quinta-feira, 28 de março de 2013

De profundis

Deserto à noite by André Lins



Há aborrecimentos que não são desta experiência imediata, que são acionados pelo inconsciente! Esse da psicanálise propriamente freudiana of course... Mas há também aquele Outro da análise junguiana, sim! 

Vejo-me, por exemplo, acionando por vezes aborrecimentos ancestrais. São lembranças de priscas eras e que, no entanto, são despertadas na forma de um pequeno aborrecimento contemporâneo: quando então tudo fica ridículo, porque é muito sentimento velho expresso em um presente que não demanda essa maluquice toda.

Eu sei que isso também faz parte da experiência de ser gente.

Contudo, eu desconfio muito quando o fato corriqueiro que desperta o tal aborrecimento, ao mesmo tempo novíssimo e ancestral, diz respeito sobretudo à ação de alguém do meu cotidiano.

Por que com essa pessoa em particular tenho sempre um evento que me exaspera, me constrange ou me desperta a ira? O que terei feito a ela ou o que ela me terá feito? Quando exatamente teria se dado esse desgosto e por quê? Embora fique evidente que o que assim se apresenta não possa ser tão fortuito, fico sem ter como responder a nenhuma dessas questões.

Assim sendo, o ideal é estar mais atento ao aqui e agora mesmo, ou seja, menos afoito ao desentendimento gratuito, despertado por uma história tão antiga e que por sua expressão contemporânea já se revela como produto espúrio de um tempo em que éramos provavelmente muito mais ignorantes e por isso mesmo menos serenos.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Eryn Green's poem

Hoje é o dia mundial da poesia! Como é necessário existir esse dia, por favor!

Essa semana, coincidentemente, eu descobri um jovem poeta americano e esse seu poema.
Um verdadeiro presente das musas.

Eu tentei fazer uma transcrição em português do poema, em uma tradução muito livre e que não ficou boa!
Mas foi como eu consegui entender sua poesia, afinal.

Feliz dia da poesia para todos os poetas e para todos nós! ;-)


Page of Swords 

So take care of yourself, learn how
to take better pictures, breathe
into your hips, braver please

give love credit for
the way I live
that call me 
kind of feeling
frenzied, lupine,
the card I draw
blushing in your breast
pocket undressing
freedom I know you
know you understand


From “Eruv,” by Eryn Green, to be published by Yale University Press in April 2014

Página de Espadas

Então, cuidar de si, aprender como
tirar fotos melhores, respirar
em seus quadris, agradar com bravura
dar crédito de amor
à maneira que vivo
a qual me chamam
tipo de sentimento
frenético, flor de tremoceiro, 
o cartão que desenhei
corando em seu peito
bolso desnudo
liberdade que eu sei 
você conhece e entende

De "Eruv," de Eryn Green, a ser publicado pela Yale University Press, em abril de 2014 

terça-feira, 19 de março de 2013

Na hora do almoço

Igreja São Gonçalo

São Paulo é uma cidade muita linda mesmo! 

Nela acontecem coisas que não esperamos que aconteça. 

Ou seja, que a vida possa ser surpreendente.

Por exemplo, eu trabalho no Pátio do Colégio. Sim, bem em frente ao famoso endereço da fundação da cidade, que, por sua vez, é ao lado da Praça da Sé, que, por sua vez ,é ao lado da Praça Dr. João Mendes. Em cada um desses endereços temos uma igreja. A da Praça Dr. João Mendes é a Igreja de São Gonçalo.
Pois foi ali que ocorreu nesta terça-feira, 19 de março, às 13h, um concerto do Duo Ouvir Estrelas. Trata-se de um duo de canto e piano formado pela cantora lírica Clarissa Cabral e a pianista Eliana Monteiro.

Somente ao meio-dia eu recebera a informação de que tal evento ocorreria. Isso se deu pelo facebook, onde um amigo querido me avisou. 

Pois bem, o evento coincidia com o meu horário de almoço! 

Eliana Monteiro
Então, pude conferir a dica. O programa do concerto era todo dedicado a grandes compositoras do séc. XIX e fazia parte de uma programação do Sesc Carmo dedicada ao mês da mulher: Mulheres na Pauta. As compositoras escolhidas para o programa tiveram chance de se destacar em sua época por terem a seu favor o mesmo ponto em comum, ou seja, parentesco com algum grande compositor que lhes emprestou prestígio, e, assim sendo, suas composições puderam ser consideradas mesmo na difícil cena musical para uma mulher, naquele tempo. Foram elas: Clara Schumann (1819-1896), esposa de Robert Schumann, Fanny Mendelssohn Hensel (1805 – 1847), irmã de Félix Mendelssohn  e Alma Schindler Mahler (1879-1964), esposa de Gustav Mahler.

Clarissa Cabral
Clarissa nos contou que ela e Elaine se conheceram durante a pesquisa de mestrado que faziam, pois ambas estudavam diferentes aspectos da vida e obra de Clara Schumann e foram como que reunidas pela compositora. Já o nome do Duo foi inspirado na composição Ouvir Estrelas de uma compositora viva  e atuante e que estava compareceu pessoalmente ao concerto: Nilceia Baroncelli.


A composição em seu canto remetia ao famoso soneto de Bilac:





Ouvir Estrelas

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizes, quando não estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas". 

Foi nesse clima que todo o concerto se desenvolveu. Fomos embalados pelo amor, pois ao iniciar com essa composição, ficou mais fácil entrar no clima e dar vazão à fruição das composições de Schumann,  que na sequência Clarissa cantou em alemão: Volkslied, Walzer e Das Veilchen. Nelas falou-se da espera de um amor, do prazer do casal de nubentes ao dançar uma valsa e de uma violeta pisoteada pelo seu amado, sem que com isso o seu sentimento amoroso fenecesse.

Havia um clima de romance no ar e, of course, de muita sensibilidade e cumplicidade feminina. O duo, as compositoras todas, a plateia singela e. no alto teto da igreja, a pintura de uma imagem imensa de Nossa Senhora, abençoando essa hora de almoço nada rotineira, tudo isso nos comprovou a existência de uma força surpreendente e a que todo chamado pode conduzir quando correspondido. 

Senti ainda que há uma tessitura ou urdidura invisível do passado com o presente, sobretudo, naquilo que nesse último permanece: a emoção que nos legam as canções em qualquer tempo e lugar.

domingo, 10 de março de 2013

A caneca

Nosso cotidiano é feito de episódios fortuitos aos quais não prestamos quase atenção ou talvez apenas exercitemos uma atenção desinteressada a fim de ocultar certos equívocos a que estamos apegados, portanto, sempre salvaguardando o seu constante retorno, enfim, a possibilidade de que sobrevivam em nós.

Eu tenho aprendido a notar o que estou fazendo de triste, no momento mesmo em que estou fazendo isso, graças a Deus!

Embora durante a observação eu não consiga de imediato mudar o rumo da performance lamentável a que me entrego ali, ainda assim, fico na espreita e a lamentar, assistindo a mim fora de mim, enquanto os laivos estertores da minha própria sombra demonstram que vivo uma experiência sofrida.

Nesse domingo, por exemplo, fui almoçar aqui em casa em companhia da minha mãe que tinha preparado o almoço e também um suco natural de goiaba muito saboroso.
Então, enquanto eu colocava a mesa, dispunha os pratos e talheres, foi quando pensei em usarmos a dupla de canecas de ágata que eu comprara um tempo atrás, ou seja, uma especialmente para mim e outra para ela.

A vermelha eu não encontrei, apenas a verde. Perguntei-lhe onde estava a outra e ela me respondeu que um homem passara por nossa porta pedindo para tomar água ou café e que ela deixou que ele levasse a caneca.

Imediatamente protestei, veementemente, achei um absurdo, lamentei, senti até tristeza por perder assim a canequinha linda e pela qual eu tinha tanto apego e até carinho! kkkkk
Mas, dentro de mim, simultaneamente, senti-me ridículo: como assim ter carinho por uma caneca que me custou R$7 e que temos oferecidas aos montes por aí?

Se me sinto apegado a um objeto material tão reles como poderei afinal ascender espiritualmente?

Essa será sempre a pergunta que não pode ser calada.
Eu acredito que para me elevar espiritualmente tenho que exercitar o desapego, abandonar esse amor desmedido à matéria. E tenho que amar o espírito de todas as coisas em primeiro lugar, simplesmente porque seu invólucro é de ordem transitória.

Tenho que oferecer a água dentro da caneca e não querer nenhum retorno, nem da caridade de ofertar água a quem tem sede e muito menos o retorno da caneca, se ainda for este o caso!

O essencial é sempre aplacar a sede de qualquer um que queira e precise viver.
Querer viver é amar, só tem amor quem vive por amor, para amar.
Que ao menos assim seja, graças a Deus!