terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Um chá com Amós Oz

É uma experiência de civilidade sem igual ler um romance de Amós Oz. Há sempre em seus livros um cuidado todo especial com a construção de personagens femininas, crianças e idosos. Um respeito por eles e que é quase transcendente em sua pureza. As questões políticas da sua obra, ao menos me parece, são sempre um pano de fundo para essa questão mais essencial do cuidado com o outro e que é o que assoma em primeiro plano.
E sempre há também poetas nos romances de Amós Oz.
Eu fico comovido até não mais poder: Qual seria a utilidade de se ler um romance se não fosse para alimentar em nós essa comoção d'Alma?
Não estudo mais literatura, há um bom tempo, e isso é uma desvantagem quando se trata de literatura. Seu estudo é tão rico! No entanto, essa mesma desvantagem possibilitou a mim uma espécie de compensação: posso apenas vivê-la como leitor e isso me traz um grande alívio, ou seja, o de quem está livre para amar desmesuradamente. Afinal, é possível que nos apaixonemos por um livro. Ora pois! Como não?
Por exemplo, compartilho com os leitores desse blog um trecho dessa minha atual leitura, a desse livro de Amós Oz e que tem estado em minha cabeceira.
Após a leitura do trecho quero que me responda: Isso não é apaixonante?

"Você quer me ajudar, Uri?"
Eu largava no mesmo instante as rolhas e os papéis dourados e prateados, suspendia o fogo em todas as frentes e acompanhava a Mãe até a cozinha. Eu gostava de ajudá-la a servir o chá. Gostava de arrumar tudo com cuidado no carrinho preto de vidro e de levar o carrinho para a sala: cinco xícaras com seus pires de vidro. Cinco pratos rasos para o bolo. Cinco garfos com um dente mais grosso e outros dois mais finos. Cinco colherinhas. Açúcar. Leite. Limão. Reforço de nozes e biscoitos. Logo a chaleira ia ferver a a Mãe serviria o chá. Enquanto isso minha tarefa era descer as escadas, atravessar a ruela, acordar o velho poeta de sua sesta vespertina de verão numa espreguiçadeira a um canto do maltratado jardim, entre os oleandros secos e os canteiros de espinhos, e, propor-lhe educadamente:
"Senhor Nechamkin! Desculpe! Senhor Nechamkin! Lá em casa vamos tomar chá, e estão perguntando se o senhor também virá tomar conosco, por favor?"
A princípio o velho não se mexia.Só abria os olhos azuis e olhava para mim espantado. Depois, em seu rosto de cágado se desenhava um sorriso cansado, como um sorriso que vem depois do desalento, e sua mão apontava com ternura para o pimenteiro, de entre cujos galhos se ouvia o alarido de passarinhos invisíveis que pareciam tomados de êxtase:
"O que é que há, garoto, o que está havendo lá, algum incêndio, Deus nos livre?"
E logo acrescentou:
"Menino Uriel. Sim. Abra a boca e me ilumine com suas palavras."
"Estão tomando chá, senhor Nechamkin, e conversando, e pediram muito que o senhor venha também."
"Nu. O quê. Sim. Até parece que tem um incêndio, Deus nos livre, mas felizmente não há fogo nenhum. E eu haverei de ir. Claro que irei. Melhor ainda, vamos os dois juntos, como um só homem: o poeta e o menino. Vamos indo, com muita alegria, e não ficaremos sem recompensa."
(...)
...Não minhas senhoras e meus senhores, não, não vou tomar um segundo copo. Não tem dinheiro no mundo que me faça beber mais, para que vocês não pensem que sou um glutão ou um beberrão. Eu me basto com um copo só. Fico satisfeito. Mas, por outro lado, minha senhora, por outro lado como posso recusar-lhe? Ao contrário, é uma satisfação beber com vocês mais uma vez. Contanto que não tenham muito trabalho. Depois vou ler para vocês alguns versos modestos, com sua licença, é claro, despedir-me e seguir em paz meu árduo caminho. Recebam meus agradecimentos e minhas bençãos, vocês foram muito amáveis comigo".

2 comentários:

  1. A detalhada descrição dos utensílios para o chá me remeteu instantânea e rapidamente a uma certa situação...que sensação gostosa...PARABÉNS!

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  2. Sabe que essa passagem é a que mais me encanta também? A descrição dos utensílios, dos objetos, acho que por isso achei essa imagem que combina com o descrito.
    A vida é cheia de significado nesses detalhes e rituais, eu também acho e de lembranças por isso mesmo né Camila?
    beijos e obrigado

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