quarta-feira, 6 de junho de 2012

Nossa reverência


Eu passei, faz pouco tempo é verdade, a admirar todos os seres humanos. Tenho a sensação de que o que temos, ao ver o mundo habitado, é sempre uma variação infinita do mesmo tema, isso mesmo! Sobretudo, quando se trata de seres humanos e seus comportamentos: seus feitos, suas alegrias e tristezas, seus limites ou  genialidade.

Notamos isso que estou tentando descrever, por exemplo, ao ler uma biografia. Mesmo que em tal livro se conte, necessariamente, a vida de alguém cujos feitos foram considerados importantes e, assim sendo, tornou-se também imprescindível que o conjunto de acontecimentos dessa vida fosse conhecido pela posteridade.

No momento, leio acerca da vida de Beethoven, uma biografia escrita por Bernard Fauconnier e traduzida por Paulo Neves. Aqui fica evidente, ao que me pareceu, que ser genial é uma condição a ser alçada somente por alguns poucos, pois isso não poderia ser para todos e ao mesmo tempo, ou seja, esse vir a ser em meio à humanidade, fazendo notar essa capacidade de estar à frente do próprio tempo: um dos segredos da genialidade humana em qualquer área do conhecimento.

E, ao lermos essa história, algo muito importante também fica comprovado: o que determina uma genialidade não é a condição aparente em que esse ser genial vive sua experiência. Por exemplo, o grande músico era filho de um pai alcoólatra e de uma mãe tuberculosa e era cercado de irmãos ineptos e, mesmo assim, não se submeteu a essas condições, não se tornou um medíocre.
Beethoven, aliás, nasceu num período que acabara de conhecer o gênio de Mozart, e precisou, mesmo que em meio a muitas vicissitudes, impor o seu próprio gênio aos seus contemporâneos.

Algumas passagens muito interessantes desse livro que ora leio:

Diante do majestoso Reno, nessa natureza amável e poderosa, ele descobriu o sentimento profundo da realidade do mundo e de suas forças telúricas, concebeu o desejo de ser amado por sua música, de tornar-se através do trabalho, da virtude, da doação de si a seus semelhantes, aquilo que o seu pai não soube ser: um grande artista.

Posso dizer que levo uma vida miserável. Há quase dois anos evito encontros em sociedade, pois não posso dizer às pessoas: sou surdo. Se eu tivesse outra profissão, ainda seria possível; mas na minha é uma situação terrível. E o que diriam meus inimigos, que não são poucos? – Para te dar uma ideia dessa estranha surdez, direi que no teatro devo me colocar junto à orquestra para compreender os atores. Não ouço os tons elevados dos instrumentos e das vozes quando me coloco um pouco distante.

Beethoven é contemporâneo do nascimento e dos primeiros passos do piano moderno. Ele conheceu o cravo, depois o pianoforte, de som ainda áspero, vagamente desafinado, digam o que disserem os “puristas”, os esnobes, os defensores de uma “autenticidade musical” imaginária: com frequência Beethoven se queixou de que o instrumento com o qual sonhava, e para o qual compunha, ainda não existia!

Príncipe o que o senhor é, o é pelo acaso do nascimento. O que eu sou, o sou por mim. Príncipes existem e sempre existirão aos milhares. Mas só há um Beethoven.

Por volta das quatro da tarde, o céu escureceu e caiu uma tempestade, “uma tempestade formidável, acompanhada de granizo e neve”, escreve Gerhard von Breuning. Beethoven ergue a mão, cerra o punho como se quisesse desafiar o céu, conta Hüttenbrenner, enfeitando talvez a cena. E acrescenta: “Quando a mão caiu sobre o leito, os olhos estavam semifechados. Com a mão direita ergui sua cabeça, apoiando a esquerda sobre o peito. Nenhum sopro saía dos seus lábios, o coração havia parado de bater. Fechei seus olhos, sobre os quais depus um beijo, assim como na testa, na boca, nas mãos.”


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