quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Releitura

Eu devo ter lido esse livro no início deste ano. Em março ou abril, aliás, não me lembro se postei about... De qualquer modo, estando em casa esses dias, o reencontrei e notei que foi um livro no qual rabisquei muito, ou seja, grifei inúmeras passagens. Relendo tais passagens, vejo que são também aforismos da poeta.
A delícia de ler uma poeta escrevendo em prosa é que temos a certeza de que quando a pessoa é poeta ela não perde a mão e tudo o que fala, mesmo em prosa, é pura poesia. Cecília é dessas. Essas crônicas ela escreveu, na década de 40, em diferentes jornais brasileiros. Era um tempo em que ler jornal devia ser encantador, porque nossos grandes escritores escreviam neles. A crônica jornalística não tinha nada de banal era pura informação verdadeira, porque traduzia o pensamento de pessoas que tinham o que dizer para aquelas pessoas do seu tempo, mas cuja repercussão do que diziam pode ser observada ainda hoje.
Não resisti, ao reler meus grifos, e escolhi algumas passagens que transcrevo aqui, na esperança de que as pessoas se enlevem tanto quanto eu, na primeira ocasião em que li tais passagens e, hoje, pela manhã, quando fiz a releitura e a escolha dessas passagens, em particular.

Enjoy it!

Eu, da Literatura não tenho muita pena, porque ela facilmente se defende: de todas as artes é a única dotada de fala. (Os Artistas, Rio de Janeio, A Manhã, 13 de junho de 1945)

Você gosta da cólera, amigo? Eu não gosto, porque é uma loucura passageira e feia. Há loucuras belas: quando alguém nos pergunta: “A senhora se lembra de d'Artagnan? Pois era eu...” - e quando uma pessoa nos apresenta os originais de um tratado sobre as granulações concomitantes do éter, ou estudos congêneres. Nisso há poesia, transcendência, um desprendimento da realidade, um gratuito abandono às possibilidades do Sonho. (Evasão, Rio de Janeio, A Manhã, 20 de junho de 1945)

A bomba atômica não deve causar tanta admiração nem tanto susto. Ela é apenas a representação plástica do que uma parte da humanindade tem surdamente realizado, nesses invisíveis laboratórios que também somos. (Oh! A bomba... Rio de Janeio, Folha Carioca, 11 de agosto de 1945)

Das minhas altas varandas a avistava. E se a notei, foi só por sua solidão, esse uniforme pelo qual – objetos, animais, pessoas, - fazemos o nosso reconhecimento.(A casa, Rio de Janeio, A Manhã, “Letras e Artes”, 29 de junho de 1947)

Nunca esperei, no entanto, nada mais do que esse meu amor. Porque o amor não precisa mesmo de nada. E até de certo modo, quando se fortalece muito, começa a excluir tudo.O amor quer ser sozinho, isento de repercussão. (A casa, Rio de Janeio, A Manhã, “Letras e Artes”, 29 de junho de 1947)

Conheço pessoas bem-aventuradas, que falam com os santos, e médiuns ainda não muito esclarecidos que vêem pedaços de gente morta. Tive uma criada que quase todos os dias me contava: “Eu hoje vi as costas do falecido seu José...” “Eu hoje vi o calcanhar da defunda dona Maria...” Essa criada me asseverou que só se vêem as pessoas de costas, e da cintura para baixo. Explicou-me também quando elas podem ser vistas de corpo inteiro. Mas isso foi há muito tempo, e não me lembro. Não quero dizer, porém, que não acredite. Eu acredito em tudo. (Loucuras variadas, Rio de Janeiro, A Manhã, 31 de maio de 1944)

Conheço até pessoas que falam em nome de Jesus Cristo: mas essas são as que eu reputo demasiadamente ousadas, abusivas, principalmente quando comparo suas afirmações com seus atos. E de toda a horda de loucos acima enumerados, esses são os únicos que sinceramente detesto. (Loucuras variadas, Rio de Janeiro, A Manhã, 31 de maio de 1944)

2 comentários:

  1. Merhaba Josafá,

    Con un pie en la calle y a punto de salir "pitando" hacia "mi cuna" (¿será todavía tan agradable retozar entre sus sábanas perfumadas?) quiero apuntar algunas letras, tal vez desconexas o fuera de contexto,p ero líneas al fin y al cabo escritas desde el más puro esrpíritu filo-poético.

    Me han encantado estos "subrrallados" en la obra de esta Cecília Meireles que, no lo oculto, me ha hecho sonrrojarme por el hecho de no conocerla.
    Y esto tan de acuerdo, tanto..."incluso en prosa es poesía pura la palabra que, como un puñal bien afilado, entra entre rígidas costillas para ensartar nuestro pobre y frágil corazón.

    Busco en mis subrrallados y encuentro:
    "Cuando la verdad sea demasiado débil para defenderse tendrá que pasar al ataque"."Al río que todo lo arranca todos lo llaman violento, pero nadie llama violento al lecho que lo oprime."

    BRECHT

    "Os poetas são como crianças, quando se sentam em frente da mesa do escritório com os pés não tocan o chão"

    Stanisław Jercy Lec

    Abraço !

    E feliz Natal!

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  2. Enric,
    Que palavra incrível "subrallados"! Achei o máximo. Expressiva não?

    Você sempre "atacando" hein? Ao menos vc se inspira em Brecht, maravilhoso.
    É verdade: o leito oprime o rio, mas será que ele próprio não faz o seu leito? E em se tratando de rio ninguém o prende, quando suas vazantes ocorrem ele fertiliza toda a extensão a sua volta... Lembrei-me do Nilo.

    Muito bom esse Stanislaw Jercy Lec!!

    Fico muito feliz que vc esteja apreciando minha querida Cecília Meireles.

    Feliz Natal para todos no Mediterrâneo! \o/ \o/

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