segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Você sabia que jamais fomos modernos?

Estou lendo um livro excelente e que uma amiga muito querida emprestou-me. Trata-se do ensaio Jamais fomos modernos, de Bruno Latour. (Título Original: Nous n'avons jamais été modernes).
No site do autor é possível conhecer um pouco mais a respeito dele, por aqui apenas reproduzo o que nos diz a orelha do livro about him: Bruno Latour possui doutorado em filosofia e é professor da École Nationale Supérieure dês Mines, em Paris, e da University of California, em San Diego. Realizou diversos estudos etnográficos na África e na América. É também autor de Lês Microbes: guerre et paix (A.-M. Métailié, 1984); La Vie de laboratoire (La Découverte, 1988) e La Science en action. (La Découverte, 1989). 

Eu sempre gostei de ler ensaios filosóficos e por duas razões muito simples: eles nos retiram de um cotidiano muito banal e superficial e nos promovem, automaticamente, a um grau de abstração necessário. Isso, é claro, se você quer compreender mais e melhor a si mesmo, a vida e o mundo em que vivemos.
Esse autor consegue propiciar a seus leitores mais do que tudo isso, uma vez que ele sugere uma revisão bastante radical do que aprendemos a chamar de modernidade. Para Latour, jamais fomos modernos. O paradigma da modernidade, que separou radicalmente natureza e cultura, deixando que a ciência cuidasse da natureza e a política da sociedade não impediu a criação, na prática, dos objetos que ele chama de "híbridos", que pertencem à natureza e à cultura ao mesmo tempo e, segundo ele, sobre os quais os modernos se recusam a pensar. Para o autor, mesmo a chamada pós-modernidade (essa outra força que como a modernidade é muito mais que uma ilusão e muito menos que uma essência) também  não dá conta de pensá-los. Portanto, é preciso que sejamos não-modernos (o que, em verdade, nunca deixamos de ser) para que possamos compreender nosso mundo. Essa é a hipótese do autor e que eu estou achando absolutamente instigante conhecer. Aliás, uma reflexão sem igual. Recomendo vivamente!
Estou na metade do livro, então, não poderia e nem pretenderia fazer aqui uma resenha. Fica como sugestão de leitura, tão somente. Para tanto, para transmitir-lhes um tanto disso que estou chamando de instigante, vou reproduzir uma passagem muito esclarecedora, a meu ver, sobre a categoria tempo. Aliás, uma das melhores reflexões que já li sobre o tempo em nosso tempo.
O livro é editado, no Brasil, pela Editora 34 e foi traduzido por Carlos Irineu da Costa. Devo dizer que não vou resistir e grifarei as passagens que acho substanciais nesse excerto do livro que aqui compartilho. ;-)

SELEÇÃO E TEMPOS MÚLTIPLOS

Felizmente, nada nos obriga a manter a temporalidade moderna com sua sucessão de revoluções radicais, seus antimodernos que retornam àquilo que acreditam ser o passado, e seu jogo duplo de elogios e reclamações contra ou a favor do progresso contínuo, contra ou a favor da degenerescência contínua. Não estamos amarrados para sempre a esta temporalidade que não nos permite compreender nem nosso passado, nem nosso futuro, e que nos força a enviar aos porões da história a totalidade dos terceiros mundos humanos e não-humanos. Mais vale dizer que os tempos modernos deixaram de passar. Mas não vamos nos lamentar por isso, uma vez que nossa verdadeira história nunca teve nada além de relações muito vagas com esta cama de Procusto que os modernizadores e seus inimigos lhe impuseram.
O tempo não é um panorama geral, mas antes o resultado provisório da ligação entre os seres. A disciplina moderna agrupava, enganchava, sistematizava para manter unida a pletora de elementos contemporâneos e, assim, eliminar aqueles que não pertenciam ao sistema. Esta tentativa fracassou, ela sempre fracassou. Não há mais, nunca houve nada além de elementos que escapam do sistema, objetos cuja data e duração são incertas. Não são apenas os beduínos ou os kung que misturam os transistores e os costumes tradicionais, os baldes de plástico e os odres em peles de animal. Há algum país que não seja uma “terra de constrastes”? Acabamos todos misturando os tempos. Tornamos-nos todos pré-modernos. Se não podemos mais progredir como os modermos, devemos regredir como os antimodernos? Não, devemos passar de uma temporalidade a outra já que, em si mesma, uma temporalidade nada tem de temporal. É uma forma de classificação para ligar os elementos. Se mudarmos os princípio de classificação, iremos obter uma outra temporalidade a partir dos mesmos acontecimentos.
Suponhamos, por exemplo, que nós reagrupemos os elementos contemporâneos ao longo de uma espiral e não mais de uma linha. Certamente temos um futuro e um passado, mas o futuro se parece com um círculo em expansão em todas as direções, e o passado não se encontra ultrapassado, mas retomado, repetido, envolvido, protegido, recombinado, reinterpretado e refeito. Alguns elementos que pareciam estar distantes se seguirmos a espiral podem estar muito próximos quando comparamos os anéis. Inversamente, elementos bastantes contemporâneos quando olhamos a linha tornam-se muito distantes se percorremos um raio. Tal temporalidade não força o usos dos rótulos “arcaixos” ou “avançados”, já que todo agrupamento de elementos contemporâneos pode juntar elementos pertencentes a todos os tempos. Em um quadro deste tipo, nossas ações são enfim reconhecidas como politemporais.

Do fundo do meu coração, não pretendo ser pedante, esnobe, mas vocês acreditam que eu sempre pensei exatamente assim, acerca do tempo em nossos tempos? rsrsrs É óbvio que mesmo já tempo pensado em algo semelhante eu não poderia ter dito o mesmo, assim, como ele nos disse e, aliás, tão apropriadamente.
 ;-)

Cerisy-juillet 2006 - photo Fabian Muniesa

2 comentários:

  1. Vou acrescentar aí um excerto de Leminsky, outro grande:

    "Onde é que nós estamos que já não reconhecemos os desconhecidos?"

    luciana

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  2. Muito bom, Lu!rsrsrs

    Onde estamos, no tempo e no espaço, para não reconhecê-los não é mesmo?

    beijos, linda!

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