quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Laurie Anderson said: No rules!

Faz três dias que não posto nada por aqui. Mas é que tivemos feriado ontem, no Brasil, e eu estava em trânsito desde 6ª-feira. ;-)
Ontem, o feriado de Nossa Senhora Aparecida e o Dia das crianças contou, em São Paulo, com a abertura da exposição de Laurie Anderson, I in You, que já andei divulgando por aqui. Foi no CCBB.
A artista chegou e preparou-se, calçando uns patins e que tinham na base de cada pé uma pedra de gelo. Ajudaram-na a subir no palco e ela manteve-se equilibrada nessa base, que foi derretendo durante o tempo em que ela tocava uma peça recente ao violino, em referência a uma de suas performances mais clássicas, Duets on Ice (dueto sobre o gelo), executada em Nova York, nos anos 70. Ela tocava seu violino, enquanto também comandava uma mesa de som.
Para os fãs que estavam no hall do CCBB, cerca de 500 pessoas, foi sensacional ouvir ao vivo uma lenda da criação, uma artista que tem muito claro seu próprio conceito de arte e do que é ser artista. Ela mostrou a que veio de imediato: quando o gelo derreteu (mais ou menos 20 minutos, após iniciado o concerto), ela se desequilibrou no palco, a apresentação terminara. Então, nos disse carinhosamente: Brasil!
No centro do hall, fora instalada um mesa imensa com banquinhos distribuídos ao redor, nos quais o público pôde sentar-se, em volta da mesa, e com os cotovelos apoiados, em pequenos orifícios também cobertos de madeira na mesa. A partir de então, cada qual devia tampar os ouvidos com as mãos. O efeito dessa operação simples de circunspecção é a audição distante de um som que se assemelha ao efeito do som de concha, propriamente, um som que lembra a música natural das águas marítimas, de canto de baleia (ao menos foi isso o que eu ouvi...) e que passa vibrando pelo seu corpo!
Às 18 horas, fomos todos - nós que havíamos agendado, cerca de 40 pessoas - ouvi-la falar em uma pequena sala do CCBB.
Ela respondia às perguntas divagando extensamente, o que, sem dúvida, foi muito bom, uma vez que alguns dos presentes estavam travando um primeiro contato com a artista. De tudo o que nos disse, fiquei particularmente interessado no fato de que, para ela, seu trabalho procura responder a questões importantes como: O que você faz? De que maneira você quer viver? Ela deu o exemplo das reticências, os três pontinhos, esse sinal gráfico no final de uma sentença. Para ela, ele representa a resposta de como passamos o tempo. Essa preocupação está presente na exposição, podemos ler em um dos escritos na parede: Minha teoria sobre pontuação. Ao invés de um ponto final no fim de cada sentença, deveria haver um pequeno relógio indicando quanto tempo foi gasto ao escrever a sentença.
E também, evidentemente, essa preocupação em questionar o que estamos fazendo, de que maneira estamos vivendo, como quando lemos em outra parede: Aqueles dias. Todos aqueles dias. Para que servem os dias.
Depois, a conversa foi em direção à experiência que Laurie Anderson teve com a NASA, como artista residente convidada. Ela contou-nos que o modo como o convite se deu foi curioso: alguém da NASA ligou-lhe e ela não acreditando que falava com alguém da NASA desligou na cara da pessoa... rsrsrs
A experiência em si foi fascinante, segundo ela, porque ela pôde conhecer os cientistas, conversar com pessoas especialistas em nanotecnologia, em robótica. Ela contou-nos, por exemplo, que foi uma emoção quando o robô, que foi enviado para marte, chegou em marte, e, na medida em que suas funções foram sendo executadas, cada equipe de cientistas, que participaram do projeto, puderam aplaudir e dizer "Ah que bom, então, isso funciona..." Ou seja, isso evidencia que a ciência, ainda mais quando em um experimento espacial, é toda uma emoção de variáveis muito distintas e que podem ou não dar certo. A arte e a vida são exatamente assim. O robô andando em marte e cumprindo as funções para as quais foi criado, tudo isso foi uma surpresa! Tudo funcionou. Ele começou a tirar fotos... Ah, os seres humanos fizeram isso!
Para Laurie, artistas e cientistas têm algo em comum, eles não sabem o que estão procurando. ;-)
Portanto, para ela, esses projetos todos são uma ilusão, mas são também uma realização.
E mesmo acerca dos objetos que estão nessa sua exposição: ela nos explicou que eles não são importantes como objetos estáticos, mas como aquilo que abre para novas possibilidades. O que ela deseja que façamos (uma vez que ela já o faz, não é mesmo? rsrsrs) é que vejamos o mundo de uma outra maneira.
Algo que achei, absolutamente, coerente com toda a sua obra, foi o que ela disse sobre o trabalho!
Por exemplo, ela lembrou-nos que há uma regra que diz: você é uma boa pessoa, se você trabalha. "De onde veio essa ideia?”, pergunta-se Laurie. Aliás, ela comentou que São Paulo e New York são muito semelhantes, nesse sentido, por serem centros difusores desse princípio. Por outro lado, quando alguém na plateia perguntou se ela trabalhava em outra coisa que não só com a música, ou, enfim, tão somente com sua produção artística, ela disse que é sempre difícil ser um músico e que é bom ter outro trabalho ao mesmo tempo... Ela, por exemplo, trabalhou no Mac Donald’s: para experimentar o que era ser de uma maneira diferente. Trocar de trabalho de vez em quando é muito bom e, portanto, não só fazer música em tempo integral.
Vejam só que curioso: ela, sendo a excelente artista que é, não é artista em "tempo integral", o que, muito provavelmente, paradoxalmente, constribui para que ela seja uma artista em tempo integral.
Depois, Laurie voltou a nos conceder mais um pouco de apresentação da sua música, agora tão somente sobre os patins, sem o gelo. Foi quando eu chorei, porque a música de Laurie fala na alma, ela tem um eco dos cantos do povo nativo americano, dos índios, tem chuva, tem natureza... E assim, ela é alguém que pode dizer que quando vê a majestade de uma árvore ou olha a beleza do céu, tudo isso soa dentro de si. Aliás, ela nos disse ser uma pessoa que, desde criança, já tinha sua própria religião, sua religião particular: ela via tudo isso (árvores, céu...) e via liberdade em tudo.
E, portanto, ela nos disse tudo: No rules.
Enfim, foi emocionante ver essa forte e, ao mesmo tempo, frágil criatura se equilibrando naqueles patins, tocando seu violino e olhando com carinho para cada um de nós.

Thank you Laurie Anderson for all!

As fotos dessa postagem são de autoria de Luis Carlos, o artista que tem link cativo logo aí na lateral desse blog. Thank you too.

2 comentários:

  1. Ah, que delícia, ouço ecos de uma passagem de Bourdieu que lemos juntos antes de vc ir encontrar Laurie, reproduzo:

    "Todo mundo sabe, por experiência própria, que aquilo que faz correr o alto funcionário pode deixar o pesquisador indiferente, e que os investimentos do artista permanecem ininteligíveis para o banqueiro. Isso quer dizer que um campo só pode funcionar se encontra indivíduos socialmente predispostos a se comportarem como agentes responsáveis, a arriscarem seu dinheiro, seu tempo, às vezes sua honra ou sua vida, para perseguir os objetivos e obter os proveitos decorrentes, que, vistos de outro ponto de vista, podem parecer ilusórios, o que afinal sempre são, na medida em que repousam sobre aquela relação de cumplicidade ontológica entre o hábito e o campo, que está no princípio da entrada no jogo, da adesão ao jogo, da 'illusio'.”

    Pierre Bourdieu em "Lições de Aula".

    A liberdade (de ser, de estar, de usar assim ou assado o tempo) é uma responsabilidade enorme, né? Não é pra qualquer um, não...

    luciana

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  2. Luciana,
    Como você é sofisticada!
    Não era disso mesmo que falávamos e que a artista veio também nos falar?
    Bárbaro isso.
    Eu amo conhecer pessoas como você e como a Laurie. ;-)
    Merci beaucoup por nos proporcionar mais essa nota, tão suplementar, a tudo o que já dissemos por aqui.
    kisses

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