sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Reminiscências Insondáveis

Robert Schumann

Na quarta-feira passada, fui assistir ao concerto de Gabriela Montero na Sala São Paulo. A primeira peça do programa foi de Johannes Brahms: Três intermezzi, op. 117. Uma peça delicada, até discreta. Muitíssimo suave.
Já a segunda peça era muito mais vigorosa na sua paixão. Trata-se da Fantasia em dó maior, op. 17, de Robert Schumann (1810-56), uma composição escrita em 1839 e que foi doada para ajudar na construção de um monumento em homenagem a Beethoven.
Há um sofrimento em pauta, pois a Fantasia é também, nos conta Irineu Franco Perpetuo, um retrato confessional das vicissitudes de seu noivado com Clara.

L’Hôtel du Marc
Durante a execução da peça, como foi possível sentir essa atmosfera concernente a um casal em sua intimidade emotiva, pude também imaginar uma cena em que um casal se alternava ao piano, tocando a mesma Fantasia de Schumann. Podiam estar em uma sala de música, talvez na ala mais reservada de uma casa de campo do XIX, na França ou mesmo Alemanha.
E havia ainda a luz de um crepúsculo, aquela incompreensão mútua que sempre há entre os casais e um sedutor desconcerto por isso mesmo e por algo mais, partilhado por ambos. Na cena fantasiada, as mãos das personagens aparecem sempre em destaque, seja sobre o teclado do instrumento, seja sobre o próprio peito feminino, contendo a respiração ofegante, quando de uma emoção mais acentuada.

Perpetuo, que escreveu comentando o concerto da noite citou, em determinado momento de seu texto, o que dissera Luca Chiantore, na sua Historia de la técnica pianística, a respeito dessa peça de Schumann: “(...) a peculiaridade do virtuosismo de Schumann nasce precisamente da vontade de se apresentar como um ‘virtuosismo expressivo’, e importa pouco que esse ideal, em mais de uma ocasião, alcance matizes realmente utópicos”.
Acho interessante o recorte desta citação, porque a meu ver tais matizes pertencem à necessidade de expressão do gênio, cuja mensagem costuma ser endereçada ao futuro.
O mais interessante é que as chamadas distopias contemporâneas, por exemplo, e que na música ou no cinema podem até ser sedutoras, não permitem conduzir nosso pathos a esse suscitar de reminiscências insondáveis, como o faz essa Fantasia de Schumann. É que esse encontro dos amantes se dá agora para além da solidão inevitável daquele primeiro encontro.

Nesse sentido, em qualquer tempo, o compositor romântico é sempre atual.

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