segunda-feira, 20 de abril de 2009

Bom escandalosamente bom

Ontem, eu fui ao boteco de uma amiga e que fica bem perto da minha casa. Essa minha amiga faz um curso de Pedagogia e pede para eu ajudá-la em algumas atividades da Faculdade. Lemos os textos juntos, eu corrijo seus textos, etc. Isso acontece só quando ela e o marido fecham o bar, o que, aos domingos, ocorre por volta das 21 h. No boteco da minha amiga, a clientela é a da sua vizinhança. Gente boa na sua maioria e absolutamente despojada. Ontem, uma mulher que alcançou a sua própria década de 50 dançava ao som de Zeca Pagodinho. Tratava-se de uma negra com samba no pé, então, olhar sua expressão corporal, enquanto dançava, emocionou-me. Como é bonito uma mulata de escola de samba dançando em qualquer tempo e lugar!
Já anteontem, eu corversava com um senhor homossexual de 70 e poucos anos, e lembrava-lhe o quanto me emocionara sua narrativa acerca do tempo da sua infância e que ele viveu em pleno início da década de 40 e nos arredores de Veneza, na Itália. Ele contara-me, em determinada ocasião, que na grande casa da família, na zona rural, eles escondiam os soldados americanos no lugar da casa que era uma espécie de celeiro e que suas primas se apaixonaram e se casaram com dois desses soldados. Contudo, o mais incrível, segundo ele, era ver os refugiados de guerra chegando: as mulheres e crianças fugindo, fugindo, desesperados. Observava que sua mãe e sua avó mesmo sem entenderem a língua das senhoras polonesas, por exemplo, isso não as impedia de que fossem solidárias: aquelas podiam oferecer para essas seus cestos de palha ou outros produtos de artesanato, pedindo em troca um pouco de fubá e isso para que pudessem alimentar seus filhos. Quão emocionante foi ouvir da boca daquele senhor essa narrativa da vivência de um bastidor desse período tão trágico da nossa história!
A vida é mesmo assim: toda boa surpresa vem de onde não esperamos. É preciso estar de olhos e ouvidos bem abertos e, então, ela acontece. Como nessa passagem de Desvario (vide post anterior) de David Grossman:
...às vezes, nos momentos de insuportável comoção, dá mesmo vontade de morrer, pois como é possível suportar todo esse bom sem razão de ser, esse bom escandalosamente bom.

4 comentários:

  1. Pois é, o problema de fundo do dito capitalismo selvagem é justmente roubar das pessoas essa experiência da singeleza de um momento bom, ou, por outra, é tornar insustentável a leveza de ser.
    E que bom é um bar perto de casa, aonde vai um povo assim, sem pretensão, conversar, sambar no dia do aniversário... - bom demais.

    ResponderExcluir
  2. Luciana,
    Bom-bom demais! Mesmo!
    Adoro seus comentários.

    ResponderExcluir
  3. Interessante, passei aqui para dar uma olhada nas novidades Josafiãnas e me deparo com este texto. Creio eu ser esse o texto, que fez com que você me chamasse de mal-criada, ou é realmente muito similar a história. Que no momento em que a li pela 1ª vez, não compreendi exatamente o significado...
    Já agora a li e estranhamente tudo fez um imenso sentido. Compartilho como vc o gosto de viver através da palavra a experiência alheia e de gozar das singelezas dos fatos, os quais passamos a lembrar e nos fazemos, também, fazendo parte de expressões e experiências que não são tão nossas...

    ResponderExcluir
  4. Meu amor,
    vc não é malcriada! Malcriada é outra coisa. rsrsrs
    Que bom que vc curtiu esse post. Eu gostei tanto de escrevê-lo!

    ResponderExcluir