Deve ser difícil colher a flor do Cardo sem se machucar via Flora da Serra da Arrábida |
- Você precisa tomar muito
cuidado para não achar que tudo o que falam a sua volta diz respeito a você!
- Sim, pois isso demonstraria demasiada
autocentralidade... kkkk Mas, por exemplo, mesmo que não diga respeito
diretamente a mim aquilo que alguém está dizendo em público, ainda que na
minha presença... Mas, o que pensar quando o dito denota uma opinião já arraigada
e que demonstra um preconceito? Ainda assim, não teríamos que responder ao que
sentimos, por exemplo, como um insulto?
- Acho que precisamos de um
exemplo aqui.
- Pois bem, outro dia, dois
homens conversavam na minha presença. Um deles, bem mais jovem que seu
interlocutor. Ele dizia que a mãe não tinha gostado do fato de que um dos
filhos (um irmão desse que falava) tivesse resolvido usar brincos (veja que
bobagem!). O jovem contou que ela até chorou quando viu o que o tal filho
fizera. Então, esse irmão, o que contava ao amigo o ocorrido, disse que naquela
oportunidade falou para a sua mãe: “Calma, mãe, não precisa chorar: ele não
virou veado...” Imediatamente, senti-me autorizado a questionar: Quer dizer que,
se ele tivesse “virado” veado, ela podia chorar à vontade?
- E aí?
- Bem, e aí que ele me pediu
desculpas, embora não pudesse apagar o que havia dito. Parece que o que
acontece em semelhante situação é que o preconceito está tão arraigado na pessoa que ela simplesmente
esquece que está insultando alguém, quando apenas descreve tal preconceito, “inocentemente”, ou seja, em meio a uma fala, contando uma história ou fazendo uma anedota.
- Isso me fez lembrar o que li
certa vez em um livro de um psicanalista, o Alain Didier-Weill. Acho que foi no
livro Os Três Tempos da Lei: o mandamento
siderante, a injunção do supereu e a invocação musical. Era um livro dificílimo,
como costumam ser os textos de psicanálise em geral e eu guardei pouca coisa do
que ele trata. Talvez a questão da sideração tenha ficado bem entendida, afinal
foi o primeiro lugar em que ouvi falar nesse conceito. Mas houve uma outra
passagem que eu nunca vou esquecer!
Trata-se de quando ele explica a
diferença que há entre Injúria e Insulto. Não era exatamente com essas palavras
que vou utilizar aqui, claro, mas ele dava, entre outros, esse mesmo exemplo
que eu vou dar. Na Injúria você tem uma situação em que o ofendido pode revidar,
imediatamente, pois de fato ele não é aquilo de que você o acusa, quando tem a intenção de rebaixá-lo; já no insulto, o insultado fica sem resposta imediata - ao menos para um protesto que possa ser a negação da
sua condição - pois ele não pode negar aquilo de que você essencialmente o chama.
Até porque o problema não está em ele ser aquilo, mas em você não aceitá-lo
como tal ou considerar que, assim sendo, ele lhe é inferior. Portanto, você o considera inferior por ele ser o que é e daí o termo pejorativo para designar tal condição, etc. e tal.
Vemos isso na diferença, por
exemplo, entre chamar de "filho da puta" alguém cuja mãe não é prostituta, e
chamar também assim aquele que realmente é o filho de uma prostituta: o primeiro foi
injuriado, ou seja, sofreu uma injúria, você o acusa, ainda que com a intenção
de ofendê-lo, de ser o que ele de fato não é. Já o segundo foi insultado, porque você, ao apontar aquilo que ele é, julgou-o indigno por
isso mesmo, quis de qualquer modo ofendê-lo, rebaixá-lo na sua condição e, assim, o insultou.
O que nos faz pensar que em nossos
julgamentos, ou seja, quando somos muito judiciosos em relação aos outros,
acerca do que são ou deixam de ser, tudo isso nos expõe ao patético de
proporcionar demasiado sofrimento!
Por que isso é patético?
Evidentemente,
porque irá gerar uma cadeia de sofrimentos que podem ser incessantes ou que sobrevivem em uma longa faixa de tempo: isso cria
inimizades; ódios; mais a entrada no círculo das paixões baixas, por parte daqueles que são o alvo de tais injúrias ou insultos, como aquelas associadas ao sentimento de vingança.
A inimizade é algo que vai até tão longe no tempo e no espaço!
Isso tudo é
muito triste.
-Ah, é verdade. Eu
acho que todo mundo precisa saber quando está injuriando ou insultando, pois
precisamos de qualquer modo parar com tudo isso!
O cardo!...
ResponderExcluirTexto muito bacana, Josafá. Sério e inspirado...
Lembrei da educação sentimental e das lições de vida de "O Jardim Secreto". Com uma pequena mudança de atitude, muitas vezes podemos mudar toda uma situação. Mary Lennox aprovaria, por certo.
Abração, meu caro!
kkkk Zé Antonio! Que bacana você aparecer por aqui e dizer que curtiu. Claro que eu pensei em você quando resolvi escolher a imagem do cardo para ilustrar a postagem! Afinal, embora ele tenha sido citado em O Jardim Secreto, foi você quem me apresentou a imagem da flor. E, sim, claro, atitudes certeiras e acertadas é do que precisamos. ;-)
ExcluirQue texto legal, Josafá.
ExcluirMuitas reflexões aí, que você colocou de maneira bem clara e que fica como alerta para pensarmos em como as palavras têm sido ditas e como têm sido apreendidas também.
E como você mesmo diz, muito desse sentimento que fica não nos traz nada de construtivo.
Gostei muito de ler. Gratíssima, meu querido! =)