terça-feira, 19 de março de 2013

Na hora do almoço

Igreja São Gonçalo

São Paulo é uma cidade muita linda mesmo! 

Nela acontecem coisas que não esperamos que aconteça. 

Ou seja, que a vida possa ser surpreendente.

Por exemplo, eu trabalho no Pátio do Colégio. Sim, bem em frente ao famoso endereço da fundação da cidade, que, por sua vez, é ao lado da Praça da Sé, que, por sua vez ,é ao lado da Praça Dr. João Mendes. Em cada um desses endereços temos uma igreja. A da Praça Dr. João Mendes é a Igreja de São Gonçalo.
Pois foi ali que ocorreu nesta terça-feira, 19 de março, às 13h, um concerto do Duo Ouvir Estrelas. Trata-se de um duo de canto e piano formado pela cantora lírica Clarissa Cabral e a pianista Eliana Monteiro.

Somente ao meio-dia eu recebera a informação de que tal evento ocorreria. Isso se deu pelo facebook, onde um amigo querido me avisou. 

Pois bem, o evento coincidia com o meu horário de almoço! 

Eliana Monteiro
Então, pude conferir a dica. O programa do concerto era todo dedicado a grandes compositoras do séc. XIX e fazia parte de uma programação do Sesc Carmo dedicada ao mês da mulher: Mulheres na Pauta. As compositoras escolhidas para o programa tiveram chance de se destacar em sua época por terem a seu favor o mesmo ponto em comum, ou seja, parentesco com algum grande compositor que lhes emprestou prestígio, e, assim sendo, suas composições puderam ser consideradas mesmo na difícil cena musical para uma mulher, naquele tempo. Foram elas: Clara Schumann (1819-1896), esposa de Robert Schumann, Fanny Mendelssohn Hensel (1805 – 1847), irmã de Félix Mendelssohn  e Alma Schindler Mahler (1879-1964), esposa de Gustav Mahler.

Clarissa Cabral
Clarissa nos contou que ela e Elaine se conheceram durante a pesquisa de mestrado que faziam, pois ambas estudavam diferentes aspectos da vida e obra de Clara Schumann e foram como que reunidas pela compositora. Já o nome do Duo foi inspirado na composição Ouvir Estrelas de uma compositora viva  e atuante e que estava compareceu pessoalmente ao concerto: Nilceia Baroncelli.


A composição em seu canto remetia ao famoso soneto de Bilac:





Ouvir Estrelas

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizes, quando não estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas". 

Foi nesse clima que todo o concerto se desenvolveu. Fomos embalados pelo amor, pois ao iniciar com essa composição, ficou mais fácil entrar no clima e dar vazão à fruição das composições de Schumann,  que na sequência Clarissa cantou em alemão: Volkslied, Walzer e Das Veilchen. Nelas falou-se da espera de um amor, do prazer do casal de nubentes ao dançar uma valsa e de uma violeta pisoteada pelo seu amado, sem que com isso o seu sentimento amoroso fenecesse.

Havia um clima de romance no ar e, of course, de muita sensibilidade e cumplicidade feminina. O duo, as compositoras todas, a plateia singela e. no alto teto da igreja, a pintura de uma imagem imensa de Nossa Senhora, abençoando essa hora de almoço nada rotineira, tudo isso nos comprovou a existência de uma força surpreendente e a que todo chamado pode conduzir quando correspondido. 

Senti ainda que há uma tessitura ou urdidura invisível do passado com o presente, sobretudo, naquilo que nesse último permanece: a emoção que nos legam as canções em qualquer tempo e lugar.

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