Eu passei, faz pouco tempo é verdade, a admirar todos os
seres humanos. Tenho a sensação de que o que temos, ao ver o mundo habitado, é
sempre uma variação infinita do mesmo tema, isso mesmo! Sobretudo, quando se
trata de seres humanos e seus comportamentos: seus feitos, suas alegrias e
tristezas, seus limites ou genialidade.
Notamos isso que estou tentando descrever, por exemplo, ao ler uma biografia. Mesmo que em tal livro se conte, necessariamente, a vida de alguém cujos feitos foram considerados importantes e, assim sendo, tornou-se também imprescindível que o conjunto de acontecimentos dessa
vida fosse conhecido pela posteridade.
No momento, leio acerca da vida de Beethoven, uma biografia escrita por Bernard Fauconnier e traduzida por Paulo Neves. Aqui fica evidente, ao que me pareceu, que ser genial é uma condição a ser alçada somente por alguns poucos, pois isso não poderia ser para todos e ao mesmo tempo, ou seja, esse vir a ser em meio à humanidade, fazendo notar essa capacidade de estar à frente do próprio tempo: um dos segredos da genialidade humana em qualquer área do conhecimento.
E, ao lermos essa história, algo muito importante também fica comprovado: o que determina uma genialidade não é a condição aparente em que esse ser genial vive sua experiência. Por exemplo, o grande músico era filho de um pai alcoólatra e de uma mãe tuberculosa e era cercado de irmãos ineptos e, mesmo assim, não se submeteu a essas condições, não se tornou um medíocre.
Beethoven, aliás, nasceu num período que acabara de conhecer
o gênio de Mozart, e precisou, mesmo que em meio a muitas vicissitudes, impor o seu
próprio gênio aos seus contemporâneos.
Algumas passagens muito interessantes desse livro que ora leio:
Diante do majestoso
Reno, nessa natureza amável e poderosa, ele descobriu o sentimento profundo da
realidade do mundo e de suas forças telúricas, concebeu o desejo de ser amado
por sua música, de tornar-se através do trabalho, da virtude, da doação de si a
seus semelhantes, aquilo que o seu pai não soube ser: um grande artista.
Posso dizer que levo
uma vida miserável. Há quase dois anos evito encontros em sociedade, pois não
posso dizer às pessoas: sou surdo. Se eu tivesse outra profissão, ainda seria
possível; mas na minha é uma situação terrível. E o que diriam meus inimigos,
que não são poucos? – Para te dar uma ideia dessa estranha surdez, direi que no
teatro devo me colocar junto à orquestra para compreender os atores. Não ouço
os tons elevados dos instrumentos e das vozes quando me coloco um pouco
distante.
Beethoven é contemporâneo
do nascimento e dos primeiros passos do piano moderno. Ele conheceu o cravo,
depois o pianoforte, de som ainda áspero, vagamente desafinado, digam o que
disserem os “puristas”, os esnobes, os defensores de uma “autenticidade musical”
imaginária: com frequência Beethoven se queixou de que o instrumento com o qual
sonhava, e para o qual compunha, ainda não existia!
Príncipe o que o
senhor é, o é pelo acaso do nascimento. O que eu sou, o sou por mim. Príncipes
existem e sempre existirão aos milhares. Mas só há um Beethoven.
Por volta das quatro
da tarde, o céu escureceu e caiu uma tempestade, “uma tempestade formidável,
acompanhada de granizo e neve”, escreve Gerhard von Breuning. Beethoven ergue a
mão, cerra o punho como se quisesse desafiar o céu, conta Hüttenbrenner,
enfeitando talvez a cena. E acrescenta: “Quando a mão caiu sobre o leito, os
olhos estavam semifechados. Com a mão direita ergui sua cabeça, apoiando a
esquerda sobre o peito. Nenhum sopro saía dos seus lábios, o coração havia
parado de bater. Fechei seus olhos, sobre os quais depus um beijo, assim como
na testa, na boca, nas mãos.”
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