segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Inspirado em William Morris

A emoção de conviver com diferentes pessoas.
Todas as pessoas em suas idiossincrasias.

Sobretudo, a emoção impar de conviver conosco mesmos, vinte e quatro horas por dia, todos os dias de uma vida...
Como não desejar conhecer-se melhor e, portanto, buscando abandonar os automatismos, a fim de perscrutar o imponderável dentro da gente?

Buscar conhecer-se tão bem, como quem conhece uma flor, que aparece no jardim em determinada manhã e encanta.

A flor, depois de cumprir seu breve itinerário, fenece.

O artista no entanto, faz o registro desse encantamento plasticamente, para deleite de si mesmo e dos outros, permitindo que algo do mistério dessa beleza permaneça.

Quero ser um artista ensimesmado e conquistar o registro da beleza de minh’alma.

Alcançar a síntese possível daquela transformação que ocorre no recôndito do meu ser, inevitavelmente.



works by William Morris, textile designer, artist and writer (1834-1896)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Reminiscências Insondáveis

Robert Schumann

Na quarta-feira passada, fui assistir ao concerto de Gabriela Montero na Sala São Paulo. A primeira peça do programa foi de Johannes Brahms: Três intermezzi, op. 117. Uma peça delicada, até discreta. Muitíssimo suave.
Já a segunda peça era muito mais vigorosa na sua paixão. Trata-se da Fantasia em dó maior, op. 17, de Robert Schumann (1810-56), uma composição escrita em 1839 e que foi doada para ajudar na construção de um monumento em homenagem a Beethoven.
Há um sofrimento em pauta, pois a Fantasia é também, nos conta Irineu Franco Perpetuo, um retrato confessional das vicissitudes de seu noivado com Clara.

L’Hôtel du Marc
Durante a execução da peça, como foi possível sentir essa atmosfera concernente a um casal em sua intimidade emotiva, pude também imaginar uma cena em que um casal se alternava ao piano, tocando a mesma Fantasia de Schumann. Podiam estar em uma sala de música, talvez na ala mais reservada de uma casa de campo do XIX, na França ou mesmo Alemanha.
E havia ainda a luz de um crepúsculo, aquela incompreensão mútua que sempre há entre os casais e um sedutor desconcerto por isso mesmo e por algo mais, partilhado por ambos. Na cena fantasiada, as mãos das personagens aparecem sempre em destaque, seja sobre o teclado do instrumento, seja sobre o próprio peito feminino, contendo a respiração ofegante, quando de uma emoção mais acentuada.

Perpetuo, que escreveu comentando o concerto da noite citou, em determinado momento de seu texto, o que dissera Luca Chiantore, na sua Historia de la técnica pianística, a respeito dessa peça de Schumann: “(...) a peculiaridade do virtuosismo de Schumann nasce precisamente da vontade de se apresentar como um ‘virtuosismo expressivo’, e importa pouco que esse ideal, em mais de uma ocasião, alcance matizes realmente utópicos”.
Acho interessante o recorte desta citação, porque a meu ver tais matizes pertencem à necessidade de expressão do gênio, cuja mensagem costuma ser endereçada ao futuro.
O mais interessante é que as chamadas distopias contemporâneas, por exemplo, e que na música ou no cinema podem até ser sedutoras, não permitem conduzir nosso pathos a esse suscitar de reminiscências insondáveis, como o faz essa Fantasia de Schumann. É que esse encontro dos amantes se dá agora para além da solidão inevitável daquele primeiro encontro.

Nesse sentido, em qualquer tempo, o compositor romântico é sempre atual.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

There’s how much sugar in that coffee?

via Silver Quill Antiques

Hoje pela manhã, registrei no coração o seguinte diálogo saudável, com um amigo querido:

- Eu agora tomo café sem açúcar: é que estou diminuindo o consumo de açúcar.
- Mesmo?
-Sim, eu percebi que quando eu tomava café pela manhã eu o adoçava com duas colherinhas de açúcar e, no escritório, onde eu também tomo café,  eram mais duas colherinhas de açúcar a cada vez.
Conclui que eu estava ingerindo uma colher (de sopa) de açúcar por dia, no mínimo.
Separadamente, a gente nem imagina uma coisa dessas, mas se colocássemos uma colher (de sopa) de açúcar na boca, todos os dias, a gente perceberia que isso é um absurdo!

- Nossa! Como a gente é ignorante, não? Afinal, quanta coisa precisamos aprender a observar para diminuir o nosso mal-estar no mundo!

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Henry James e as Crianças

Henry James sempre pôde falar com propriedade do assunto que lhe aprouvesse tratar. Afinal, ele alçava qualquer tema ao grau de importância que tinha para ele a própria condição humana. 

Ao menos para mim é visível que na obra de James a condição humana e suas expressões são revestidas daquela dignidade que somente um artista refinado como ele lhes podia conferir.

Ao ir conhecendo suas obras, por exemplo, notamos que a educação das crianças foi um tema de certa predileção do autor. É possível, sem dúvida, observar sua preocupação com essa temática em The Turn of the Screw [A Volta do Parafuso]. Mas, como o chamado "sobrenatural" ali reina, tal circunstância toma praticamente toda a cena,  deixando em segundo plano, por assim dizer, o problema de que aquelas crianças estão mesmo abandonadas a sua própria sorte e dependem daquele amor de empréstimo dos  empregados da mansão.

Em What Maisie Knew [Pelos Olhos de Maisie] temos essa mesma questão posta no palco dos acontecimentos narrativos, mas agora para antecipar algo que mais tarde será muito comum e que ainda hoje o é, a saber: o drama das crianças que passam a ter dois lares depois do divórcio dos pais.
Maisie, por decisão do juiz, viverá com o pai e a mãe (que se odeiam), alternadamente, por períodos de seis meses, portanto, passando metade do ano com um, metade com outro.

Evidentemente, a ironia que perpassa o texto é refinadíssima, em se tratando de um autor como Henry James. Além disso, a observação dos acontecimentos é descrita, sempre pelos olhos de Maisie ou a partir daquilo que ela podia saber, no sentido comum e no sentido figurado da expressão, proporcionando assim algo entre a objetividade própria da inocência de um tal observador, mas associada à compaixão de um narrador que, não sendo piegas, alcança a medida exata da expressão de tal sentimento.

Ele nos desenha um ser humano ainda em formação, mas tendo que aprender a sofrer,  inexoravelmente, porque isto lhe fora posto viver naquelas circunstâncias.

Vejam como esta passagem demonstra isso tudo:

Henry James quando Jovem
Não era, em absoluto, novidade para Maisie que as perguntas feitas pelos pequenos constituem uma curiosa fonte de divertimento para os grandes: com exceção dos assuntos referentes a sua boneca, Lisette, não havia quase nenhuma questão na casa de sua mãe que fosse esclarecida com uma expressão séria no rosto. Nada lhe era tão fácil quanto arrancar uma explosão de gargalhadas das senhoras que lá costumavam reunir-se, e Maisie poderia ter explorado à grande esta sua faculdade se tivesse uma natureza calculista. Por trás de tudo sempre havia algo oculto: a vida era como um corredor compridíssimo com uma sequência de portas fechadas. A menina aprendera que não era uma boa ideia bater a essas portas – se o fazia, vinham detrás delas ruídos zombeteiros. Pouco a pouco, porém, foi entendendo mais e mais, pois aprendia muito com as perguntas de Lisette, que reproduziam o efeito das perguntas que ela própria fazia sobre as senhoras por ela representadas perante a opacidade de Lisette. Pois não era impagável a inocência da boneca? Diante dela, Maisie muitas vezes imitava as senhoras deliciadas. De qualquer modo, havia certas coisas que ela não podia contar nem mesmo a uma boneca francesa. Tudo que lhe era possível fazer era passar adiante suas lições e tentar produzir em Lisette a impressão de que sua vida continha mistérios, ao mesmo tempo que se perguntava se estava mesmo conseguindo dar a impressão, como sua mãe, de esvaecer-se nas brumas do incognoscível. 

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A Tulipa Negra

No mês passado, eu postei a imagem de um canteiro de tulipas na minha página do facebook. Algumas pessoas, sensibilizadas por tanta beleza, curtiram ou mesmo comentaram a postagem, algumas dizendo o quanto amavam a flor. Uma tia querida disse-me ainda que, não sabia o motivo ao certo, mas sempre sentira a tulipa como se ela fosse mesmo uma flor romântica. Disse que talvez isso se desse por influência de uma leitura que ela fizera de um romance de Alexandre Dumas, A Tulipa Negra.
Eu, imediatamente, fiquei com vontade de ler o livro. Eu sou assim, não posso ouvir falar em um clássico da literatura que lamento não o ter lido e, encontrando o livro, corrijo imediatamente a falta.
Pois bem, foi em um sebo no centro da cidade que encontrei uma edição do romance francês, em português. A edição que li, portanto, foi esta preparada para a FTD, com tradução e adaptação de Francisco Balthar Peixoto e que contém lindas ilustrações de Alexandre Camanho.
O autor de Os três mosqueteiros escreveu esta história fascinante e que se passa na Holanda do século XVII. Entre o início de 1672 e 15 de maio de 1673, mais precisamente. Injustamente acusado de traição, Cornélius van Baerle, médico e cultivador de tulipas, é preso, e habitando a cela de uma prisão se apaixona por Rosa, a bela filha do carcereiro.
Então, teremos a conjunção de um amor praticamente impossível , bem como a necessidade do prisioneiro de cultivar a tulipa negra. É que era essa a intenção de van Baerle, desde antes de ser preso injustamente: participar do desafio que a Associação Hortícola de Haarlem propusera, bem como receber o prêmio concedido àquele que conseguisse produzir a tal tulipa.
Dumas partiu inicialmente de fatos históricos verdadeiros, o do assassinato dos irmãos De Witt, políticos influentes no reinado do príncipe Guilherme de Orange e que são considerados traidores do reino (no romance, um deles é padrinho do protagonista), bem como o do crescimento da especulação econômica em torno da planta. Ele entrelaça tais fatos com uma belíssima história de amor e de aventura.

Assim sendo, há obviamente um invejoso vizinho que também cultivava papoulas e que se torna o vilão da história. E, por mais que nós saibamos que ninguém é totalmente mal, assim como ninguém é bom, completamente, ainda assim, quando uma literatura como a de Dumas nos apresenta esses tipos puros e que correspondem ao arquétipo dessa duplicidade que há em nós, penso que, da mesma maneira que queremos nos melhorar, nós também desejamos, na história e pela história, que o bem e o amor vençam por fim.

Há maior alegria do que ter esse desejo completamente satisfeito?