sexta-feira, 27 de julho de 2012

Caravaggio no Masp

Finalmente, chegou o momento que tenho mais esperado desde há um ano, ou seja, quando foi anunciado que teríamos uma exposição em 2012 no Brasil de Michelangelo Merisi da Caravaggio.

Eu já falei em uma postagem nesse blog intitulada Um Caravaggio o que eu sinto em relação a esse artista e sua obra. 

Agora, resta aguardar os poucos dias que faltam - a exposição começa no dia 1º de agosto - para irmos todos até o Masp (Museu de Arte de São Paulo).

Uma amiga querida, a jornalista Rita Alves, entrevistou o curador brasileiro da exposição Caravaggio e seus seguidores, Fábio Magalhães. No caderno de cultura do Diário do Comércio, o  DCultura, você lê essa matéria muito esclarecedora de todos os pormenores dessa exposição, que reúne, além de obras de Caravaggio, também dos chamados caravaggescos. 

Depois de  São Paulo, as obras seguem para Buenos Aires.

Non perdere questa occasione!

A tela "São Jerônimo escrevendo", também conhecida como "São Jerônimo em seu estúdio"
 ou apenas "São Jerônimo", uma das obras de Caravaggio em exposição no Masp


terça-feira, 24 de julho de 2012

Refinamentos da percepção


Deve ser difícil colher a flor do Cardo sem se machucar
 via Flora da Serra da Arrábida







- Você precisa tomar muito cuidado para não achar que tudo o que falam a sua volta diz respeito a você!

- Sim, pois isso demonstraria demasiada autocentralidade... kkkk Mas, por exemplo, mesmo que não diga respeito diretamente a mim aquilo que alguém está dizendo em público, ainda que na minha presença... Mas, o que pensar quando o dito denota uma opinião já arraigada e que demonstra um preconceito? Ainda assim, não teríamos que responder ao que sentimos, por exemplo, como um insulto?

- Acho que precisamos de um exemplo aqui.

- Pois bem, outro dia, dois homens conversavam na minha presença. Um deles, bem mais jovem que seu interlocutor. Ele dizia que a mãe não tinha gostado do fato de que um dos filhos (um irmão desse que falava) tivesse resolvido usar brincos (veja que bobagem!). O jovem contou que ela até chorou quando viu o que o tal filho fizera. Então, esse irmão, o que contava ao amigo o ocorrido, disse que naquela oportunidade falou para a sua mãe: “Calma, mãe, não precisa chorar: ele não virou veado...” Imediatamente, senti-me autorizado a questionar: Quer dizer que, se ele tivesse “virado” veado, ela podia chorar à vontade?

- E aí?

- Bem, e aí que ele me pediu desculpas, embora não pudesse apagar o que havia dito. Parece que o que acontece em semelhante situação é que o preconceito está tão arraigado na pessoa que ela simplesmente esquece que está insultando alguém, quando apenas descreve tal preconceito, “inocentemente”, ou seja, em meio a uma fala, contando uma história ou fazendo uma anedota.

- Isso me fez lembrar o que li certa vez em um livro de um psicanalista, o Alain Didier-Weill. Acho que foi no livro Os Três Tempos da Lei: o mandamento siderante, a injunção do supereu e a invocação musical. Era um livro dificílimo, como costumam ser os textos de psicanálise em geral e eu guardei pouca coisa do que ele trata. Talvez a questão da sideração tenha ficado bem entendida, afinal foi o primeiro lugar em que ouvi falar nesse conceito. Mas houve uma outra passagem que eu nunca vou esquecer!

Trata-se de quando ele explica a diferença que há entre Injúria e Insulto. Não era exatamente com essas palavras que vou utilizar aqui, claro, mas ele dava, entre outros, esse mesmo exemplo que eu vou dar. Na Injúria você tem uma situação em que o ofendido pode revidar, imediatamente, pois de fato ele não é aquilo de que você o acusa, quando tem a intenção de rebaixá-lo; já no insulto, o insultado fica sem resposta imediata - ao menos para um protesto que possa ser a negação da sua condição - pois ele não pode negar aquilo de que você essencialmente o chama. Até porque o problema não está em ele ser aquilo, mas em você não aceitá-lo como tal ou considerar que, assim sendo, ele lhe é inferior. Portanto, você o considera inferior por ele ser o que é e daí o termo pejorativo para designar tal condição, etc. e tal.

Vemos isso na diferença, por exemplo, entre chamar de "filho da puta" alguém cuja mãe não é prostituta, e chamar também assim aquele que realmente é o filho de uma prostituta: o primeiro foi injuriado, ou seja, sofreu uma injúria, você o acusa, ainda que com a intenção de ofendê-lo, de ser o que ele de fato não é. Já o segundo foi insultado, porque você, ao apontar aquilo que ele é, julgou-o indigno por isso mesmo, quis de qualquer modo ofendê-lo, rebaixá-lo na sua condição e, assim, o insultou.

O que nos faz pensar que em nossos julgamentos, ou seja, quando somos muito judiciosos em relação aos outros, acerca do que são ou deixam de ser, tudo isso nos expõe ao patético de proporcionar demasiado sofrimento! 


Por que isso é patético? 

Evidentemente, porque irá gerar uma cadeia de sofrimentos que podem ser incessantes ou que sobrevivem em uma longa faixa de tempo: isso cria inimizades; ódios; mais a entrada no círculo das paixões baixas, por parte daqueles que são o alvo de tais injúrias ou insultos, como aquelas associadas ao sentimento de vingança. A inimizade é algo que vai até tão longe no tempo e no espaço! 

Isso tudo é muito triste.

-Ah, é verdade. Eu acho que todo mundo precisa saber quando está injuriando ou insultando, pois precisamos de qualquer modo parar com tudo isso!

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Petals or leaves

Essa semana encontrei-me com um amigo, que me contou algo que ele próprio julgava incrível, impossível de acontecer com alguém, mas que acontecera consigo mesmo.

Parecia um sonho, mas ele estava acordado.

Ele me disse que saíra para ir ao supermercado e que, quando entrou no tal estabelecimento comercial e enquanto andava pelos corredores olhando as prateleiras, ao dar um determinado passo, sentiu como se tivesse atravessado um portal (isso mesmo) e, em uma fração de segundos, um tufão imenso veio em sua direção e, com essa ventania, páginas e mais páginas de registros das cenas de todo um passado vinham também: como se fossem folhas soltas de uma revista, mas no formato digital.

Ele não conseguia, mesmo que tudo aquilo passasse diante dos seus olhos, fixar o olhar em nenhuma das imagens que essas folhas soltas mostravam e apenas uma, também muito rapidamente, ou seja, em uma mera fração de segundos, se fixou diante dele, para em seguida também se perder em meio ao vendaval.

Nessa última folha, havia um rosto de uma personagem oriental.

Quando isso tudo acabou, ele se viu novamente no supermercado, evidentemente, aturdido.
Mas, algo se revelara com a experiência, ou seja, uma informação verdadeira e única se salvou e que dizia respeito, provavelmente, a um passado remotíssimo do meu amigo e que, além disso, talvez estivesse relacionada com aquela personagem de priscas eras. A ver.

Independentemente de que isso seja uma informação de ordem espiritual e que ele recebeu por necessidade e/ou merecimento ou, se você preferir, mera alucinação, o acontecido em si é algo bastante surpreendente: ainda mais que o meu amigo é uma pessoa muito lúcida e que não diz asneiras ou inventa histórias, eu posso garantir.
Isso que ele me contou voltou a minha lembrança agora, pois acho que tem tudo a ver com o que Amy Lowell, uma poetisa norte-americana, descreve em um dos seus poemas.

Eu conheci tal poetisa, ainda ontem, via web, e descobri que se trata de uma artista maravilhosa! 

Fiquei tão empolgado que fiz de brincadeira uma tradução deste seu poema lindo. Não é séria a tradução, é apenas uma brincadeira. Ok? Sabemos todos nós que traduzir poesia demanda algo, no mínimo, como dois anos, pensando na melhor versão para um único verso! kkkk

a poetisa quando criança
Petals

Life is a stream
On which we strew
Petal by petal the flower of our heart;
The end lost in dream,
They float past our view,
We only watch their glad, early start.
Freighted with hope,
Crimsoned with joy,
We scatter the leaves of our opening rose;
Their widening scope,
Their distant employ,
We never shall know. And the stream as it flows
Sweeps them away,
Each one is gone
Ever beyond into infinite ways.
We alone stay
While years hurry on,
The flower fared forth, though its fragrance still stays.

Amy Lowell
Pétalas

A vida é um fluxo
Em que espalhamos
Pétala por pétala a flor do nosso coração;
O fim perdido em sonho,
Elas fazem boiar nosso anterior propósito,
Nós apenas assistimos o contentamento delas, na prematura arrancada.
Carregadas de esperança,
Enrubescidas de alegria,
Nós espalhamos as folhas de nossa rosa aberta;
Seu amplo objetivo,
Seu distanciado emprego,
Nós nunca saberemos. E o fluxo à medida que flui
Varre-as.
Cada uma está desaparecida,
Sempre além, em infinitas direções.
Nós permanecemos sós,
Enquanto os anos correm.
A flor passou adiante, embora sua fragrância ainda permaneça.

sábado, 14 de julho de 2012

Richard Sweeney


Richard Sweeney nasceu em Huddersfield, Inglaterra, em 1984. Ele descobriu um talento natural para a escultura na Batley School of Art and Design, em 2002, que o levou ao estudo do desenho tridimensional na Metropolitan Manchester University.
O trabalho de Sweeney combina as disciplinas de design, fotografia, artesanato e escultura.
Ele lecionou na Universidade de Artes Aplicadas, de Viena, e é professor convidado do departamento de design gráfico na Sheffield Hallum University.

Richard Sweeney é representado pela Victor Felix Gallery, em Londres.

Só conheci este trabalho hoje, via facebook, e não resisti a divulgá-lo também por aqui, meu canto predileto para colecionar imagens de talento e sensibilidade sem par. ;-)





quarta-feira, 11 de julho de 2012

Bliss or the pear tree


via World Trees

Não há motivo algum para se sentir infeliz, vamos combinar assim. Ainda que, por exemplo, sei lá... você descobrisse que seu namorado tem um envolvimento com outra pessoa. Ainda assim! Tampouco isso justificaria o sentimento de infelicidade mórbida que costuma acometer algumas pessoas, as quais eu conheço e talvez você mesmo também conheça.

A tal descoberta justifica, quando muito, o término da relação, justificaria também, quiçá, o perdão e o recomeço, mas não o sentimento de tristeza profunda e que acompanha tantas decepções amorosas.

Fiquei pensando nisso ao ler o conto Bliss, “Felicidade”, de Katherine Mansfield.

Bertha Young, Pearl Fulton e Harry vivem qualquer coisa que, afinal, não poderia ser catalogada em um nível comum de relação, mesmo aquela que já se esperaria de um triângulo, ou seja, quando o próprio "triângulo"  não é de fato desejado, ao menos por um dos três vértices.

Nesse conto há uma cumplicidade entre mais de um par: entre Bertha e Pearl e entre Pearl e Harry. E claro, uma cumplicidade em algum sentido mais profundo, para além da natural ou que já se esperaria, entre Bertha e Harry: o casal "oficial".

Mas, então, no ápice do que poderia ter sido uma situação que, entre os mortais comuns, decairia  para uma espécie de sofrimento imensurável, temos tão somente essa singela passagem:

Bertha correu para as janelas largas do jardim. "Deus! O que vai acontecer agora?".
Mas a pereira estava tão linda como sempre, tão imóvel e florida como sempre.
  
No fundo, é isso o que me interessou apreender nessa experiência de leitura: o fato de que essa linda pereira continua imóvel e florida como sempre.

Mesmo que a apropriação da metáfora possa parecer "brega", não vou me furtar a dizer que há, sim, uma pereira dentro de cada um de nós e é a isso que desejo também chamar felicidade, porque se trata daquela que não se dissipa por nenhum motivo da ordem dos anseios egoístas, menos ainda por um motivo que pretenda ser o oposto dessa beleza e desse desabrochar sem igual. Mesmo quando me desespero e clamo por Deus e/ou me pergunto acerca do futuro incerto.

Simplesmente assim ou ainda que não tão simplesmente! ;-)

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Ensemble Intercontemporain e Marthe Keller: uma visão de Cassandre!


Ensemble Intercontemporain

No dia 02, segunda-feira, fui até a Sala São Paulo conhecer o Ensemble Intercontemporain. Trata-se de um grupo composto de 31 musicistas que têm paixão pela música do século XX e XXI e, assim sendo, a divulgam nas principais salas de concerto do mundo. O Ensemble é sediado na Cité de la Musique, em Paris, e tem um intenso trabalho de pesquisa e de fomento da produção e difusão da música contemporânea, além de promover a formação e educação musical de jovens instrumentistas, bem como de seu público.

A oportunidade de ouvir um grupo de tanto prestígio e que divulga um repertório muito distante do lugar comum foi uma experiência que achei consoladora em mais de um sentido. Afinal, como é bom saber que há pessoas trabalhando com o suprassumo da composição musical e que nos possibilitam, então, uma experiência de audição muito mais próxima do nosso próprio tempo em uma espécie de atualização da tradição de concertos. Evidentemente, o repertório apresentado também tinha muito de atemporal, e isso desde a primeira peça, La Barque Mystique, de Tristan Murail (1947). Nela, senti-me como fosse tripulante da tal barca que na minha sensação navegava não em águas líquidas mas numa espécie de bruma espessa.

Marthe Keller
Também devido ao programa da noite, tínhamos ainda um motivo a mais para entender tal concerto como um acontecimento particularmente especial, é que acompanhava o grupo e seu regente, Jean Deroyer, a atriz suíça Marthe Keller, que faria a protagonista da obra de Michael Jarrel, Cassandre: o monodrama escrito em 1993-94, especialmente para a atriz. Trata-se, segundo seu compositor, de peça escrita para “comediante e conjunto instrumental e eletrônico”. Foi uma honra ouvir Keller o declamando.

Além disso, foi também muito impactante ouvir tal narrativa em primeira pessoa. Nela, uma mulher solitária expõe seu drama. Cassandra, na mitologia, foi a bela filha de Príamo e Hécuba, reis de Troia e que recebeu do apaixonado deus Apolo o dom da profecia. Como ela se negou a corresponder ao amor do deus, Apolo decidiu que seu dom seria inútil e, então, embora ela profetizasse, ninguém lhe dava crédito.

A peça de Jarrel foi inspirada na versão radiofônica que Gerhard Wolf que a adaptara da novela escrita por sua esposa, a escritora alemã Christa Wolf. Então, encontramos Cassandra no momento em que ela é prisioneira de Agamenon e tem poucas horas de vida. Cassandra nos conta em desespero tudo o que ocorreu na guerra que ela previra e que ninguém foi capaz de evitar, ou seja, no momento após ter testemunhado a morte dos pais e a derrota da cidade.

O musicólogo e crítico musical Philippe Albèra, citado no programa do concerto, analisa que “a música de Michael Jarrel situa-se naquele limiar que separa a profundidade do passado do abismo do futuro. Essa música incerta e vibrante oscila entre o dito e o não dito, entre o sono e a vigília; dela emergem vozes solitárias e fantasmagóricas. (...) Oblívio e retrospecção em Cassandre refletem-se, pois, numa música que entretece misteriosamente os fios do novo e do velho.”

Pois bem, uma experiência como a de ouvir tal peça pode ser transformadora se assim o quisermos. Afinal, por ela vivenciamos a emoção de conhecermos artistas tão talentosos e ainda encenando uma peça tão bem escrita e urdida por seus autores, mas também aprendemos que, desde tempos imemoriais, os místicos como Cassandra são desacreditados. Porém, tal experiência trágica renova-se em mais de um grau, a cada dia, em meio à humanidade que se por um lado é sofrida, por outro, é também bastante feroz. Mon Dieu!

     Cassandra and her Trojan by Jann Barry