quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Dançar o amor

via Planet Wissen

Por vezes, costumo pensar que apenas poderiam saber acerca do sentimento presente na experiência de se dançar uma valsa tão somente os que a dançaram naquele tempo em que esse tipo de composição musical experimentou seu primeiro apogeu, fosse em Viena, fosse na Alemanha, França, Itália ou Inglaterra. 

Será mesmo que somente aqueles privilegiados poderiam compreender o tipo de enlevo aí envolvido? 

Quero tomar assim a coisa, pois esse casal, distante no tempo e espaço históricos, teria dançado a valsa quando ainda viviam compondo-as, por exemplo, os membros da família Strauss.

Segundo Ana Silvério, as composições, que lembram o que hoje é considerado a Valsa Vienense, começaram a surgir a partir da década de 70 do século XVIII, mas o marco histórico é a composição final do Segundo Ato da ópera “Una Cosa Rara”, composta por Martin y Soler em 1786, onde vários casais dançavam ao mesmo tempo. A dança não aparecia como Walzer, Waltzen ou Waltz nas partituras da ópera, mas sim como um Andante con Moto. Essa ópera, em especial essa dança, foi a grande responsável pela imensa popularidade que a Waltzen obteve nos salões de Viena nos anos 1780, espalhando-se então para o resto da Europa.

A partir daí, imagino, pode ter havido aqueles que a dançassem alheios ao movimento de absoluta cumplicidade que essa dança suscita a um casal. Deveriam, pois, existir casais que apenas a dançavam, mecanicamente, ou seja, num desperdício de tempo e de propósito.

No entanto, acredito que até hoje um casal verdadeiramente enamorado vive a dança da valsa como um momento de sublimação, embora tal traço pertença, ele também, a um jogo de sedução pelo qual se dá como que uma embriagues do sentimento. Algo completamente diferente de tudo o que possa existir fora do afeto.

Assim sendo, acredito que são eles, os afetos, que permitem a demonstração também na dança dessa eleição propriamente de sentimentos mútuos.  Seria como se por meio da valsa tais sentimentos tomassem para si uma expressão plástica que se molda, então, na atitude desses corpos de movimentarem-se com leveza e elegância sem igual. 

Evidentemente, isso acontece mesmo quando se dão aquelas voltas e rodopios arrebatadores. Aliás, por conta disso é que eles são possíveis, porque há essa condução recíproca e confiante entre os enamorados, ou seja, amor pura e simplesmente.

Burt Lancaster e Claudia Cardinale dançando uma valsa no filme ‘Il Gattopardo’,
de Luchino Visconti.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O diário de Cecília

O diário de Cecília, de Sylvia Manzano, é um livro dirigido ao público infantil, mas àquele que teria a idade da personagem que dá nome ao livro, ou seja, meninas e meninos entre 12 e 14 anos (um pouco mais ou um pouco menos).

Cecília está às vésperas do seu aniversário de 13 anos e conta nesse diário o seu dia a dia, entre a convivência com a mãe (ela é órfã de pai), com suas tias, com as(os) colegas na escola, bem como com os garotos com os quais ela "fica" e, assim, vai naturalmente descobrindo a experiência de querer bem ao mundo e de se compreender como alguém que é única e diferente de todo mundo, ou seja, exatamente como se sente todo pré-adolescente.

O prazer suplementar dessa narrativa - que permite que qualquer pessoa leia o livro com prazer - é que ela tem a força da sinceridade de quem escreve num diário trancado a chave. Embora a mãe pareça ter livre acesso ao caderno. Tudo começou como um exercício escolar: uma professora descolada foi quem sugeriu a atividade. E Cecília embarcou de cabeça nessa circunstância encantadora que é a de se escrever para o "Meu querido Diário"!

Não faltam referências culturais nessa empreitada, pois Cecília é daquelas garotas que prestam atenção a sua volta. Também não faltará aquele temperamento adolescente que pode por vezes achar a mãe e os adultos pessoas chatas. Há ainda muito riso (gargalhadas) e lágrimas: Cecília demonstra sem vergonha todas as suas emoções, que são intensas e verdadeiras.

Enquanto eu lia o livro, fiquei pensando no talento dessa autora em colocar-se no lugar dessa garotinha! Deve haver ali muito da garota que vive dentro dela, é claro, mas há sobretudo essa generosidade própria dos artistas de se colocar no lugar do outro, imaginar-se uma garota do nosso tempo e ainda ofertar esse perfil eloquente ao mundo, ou seja, permitir que tantas outras garotas possam compartilhar desse segredo feminino e humano e que se revela, afinal, como o segredo de ser feliz naquele momento em que se perde uma certa inocência, mas se ganha a inquietação acerca de tudo o que ainda está por vir. Quando pela primeira vez perguntamos seriamente: O que será que vai acontecer?

Uma pergunta que, claro, continua pela vida afora.

Ah, também fiquei muito contente em ver esse livro publicado pela Paulinas, prova de que ali há um diretiva editorial bastante antenada com seu próprio tempo. Penso que o livro de Sylvia deve ser considerado arrojado, pois fala de tudo o que é importante que seja dito para a infância do nosso tempo, na linguagem e com a atitude que são comuns às nossas crianças.

Recomendo com fervor!

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Masako Kubo

Para a nossa alegria: uma ilustradora que vive entre tokyo e london e que tem uma sensibilidade deliciosa.
Quando vi seus desenhos, pensei que tinha encontrado minha cara metade.
Gosto de suas capas para livros, dos mapas, dos cartões: gosto de tudo! ;-)
Ela ilustra matérias para clientes como The Daily Telegraph / The Guardian / The Independent

Puro talento!

See more illustration work at Masako Kubo Illustration.









sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A Little Princess

Faz pouco tempo, eu descobri um outro livro de Frances Hodgson Burnett, A Little Princess. Ela é a mesma autora do livro The Secret Garden do qual eu já tive o prazer de falar a respeito aqui. Fiquei superfeliz de descobrir que eu poderia novamente adentrar nesse universo sofisticado de uma infância mágica e delicada, que a autora traz à tona, quando os bons sentimentos são exercitados com todo o frescor e vigor de uma vida quintessenciada: mais espiritualizada, portanto.

Pois bem, comprei pela internet essa versão do romance (graças a uma dica de um amigo do facebook, aliás, dois amigos sofisticados que tenho por ali conheciam a obra e fizeram coro comigo de que ela merecia ser lida!) Tal versão, na verdade, é uma adaptação assinada por Eliza Warren. Não achei, portanto, a versão originalíssima. Mas, creio que tal adaptação foi feita para aproximar essa história da linguagem das crianças de nossos dias, posto que a autora escrevia entre o final do XIX e começo do XX. A ver.

Pois saibam que eu passei um pouco de vergonha com esse livro nas mãos, durante as viagens que faço do trabalho para casa, de metrô e de trem. É que ele é tão emocionante que a gente não se furta a derramar lágrimas.

Vejam vocês se eu não tenho razão!

Trouxe abaixo um excerto de uma passagem memorável do romance. Ah, é sempre bom lembrar que a vida pode mesmo apresentar tais circunstâncias e, sim, devemos então aprender, com tais percalços, a arte de bem viver, fazendo o bem sempre! Essa é a principal lição de Mrs Burnett, of course!


As he looked across the street, he saw Sara standing on the wet pavement looking at him wistfully. He thought her eyes looked hungry because she had had nothing to eat for a long time. What Sara was really hungry for was the happy home life Guy Clarence enjoyed with his family.

However, Guy Clarence knew only that this poor girl had big eyes, a thin face and legs, and shabby clothes. So Guy put his hand in his pocket and walked right up to her.

“Here, poor little girl,” he Said. “Here is a sixpence. I would like give it to you.”

All at once Sara realized how long it had been since her father had died and Miss Minghin had banished her to the attic. She realized that she now looked exactly like the poor children she used to see in the London streets, straining for a glimpse of her, as she got into her own fancy carriage. Her face turned red and then pale. For a second she felt as if she could not accept the coin.

“Oh no!” she said. “Oh, no, thank you. I couldn’t take that.”

Her voice was so unlike that of an ordinary street child and her manner so like that of a well brought-up girl that Veronica Eustacia (whose real name was Janet) and Rosalind Gladys (who was really called Nora) leaned forward in the carriage to listen.

Guy Clarence would not take no for an aswer. Immediately, He shoved the sixpence into Sara’s hand. “Yes, you must take it,” He insisted. “You can buy a lot to eat with this. It’s a whole sixpence.”

“Thank you,” she said.  “You are very kind.”

As he scrambled happily back into his carriage, Sara went on her way, trying to smile, although she felt tears welling in her eyes. She had thought she might look Odd and disheveled, but she’s lost track of how long she’d been living up in the attic of Miss Minchin’s. Until now she hadn’t realized that she’d come to look like a beggar.

[Quando o olhar dele cruzou a rua, viu Sara em pé na calçada molhada, olhando-o melancolicamente. Ele achou que seus olhos pareciam famintos, porque ela não comia há muito. Sara, no entanto, estava realmente faminta era daquela vida feliz em um lar e que Guy Clarence desfrutava com sua família.
No entanto, Guy Clarence apenas sabia que esta pobre menina tinha olhos grandes, um rosto fino, assim como suas pernas, e roupas surradas. Então, Guy colocou a mão no bolso e caminhou até ela.

"Aqui, pobre menina," disse ele. “tenho seis tostões e quero dá-los a você.”

De repente, Sara compreendeu quão longo tempo se passara desde que seu pai tinha falecido e a senhorita Minghin a tinha banido para o sotão. Esforçando-se por vislumbrar a si, transportando-se como se vestisse uma fantasia de si mesma, ela percebeu que agora se parecia exatamente como as crianças pobres que ela costumava ver nas ruas de Londres, e que buscavam vislumbrá-la enquanto ela tomava sua própria sofisticada carruagem. Seu rosto ficou vermelho e depois pálido. Por um segundo, ela sentiu como se não pudesse aceitar a moeda.

"Oh, não!" disse. "Oh, não, obrigada. Eu não poderia aceitar."

Sua voz era tão diferente daquela comum a uma criança de rua e seu jeito tão parecido com o de uma menina bem nascida que Verônica Eustácia (cujo nome verdadeiro era Janet) e Rosalind Gladys (que na verdade era chamada de Nora) a fim de ouvi-la se inclinaram para a frente no carro.

Guy Clarence não aceitaria um não como resposta. Imediatamente, ele empurrou a moeda na mão de Sara. "Sim, você deve aceitar", insistiu. "Você pode comprar um monte de comida com isso. São seis tostões!"

“Obrigada,” disse ela. “Você é muito gentil.”

Assim como ele ao voltar para a carruagem, Sara seguiu seu caminho mexida, tentando sorrir, embora sentisse as lágrimas brotando em seus olhos. Ela achava que pudesse parecer estranha, despenteada, mas perdera a noção de quanto tempo já vivia no sótão da senhorita Minghin. Até então, não tinha percebido que pudesse ser vista como uma mendiga.]

Liesel Matthews is Sara Crewe in A Little Princess (1995)
directed by Alfonso Cuarón




segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Eu não acredito que você ainda não foi ver esta exposição!


No último feriado, dia 02 de novembro (Finados), eu fui a uma exposição belíssima!
Trata-se da mostra que acontece no Itaú Cultural, em São Paulo, e que traz um panorama completo da produção de Lygia Clark. O Itaú Cultural e a Associação Cultural "O Mundo de Lygia Clark" são as duas instituições responsáveis por esse evento.
Eu sempre soube da importância da artista brasileira, que, aliás, é muito considerada também no resto do mundo, mas eu a via de um lugar distante. Vejam só! Meu conhecimento resumia-se aos seus "bichos" e, mesmo assim, àqueles que se apresentam fixos, desde muito tempo, nos jardins do Ibirapuera ou do MAC na USP.

Pois bem, Lygia Clark: uma retrospectiva reúne uma centena de seus trabalhos, incluindo as pinturas geométricas e construtivas do início de sua carreira, e... o mais importante: passa pela fase sensorial da artista. 
Essa foi a que mais me surpreendeu e que despertou completamente minha emoção, sobretudo pelo modo como a mostra nos dá a conhecer e nos permite compreender esse estatuto de sua obra.
É que tal experiência revela um trabalho de “borderline”, envolvendo, portanto, a psicanálise e as artes plásticas. 
É essencial que você assista a um vídeo que é apresentado em uma das salas, no qual Lygia aparece falando dos objetos sensoriais que ela criava e onde podemos também assistir a uma demonstração da utilização terapêutica que ela fazia de cada um deles.

Além disso, o público tem a chance de ver, nessa retrospectiva, algumas obras inéditas e que nem sequer chegaram a ser executadas por Clark.
Mineira, de Belo Horizonte, Clark participou do movimento construtivo no Brasil, mas abandonou rótulos e escolas, quando chegou mesmo a denominar-se "não artista". Ela radicalizou conceitos e, portanto, é muito apropriado o modo como se chamava e era chamada: "propositora". 

Seu trabalho permanece importante por algo que é a essência desse trabalho e sinto que não posso denominar a isso de nenhum outro modo. A essência desse trabalho só pode ser denominada pela palavra AMOR.
Lygia Clark é puro amor.

Não deixe de ver: essa é a última semana do evento.
Exposição Lygia Clark: uma retrospectiva
Data: 01 de setembro (sábado) a 11 de novembro (domingo), sempre de quinta a domingo.
Horário: terça a sexta, de 9h às 20h. Sábado, domingo e feriado, das 11h às 20h
Local: Itaú Cultural -- Avenida Paulista, 149, São Paulo, SP
Telefone: (11) 2168 1700

Visite também o Museu Virtual criado em função desse evento.