terça-feira, 11 de outubro de 2011

Quando todo dia éramos crianças

Boy in tree by Gary Undercuffler
O que é de certo modo inesquecível e que pertence ao tempo da minha infância é o fato de que, então, eu me sentia muito bem sendo criança, e, ao mesmo tempo, essa mesma criança se sentia um pouco desconfortável, talvez por que éramos ainda crianças.


É que por um lado o mundo nos parecia excessivamente misterioso e, por outro, bastante hostil. Enfim, fosse para o bem ou para o mal, não sabíamos o que podíamos esperar dele.

Pois se até havia meninas mal educadas!

Dos meninos, era sabido, eles eram mesmo criaturas naturalmente exasperantes, uma vez que mesmo o mais verdadeiramente galantuomo dentre eles se tornava um selvagem, quando na companhia dos demais.

As meninas todas eram doces, mas havia aquelas que pareciam já ter sofrido e, por isso mesmo, tinham também cada qual endurecido a sua cota, deixando de lado a ternura que talvez ainda esperávamos delas. Além disso, parecia-nos que, por sua vez, elas achavam um tanto estranho que alguém como eu estivesse ainda por ali: intocado e intocável.

Pois era assim mesmo que eu me sentia nesse tempo, posto que passei minha infância toda precisando muito da proteção dos adultos de carne e osso, além da dos anjos invisíveis.

E, assim, só podia me espantar quando, no contato com as outras crianças, eu via o que havia de errado no mundo!

Lembro-me, quando já na pré-adolescência, uma prima me perguntou, entre meio que chocada, mas também um tanto quanto perversamente... Ela perguntou-me se eu já sabia como nasciam os bebês.

Embora eu fosse criança mesmo e nem soubesse tanto assim, fiquei a mirá-la, pois seu estado era de quem estava honestamente dividida entre o espanto e a tristeza, e, assim sendo, concluí que ela apenas descobrira que o mundo era algo feito de suor e lágrimas.

Eu, por meu lado, procurei sugerir que tudo aquilo era normal desde que possível!


"Flooded Out" collect potatoes
by Gary Undercuffler
 Hoje, apenas hoje, vejo o que a minha criança tinha de mais elegante na sua inocência: ela aceitava tudo como possibilidade, como parte do mundo, mas também o fato de que tudo o que acontece nele é apenas possível quando não irrompemos somando a essas mesmas coisas, enfim possíveis, o insuportável da tristeza ou do temor!

Isso não era um risco para mim, porque eu sempre fui uma criança que reservava um profundo amor a Deus que, no entanto, eu ainda não podia compreender de modo algum, a não ser por intermédio mesmo desse amor inocente.

4 comentários:

  1. Josafá Júnior, sempre que leio os seus textos no qual sou fanática, por lê-los, me pergunto se você além de adulto, não carrega uma verdadeira criança dentro e por fora de você. Estou achando que mais que uma pessoa doce, és um menino com o coração de um anjo.

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  2. Gosto tanto de te ler! Não só porque seus textos são tão bonitos, mas porque encontro um eco deles em mim - eu também, criança, entre alegria e espanto diante das descobertas, até hoje.
    beijos,

    Solange

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  3. Eu estou tão emocionado com as manifestações por conta dessa postagem. Ela também calou fundo em mim. Eu não sabia que tinha tudo isso a dizer dessa experiência antes de dizê-lo. Foi uma descoberta que se deu quando busquei refletir sobre esse momento tão especial na vida de todos nós. Obrigado, muito obrigado pelas manifestações. Além de vocês aqui, duas queridas do face também se manifestaram e tudo isso foi deveras emocionante, acreditem! Bom fim de semana Solange Lemos e minha amiga Anônima.

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