Ensemble Intercontemporain |
No dia 02, segunda-feira, fui até
a Sala São Paulo conhecer o Ensemble
Intercontemporain. Trata-se de um grupo composto de 31 musicistas que têm
paixão pela música do século XX e XXI e, assim sendo, a divulgam nas principais
salas de concerto do mundo. O Ensemble
é sediado na Cité de la Musique, em
Paris, e tem um intenso trabalho de pesquisa e de fomento da produção e difusão
da música contemporânea, além de promover a formação e educação musical de
jovens instrumentistas, bem como de seu público.
A oportunidade de ouvir um grupo
de tanto prestígio e que divulga um repertório muito distante do lugar comum
foi uma experiência que achei consoladora em mais de um sentido. Afinal, como é
bom saber que há pessoas trabalhando com o suprassumo da composição musical e
que nos possibilitam, então, uma experiência de audição muito mais próxima do
nosso próprio tempo em uma espécie de atualização da tradição de concertos. Evidentemente,
o repertório apresentado também tinha muito de atemporal, e isso desde a
primeira peça, La Barque Mystique, de Tristan Murail (1947). Nela, senti-me como fosse tripulante da tal barca que na minha sensação navegava não em águas líquidas mas numa espécie de bruma espessa.
Marthe Keller |
Também devido ao programa da noite, tínhamos ainda um motivo a mais para entender tal concerto como um acontecimento particularmente especial, é que acompanhava o grupo e seu
regente, Jean Deroyer, a atriz suíça
Marthe Keller, que faria a
protagonista da obra de Michael Jarrel,
Cassandre: o monodrama escrito em
1993-94, especialmente para a atriz. Trata-se, segundo seu compositor, de peça
escrita para “comediante e conjunto instrumental e eletrônico”. Foi uma honra ouvir Keller o declamando.
Além disso, foi também muito impactante ouvir tal narrativa em primeira pessoa. Nela, uma mulher solitária expõe seu drama. Cassandra, na mitologia, foi a bela filha de Príamo e Hécuba, reis de Troia e que recebeu do
apaixonado deus Apolo o dom da profecia. Como ela se negou a corresponder
ao amor do deus, Apolo decidiu que seu dom seria inútil e, então, embora ela
profetizasse, ninguém lhe dava crédito.
A peça de Jarrel foi inspirada na versão radiofônica que Gerhard Wolf que a adaptara da novela escrita por sua esposa, a escritora alemã Christa Wolf. Então, encontramos Cassandra no momento em que ela é prisioneira de Agamenon e tem poucas horas de vida. Cassandra nos conta em desespero tudo o que ocorreu na guerra que ela previra e que ninguém foi capaz de evitar, ou seja, no momento após ter testemunhado a morte dos pais e a derrota da cidade.
A peça de Jarrel foi inspirada na versão radiofônica que Gerhard Wolf que a adaptara da novela escrita por sua esposa, a escritora alemã Christa Wolf. Então, encontramos Cassandra no momento em que ela é prisioneira de Agamenon e tem poucas horas de vida. Cassandra nos conta em desespero tudo o que ocorreu na guerra que ela previra e que ninguém foi capaz de evitar, ou seja, no momento após ter testemunhado a morte dos pais e a derrota da cidade.
O musicólogo e crítico musical Philippe Albèra, citado no programa do
concerto, analisa que “a música de Michael Jarrel situa-se naquele limiar que
separa a profundidade do passado do abismo do futuro. Essa música incerta e
vibrante oscila entre o dito e o não dito, entre o sono e a vigília; dela
emergem vozes solitárias e fantasmagóricas. (...) Oblívio e retrospecção em Cassandre refletem-se, pois, numa música
que entretece misteriosamente os fios do novo e do velho.”
Pois bem, uma experiência como a
de ouvir tal peça pode ser transformadora se assim o quisermos. Afinal,
por ela vivenciamos a emoção de conhecermos artistas tão talentosos e ainda encenando
uma peça tão bem escrita e urdida por seus autores, mas também aprendemos que, desde
tempos imemoriais, os místicos como Cassandra são desacreditados. Porém, tal
experiência trágica renova-se em mais de um grau, a cada dia, em meio à
humanidade que se por um lado é sofrida, por outro, é também bastante feroz. Mon Dieu!
Cassandra and her Trojan | by Jann Barry |
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