Robert Schumann |
Na quarta-feira passada, fui assistir ao concerto de
Gabriela Montero na Sala São Paulo. A primeira peça do programa foi de Johannes
Brahms: Três intermezzi, op. 117. Uma peça delicada, até discreta. Muitíssimo
suave.
Já a segunda peça era muito mais vigorosa na sua paixão. Trata-se
da Fantasia em dó maior, op. 17, de Robert Schumann (1810-56), uma composição
escrita em 1839 e que foi doada para ajudar na construção de um monumento em
homenagem a Beethoven.
Há um sofrimento em pauta, pois a Fantasia é também, nos
conta Irineu Franco Perpetuo, um retrato confessional das vicissitudes de seu
noivado com Clara.
L’Hôtel du Marc |
Durante a execução da peça, como foi possível sentir essa atmosfera
concernente a um casal em sua intimidade emotiva, pude também imaginar uma cena em que um casal se alternava ao piano, tocando a mesma
Fantasia de Schumann. Podiam estar em uma sala de música, talvez na ala mais
reservada de uma casa de campo do XIX, na França ou mesmo Alemanha.
E havia ainda a luz de um crepúsculo, aquela incompreensão
mútua que sempre há entre os casais e um sedutor desconcerto por isso mesmo e por algo mais, partilhado por ambos. Na cena
fantasiada, as mãos das personagens aparecem sempre em destaque, seja sobre o
teclado do instrumento, seja sobre o próprio peito feminino, contendo a respiração ofegante, quando de uma emoção mais acentuada.
Perpetuo, que escreveu comentando o concerto da noite citou, em
determinado momento de seu texto, o que dissera Luca Chiantore, na sua Historia de la técnica pianística, a
respeito dessa peça de Schumann: “(...) a peculiaridade do virtuosismo de Schumann
nasce precisamente da vontade de se apresentar como um ‘virtuosismo
expressivo’, e importa pouco que esse ideal, em mais de uma ocasião, alcance
matizes realmente utópicos”.
Acho interessante o recorte desta citação, porque a meu ver tais
matizes pertencem à necessidade de expressão do gênio, cuja mensagem costuma ser endereçada
ao futuro.
O mais interessante é que as chamadas distopias contemporâneas,
por exemplo, e que na música ou no cinema podem até ser sedutoras, não permitem
conduzir nosso pathos a esse suscitar de reminiscências insondáveis, como o faz
essa Fantasia de Schumann. É que esse encontro dos amantes se dá agora para além da solidão inevitável daquele primeiro encontro.
Nesse sentido, em qualquer tempo, o compositor romântico é
sempre atual.
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