casa, ao serem abertos revelavam aqueles manuscritos na primeira página sem mancha tipográfica.
Depois, conheci também dedicatórias em livros ainda mais antigos, nos velhos sebos do centro da cidade. Essas, então, eram extraordinariamente admiráveis pois se seus autores e destinatários já eram mortos!
Não havia muita variação no teor das dedicatórias, é verdade, mas eram sempre elegantes, gentis, afetuosas. Às vezes, ficavam reduzidas ao nome do amigo que dedicava aquele livro e o daquele outro que o merecera, e ainda uma data. Essa sim, sempre especial aos olhos desse leitor, quanto mais distante no tempo parecia estar. Ler dedicatórias tão antigas era quase um contato com o sobrenatural. Afinal, quem teria sido aquela pessoa - e agora serei redundante - que possuia tão bela caligrafia?
A verdade é que talvez as dedicatórias tenham desaparecido muito antes do que será, se assim o for, o desaparecimento do objeto livro, ao menos tal como o conhecemos. Se não desapareceram, onde estarão, se não as encontro mais nos livros?
Talvez por essa razão, reiterando minha dmiração por esse ato de nome tão pleno de sentido, escrevi, ontem, uma dedicatória em um livro, o qual presenteara a uma amiga.

Vejam como ficou singela:
Este livro eu te dei no início deste ano,
em março ou abril de 2009,
e o fiz sem nenhuma razão em especial
a não ser a de te querer bem desde que lhe conhecera,
em agosto do ano anterior.
Hoje, escrever essa dedicatória
significa tão somente reiterar esse mesmo bem querer.
Com alegria, do seu amigo,
Josafá Crisóstomo
novembro de 2009

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

"Ciumeira" by Chico


Estou tendo uma experiência muito sofisticada de leitura: leio o mais recente romance de Chico Buarque publicado: Leite Derramado.
Penso que essa experiência é sofisticada porque esse autor está, como nos diz Leyla Perrone-Moisés, em plena posse de seu talento e de sua linguagem.
A personagem principal, por sua vez, está no leito de um hospital e sua fidalguia, a que tanto alude, é tão somente uma sombra que recobre todo o seu passado, como também o passado do Brasil, tão cheio de fidalgos outrora...
Assim, temos demonstrada uma visão muito crítica da nossa história e também muito humana da história da personagem. Sentimos e compreendemos quais são seus excessos e, ao mesmo tempo, percebemos que o que se está a tratar é da própria condição humana, ali exacerbada em sua mortalidade tão latente.
Compartilho um trecho que gostei de ler, porque, por um acaso, ele alude ao ciúmes e eu tenho com a personagem e narrador uma cumplicidade em relação a essa visão possível acerca desse sentimento:


Com o tempo aprendi que o ciúme é um sentimento para proclamar de peito aberto, no instante mesmo de sua origem. Porque ao nascer , ele é realmente um sentimento cortês, deve ser logo oferecido à mulher, como uma rosa, senão , no instante seguinte ele se fecha em repolho, e dentro dele todo o mal fermenta. O ciúmes é então a espécie mais introvertida das invejas, e mordendo-se todo, põe nos outros a culpa da sua feiura. Sabendo-se desprezível, apresenta-se com nomes supostos, e como exemplo cito a minha própria avó, que conhecia seu ciúmes como reumatismo.



Não é ótimo isso?! \o/
Eu penso que aqueles que não curtem Chico Buarque como romancista são invejosos, ou seriam ciumentos do talento alheio? Não, nesse caso é inveja mesmo! A inveja pura e simples nunca poderia ser oferecida como flor, em nenhum dos seus estágios.

domingo, 8 de novembro de 2009

Planeta Terra Festival 2009. Eu fui.

Ontem, fui ao Planeta Terra Festival 2009. Eu não poderia ter chegado quando os portões abriram às 14 horas. Um pouco porque não estava interessado nas bandas do início do evento e, além disso, estava em aulas na PUC. Então, cheguei na metade do show da Primal Scream. Gostei. Mas também senti que os escoceses não deram tudo o que podiam. Foi um show morno. Não houve interação suficiente com o público: parecia aquele tipo de show com público europeu, quando esse fica quietinho só ouvindo. rsrsrrs
Depois, encontrei uma amiga e ficamos juntos para o show da Sonic Youth. O que foi aquilo? Eles são incríveis! \o/ Uma mistura única mesmo de rock alternativo, noise, post-punk. Tudo muito avant-garde. Eu tinha lido no Estadão que tantas experimentações podiam não dar muito certo, podiam andar para trás como um efeito do Boomerang (um dos brinquedos do Play Center). Pura maldade do jornalista. Eles são mesmo uma subida sem limites para o mais alto. Eu flutuei. \o/
E, então, o momento mais esperado. A verdade plena de uma lenda viva. Iggy Pop! A juventude pura da alma. O ser artista em sua plenitude. A voz potente, o despojamento, a força. Sem camisa, com aquele cabelo lindo. Uma calça preta justíssima, uma botinha. A exposição do corpo sem nenhum escrúpulo, muita bunda e a sugestão de um falo que quase aparecia.
Ele simplesmente chamou a galera para o palco já na segunda ou terceira música. Uma loucura total: os meninos e algumas corajosas meninas subiram e dançaram enlouquecidos no palco e o Iggy tal manifestação dionisíaca! Música, alegria, verdade e puro amor all time.
Iggy Pop foi também uma benção, aliás ele, selvagem, nos gritou: Bless you!
Dançamos como nunca e uma nota de sensibilidade extrema desse blogueiro: eu chorei o tempo todo, saí com o rosto banhado de lágrimas. rsrsrsrs
Iggy Pop é pura emoção!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Victor Brecheret






Em São Paulo há vários espaços públicos nos quais podemos ter a felicidade de encontrar uma escultura de Victor Brecheret (1894-1955). No meu caso, o encontro com uma obra de Brecheret é sempre carregado de emoção. Como alguém pôde tirar da pedra tanta beleza? Isso foi o que sempre me perguntei, admirador de suas obras que sou.
Agora, tenho motivos para comemorar, estamos com duas exposições em cartaz na cidade de São Paulo e que celebram distintos momentos na carreira do escultor.
Em uma delas, Brecheret e a escola de Paris, no Sesc Vila Mariana, são apresentadas peças, documentos e fotografias que detalham o período em que o escultor viveu em Paris, na década de 30, e era respeitadíssimo por lá. Quando Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti chegaram em Paris, no mesmo período, os franceses já estavam encantados com o trabalho do nosso escultor e compreendiam perfeitamente sua pesquisa do estudo da forma e de desenvolvimento de sua disciplina geométrica.
A outra exposição que tem o escultor como tema acontece na Caixa Cultural da praça da Sé e é intitulada A arte Indígena de Victor Brecheret, nela poderemos ver esculturas e desenhos que o artista criou nas décadas de 1940 e 50 com inspiração na cultura Marajoara. Vocês podem imaginar quão belos devem ser esses trabalhos?
Ambas ficam em cartaz até o começo de janeiro.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Claude Lévy-Strauss 1908-2009

Fiquei sabendo agora mesmo da morte de Claude Lévi-Strauss no último domingo. Para mim, essa é também, como a dos artistas, uma morte que merece um tributo. Nós brasileiros temos uma dívida especial com esse antropólogo francês porque ele ajudou a consolidar a fundação de nossa universidade em São Paulo, na década de 30, e trabalhou com os índios brasileiros, conhecendo-os e estudando sua organização social. Li Jacques Derrida que, como tudo o mais, desconstruiu o trabalho do antropólogo em Gramatologia. Mas também li Lévy-Strauss, embora tão somente seu Tristes Trópicos. Nunca esqueci a passagem em que ele comenta que nós nos tornamos professores como um modo de perpetuar nossa permanência na infância, ser professor é também uma maneira de nunca deixar a escola, nela permanecendo...

Obrigado Professor Lévy-Strauss por nos ter deixado tanto!

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Cecília by morning


Vejo que esse mundo está cada vez mais sem poesia. Onde os poetas e seus escritos? Em um mundo cada vez mais voltado à busca insana de obtenção de objetos materiais e do culto ao corpo físico ficamos amargando a companhia de seres desprovidos de ideais, de solidariedade e de generosidade e também da expressividade que só um poema assegura na pletora de seus sentidos.
Assim, o mundo vai perdendo sua graça e delicadeza porque não há poemas e não há poetas e se os há já não existem seus leitores.
Penso que ler poesia é uma educação dos sentidos e ao faltar esse exercício ficamos embotados na capacidade de sentir e até de sonhar.
Eu, com receio de também ficar embotado, selecionei uma pilha de livros dos nossos melhores poetas e que agora habitam minha cabeceira. Pela manhã, ao acordar, abro um livro qualquer e deparo-me com um poema. Assim, alimento minha alma logo pela manhã, quando a poesia passou a ser minha primeira oração.
Hoje, comecei meu dia na companhia de Cecília Meireles, a poeta brasileira que certa feita nos disse: Aprendi com a primavera a me deixar cortar. E a voltar sempre inteira.
Compartilho com vocês a leitura desse seu poema e que me abriu o dia:

Meu Sonho
Parei as águas do meu sonho
para teu rosto se mirar.
Mas só a sombra dos meus olhos
ficou por cima, a procurar...
Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.
Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho,
por que insisto em te imaginar?
Quando vierem fechar meus olhos,
talvez não se deixem fechar.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar.